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09/05/2003
-
09h44
Colunista da Folha de S.Paulo
O BNDES está pronto para restabelecer os CCRs (Convênios de Crédito Recíprocos), um mecanismo que o ministro argentino da Economia, Roberto Lavagna, definiu como "o instrumento mais concreto, direto e imediato" de que Brasil e Argentina dispõem para revigorar a cooperação entre os dois países.
Lavagna tem razão: os CCRs são uma espécie de câmara de compensação, na qual os exportadores de um lado e outro podem usar a moeda nacional para pagar suas compras, eliminando ou reduzindo a necessidade do dólar.
Para Carlos Lessa, o presidente do BNDES, os CCRs são mais que isso: configuram uma espécie de embrião de moeda única para o Mercosul, uma idéia que foi posta no papel na segunda-feira, em reunião entre os vice-chanceleres do Brasil e da Argentina.
Lavagna e seu colega brasileiro, Antonio Palocci Filho, discutiram o relançamento dos CCRs no jantar que compartilharam anteontem, na residência do embaixador argentino Juan José Uranga.
Mas os dois não falaram de moeda única.
O relançamento dos CCRs não é o único tentáculo que o BNDES está esticando em direção aos países da América do Sul.
Ao contrário, o banco está colocando carne (ou seja, dinheiro) no esqueleto de política externa desenhada por Lula, que coloca toda a prioridade na América do Sul (África é uma segunda prioridade, pelo menos para este ano).
A ênfase na América do Sul é fácil de explicar: "A capacidade de ação que temos nessa área não pode ser comparada com a que possuímos, por exemplo, na América Central", diz Marcelo Vasconcelos, diplomata lotado na nova subsecretaria criada para cuidar de América do Sul.
Mas o exercício de liderança sub-regional que Lula pretende desenvolver ficaria manco sem recursos financeiros.
Some-se a isso o fato de que o BNDES tem recebido poucos projetos sedutores do setor privado e está armado o cenário para as linhas de financiamento que foram ou logo serão abertas para Venezuela, Argentina e Bolívia.
No caso da Argentina, houve um ruído na divulgação do financiamento. O vice-chanceler Martín Redrado anunciou que haveria US$ 1 bilhão do BNDES para financiar exportações argentinas para qualquer parte do mundo.
Errado. São US$ 500 milhões para financiar exportações argentinas para o Brasil e idêntica quantia para a operação inversa.
Um dos projetos será a construção de uma estrada de Mendoza, junto à cordilheira dos Andes, até Santiago. O Brasil entraria com parte dos equipamentos.
Da mesma forma, o financiamento à Venezuela destina-se à compra do que o Brasil sonha em exportar para o mundo (aviões, máquinas e equipamentos).
"Valor agregado", entusiasma-se Carlos Lessa.
Com a Bolívia, o problema é de outra natureza. Trata-se de sair da armadilha do preço dolarizado do gás boliviano fornecido ao Brasil.
Operação diplomática complicada pois a simples menção da hipótese de renegociar o contrato poderia levar ao colapso do já frágil governo boliviano, dada a importância dos recursos vindos da venda do gás para o país.
Mas o fato de o BNDES estar operando em várias frentes não significa que o relacionamento Brasil/Argentina deixe de ser prioridade. Só a partir do restabelecimento do que o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Botafogo Gonçalves, chama de "anos de ouro do Mercosul" seria possível de fato sonhar com projetos que alcançassem mais países.
O embaixador vê um momento favorável agora em que desapareceu a disparidade de políticas cambiais e a Argentina dá os primeiros e tímidos passos para a sua recuperação econômica.
O Brasil se dispõe a ajudar por meio do que Botafogo Gonçalves chama de "condições especiais", válidas para o período de crise.
Entre elas, permitir que a Argentina continue violando a TEC (Tarifa Externa Comum, válida para as importações dos quatro países do Mercosul) na área de bens de capital. É a maneira de comprar mais baratos os equipamentos indispensáveis para a reconstrução econômica. É uma concessão que causa queixas surdas no próprio Itamaraty e mais ruidosas entre empresários.
