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17/06/2003 - 08h34

Mercosul sonha ser "Estados Unidos da América do Sul"

CLÓVIS ROSSI
da Folha de S.Paulo, em Assunção

O Mercosul continua na UTI para onde foi enviado pela sucessão de crises dos últimos anos, mas, paradoxalmente, inaugura hoje sua 24ª reunião de cúpula sonhando alto, muito alto, com uma integração tão ampla que, de certa forma, o transforme em uma espécie de "Estados Unidos da América do Sul".

O encontro dos chefes de governo, hoje e amanhã em Assunção (Paraguai), tem como pano de fundo o que o Itamaraty batiza de "Objetivo 2006": chegar a esse ano, não por acaso o que marca o encerramento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (se não houver reeleição) com pelo menos o arcabouço de um mercado comum já construído.

Mercado comum é bem mais do que uma zona de livre comércio e mais até do que uma união aduaneira, o estágio em que se encontra o Mercosul. Zona de livre comércio significa zerar as tarifas de importação para o comércio entre os países-membros. União aduaneira dá um passo além: estabelece uma TEC (Tarifa Externa Comum) para importações provenientes de países não-membros.

Já mercado comum implica uma integração mais profunda, o que inclui, se possível, uma moeda única, tema que aparece cada vez mais repetidamente nos comunicados conjuntos emitidos pelos governos do Brasil e da Argentina.

Das glórias à UTI

Parece ambição excessiva para um bloco que passou de "um período de glória, entre 1992/98, para a UTI", na definição de Gilberto Dupas, um dos maiores especialistas brasileiros em política externa.

De fato, o comércio entre o Brasil e seus três parceiros caiu do pico de US$ 18,5 bilhões atingidos em 1997 para a metade, pouco mais ou menos, no ano passado.

Comércio é sempre o motor de qualquer processo de integração, por mais ambiciosas que sejam as outras metas que passaram a frequentar o dicionário mais recente do Mercosul.

O que aconteceu para que um paciente na UTI consiga sonhar sonhos tão ambiciosos?

Primeiro, mudou o ambiente político. Tanto no Brasil como na Argentina assumiram presidentes profundamente comprometidos com o Mercosul como prioridade absoluta de suas agendas externas.

Relações carnais

"Mais empenho do presidente Lula só SE ele mantiver relações carnais com o Mercosul", ouviu a reportagem no Itamaraty, entre negociadores experimentados.

É uma alusão à expressão que designava a prioridade que a Argentina deu ao relacionamento com os Estados Unidos na longa era Carlos Menem (1989/99).

Agora, "não há nem haverá nenhum tipo de sociedade bilateral com os Estados Unidos. Qualquer acordo que viermos a fazer será como Mercosul", disse o presidente Néstor Kirchner, depois de sua visita ao colega Lula na semana passada em Brasília.

Além desse novo empenho, há o fato de que três dos quatro presidentes estão fresquinhos no cargo, o que lhes dá o direito de ter todas as ilusões que as dificuldades da empreitada eventualmente derrubam depois.

Lula assumiu há pouco menos de seis meses; Kirchner, há menos de um mês; e o paraguaio Nicanor Duarte Frutos só vai tomar posse em agosto.

Perfurações

Os sonhos ambiciosos não significam, no entanto, que as dificuldades de sempre tenham sido deixadas para trás.

Exemplo: a TEC continua tendo o que o jargão diplomático chama de "perfurações". Tantas que os diplomatas dos quatro países-membros costumam chamá-la de "queijo suíço".

A cúpula de hoje e amanhã buscará "maneiras de retomar a TEC, essencial para a consolidação da união aduaneira", diz o embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares, que, como Lula, estréia numa cúpula do Mercosul.

Macedo Soares passou a chefiar a SGAS (Subsecretaria Geral para a América do Sul), diretamente subordinada ao ministro Celso Amorim, e que supervisiona todas as negociações com os parceiros e do bloco com outros países.

A cúpula, aliás, servirá também para a assinatura do que o jargão diplomático batiza de "acordo-quadro" com a Índia. É um entendimento que fornece a moldura para a integração. Já há um acordo do tipo com a África do Sul, mas, com a Índia, está se avançando mais rápido nas medidas concretas.

É resultado da nova ênfase da diplomacia brasileira na relação Sul/Sul. Facilita o novo enfoque o fato de que o Itamaraty e o próprio Mercosul passaram a tratar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas, típica construção Norte/Sul) como secundária, na comparação com o Mercosul.

No governo anterior também havia restrições à Alca, mas a atual administração explicitou-as: para o Brasil ou se reduz a ambição da Alca ou se aumenta o prazo para chegar a ela, hoje fixado em 2005.

Combina à perfeição com o "objetivo 2006": o final da negociação Alca poderá encontrar um Mercosul mais sólido, bem longe da UTI em que convalesce de sucessivas crises.
 

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