BNDES vai relançar CCRs, embrião de moeda única do Mercosul
CLÓVIS ROSSIColunista da Folha de S.Paulo
O BNDES está pronto para restabelecer os CCRs (Convênios de Crédito Recíprocos), um mecanismo que o ministro argentino da Economia, Roberto Lavagna, definiu como "o instrumento mais concreto, direto e imediato" de que Brasil e Argentina dispõem para revigorar a cooperação entre os dois países.
Lavagna tem razão: os CCRs são uma espécie de câmara de compensação, na qual os exportadores de um lado e outro podem usar a moeda nacional para pagar suas compras, eliminando ou reduzindo a necessidade do dólar.
Para Carlos Lessa, o presidente do BNDES, os CCRs são mais que isso: configuram uma espécie de embrião de moeda única para o Mercosul, uma idéia que foi posta no papel na segunda-feira, em reunião entre os vice-chanceleres do Brasil e da Argentina.
Lavagna e seu colega brasileiro, Antonio Palocci Filho, discutiram o relançamento dos CCRs no jantar que compartilharam anteontem, na residência do embaixador argentino Juan José Uranga.
Mas os dois não falaram de moeda única.
O relançamento dos CCRs não é o único tentáculo que o BNDES está esticando em direção aos países da América do Sul.
Ao contrário, o banco está colocando carne (ou seja, dinheiro) no esqueleto de política externa desenhada por Lula, que coloca toda a prioridade na América do Sul (África é uma segunda prioridade, pelo menos para este ano).
A ênfase na América do Sul é fácil de explicar: "A capacidade de ação que temos nessa área não pode ser comparada com a que possuímos, por exemplo, na América Central", diz Marcelo Vasconcelos, diplomata lotado na nova subsecretaria criada para cuidar de América do Sul.
Mas o exercício de liderança sub-regional que Lula pretende desenvolver ficaria manco sem recursos financeiros.
Some-se a isso o fato de que o BNDES tem recebido poucos projetos sedutores do setor privado e está armado o cenário para as linhas de financiamento que foram ou logo serão abertas para Venezuela, Argentina e Bolívia.
No caso da Argentina, houve um ruído na divulgação do financiamento. O vice-chanceler Martín Redrado anunciou que haveria US$ 1 bilhão do BNDES para financiar exportações argentinas para qualquer parte do mundo.
Errado. São US$ 500 milhões para financiar exportações argentinas para o Brasil e idêntica quantia para a operação inversa.
Um dos projetos será a construção de uma estrada de Mendoza, junto à cordilheira dos Andes, até Santiago. O Brasil entraria com parte dos equipamentos.
Da mesma forma, o financiamento à Venezuela destina-se à compra do que o Brasil sonha em exportar para o mundo (aviões, máquinas e equipamentos).
"Valor agregado", entusiasma-se Carlos Lessa.
Com a Bolívia, o problema é de outra natureza. Trata-se de sair da armadilha do preço dolarizado do gás boliviano fornecido ao Brasil.
Operação diplomática complicada pois a simples menção da hipótese de renegociar o contrato poderia levar ao colapso do já frágil governo boliviano, dada a importância dos recursos vindos da venda do gás para o país.
Mas o fato de o BNDES estar operando em várias frentes não significa que o relacionamento Brasil/Argentina deixe de ser prioridade. Só a partir do restabelecimento do que o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Botafogo Gonçalves, chama de "anos de ouro do Mercosul" seria possível de fato sonhar com projetos que alcançassem mais países.
O embaixador vê um momento favorável agora em que desapareceu a disparidade de políticas cambiais e a Argentina dá os primeiros e tímidos passos para a sua recuperação econômica.
O Brasil se dispõe a ajudar por meio do que Botafogo Gonçalves chama de "condições especiais", válidas para o período de crise.
Entre elas, permitir que a Argentina continue violando a TEC (Tarifa Externa Comum, válida para as importações dos quatro países do Mercosul) na área de bens de capital. É a maneira de comprar mais baratos os equipamentos indispensáveis para a reconstrução econômica. É uma concessão que causa queixas surdas no próprio Itamaraty e mais ruidosas entre empresários.
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