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19/06/2003
-
07h28
da Folha de S.Paulo
No coração do mundo do crédito pessoal, localizado no calçadão das ruas São Bento e da Quitanda, a discussão sobre a queda de meio ponto percentual na taxa básica de juros da economia parece sem sentido.
As duas vias concentram, em um espaço de quatro quarteirões, 14 financeiras, que oferecem dinheiro rápido às centenas de milhares de pessoas que passam diariamente pelo local.
Os juros anunciados fazem corar os familiarizados com a taxa básica da economia, a Selic, reduzida para 26% ao ano. A taxa média no centro de SP é de 12%. Ao mês. Anualizado, o índice chega a cerca de 290%.
O problema aumenta de tamanho quando se percebe que, na ponta do lápis, o preço do crédito acaba sendo bem maior do que os juros.
Isso porque a maioria das financeiras inclui nas parcelas taxas como a TAC (Tarifa de Abertura de Crédito), IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) ou mesmo seguro desemprego e cobra juros em cima desses valores.
Dessa forma, para uma taxa anunciada de 11,8%, por exemplo --no caso de empréstimo de R$ 1.000 em 12 vezes-- é cobrada uma parcela de R$ 180,50.
Na realidade, nesse caso o devedor acaba pagando 14,49% por mês em cima do valor emprestado. Ao final de um ano, desembolsa R$ 2.176, mais do que o dobro do emprestado.
O cliente, se não pergunta, nem sempre é avisado dos adicionais. A falta de informação, aliás, é tão grande quanto a operação de guerra montada pelas financeiras para atrair clientes.
É impossível transitar pela região sem ser abordado por um dos divulgadores de bandeiras como Zogbi, Losango ou Citi Financial, que têm como missão levar o cliente até a porta da loja.
No local, na conversa com os atendentes, começam os problemas: se quem procura crédito quer saber exatamente quanto vai pagar de TAC e IOF, por exemplo, muitos não sabem ou não podem informar.
Algumas financeiras também não dizem o valor da taxa de juros cobrada durante a consulta, sob alegação de temer a acirrada concorrência da região.
Apesar de todos os senões, a demanda por crédito é grande e a aprovação por parte das financeiras, difícil. Quem procura empréstimos nessas condições normalmente já tem dívidas com bancos ou parentes.
"Estou devendo para o Banco do Brasil e para a Nossa Caixa Nosso Banco. Agora, apelei para financeira", afirmou a guarda civil Ruth Barros, 30, que na última terça-feira tentava obter R$ 600 para pagar a escola da filha.
O pedido de crédito de Barros não foi aceito, já que ela fez um financiamento em uma loja e não pagou: a aprovação em quase todas as lojas está sujeita a consultas ao SPC e Serasa.
Para fugir da inadimplência, outra exigência comum é que o cliente tenha talão de cheques e apresente comprovantes de renda e residência.
Na mira
A legislação para quem cobra juros extorsivos é antiga e defasada. O decreto que prevê punição para esse tipo de caso é de 1933, e proíbe cobrança de juros superior a 1% ao mês.
Detalhe: não vale para instituição financeira. A esperança de quem se sente lesado é se apoiar no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil. Este prevê a redução dos juros se o devedor, por extrema necessidade, assumiu o pagamento de uma prestação desproporcional ao valor emprestado.
Quem obtém crédito também pode se defender das cobranças as vezes constrangedoras de algumas financeiras. Segundo Marco Antônio Zanellato, coordenador das Promotorias de Justiça do Consumidor do Estado, do Ministério Público Estadual, há casos em que estas contratam empresas de cobrança que até ameaçam o devedor.
"São cobranças em que se ameaça ficar com o carro ou com a casa da pessoa e que não são permitidas pelo Código de Defesa do Consumidor", diz ele.
As financeiras se defendem dizendo que os atendentes são orientados a explicar todas as taxas envolvidas na operação. "Nos contratos, as taxas e adicionais são especificados", afirmou o diretor da Citi Financial, Ricardo Fiúza.
"Coração do crédito" ignora Copom
MAELI PRADOda Folha de S.Paulo
No coração do mundo do crédito pessoal, localizado no calçadão das ruas São Bento e da Quitanda, a discussão sobre a queda de meio ponto percentual na taxa básica de juros da economia parece sem sentido.
As duas vias concentram, em um espaço de quatro quarteirões, 14 financeiras, que oferecem dinheiro rápido às centenas de milhares de pessoas que passam diariamente pelo local.
Os juros anunciados fazem corar os familiarizados com a taxa básica da economia, a Selic, reduzida para 26% ao ano. A taxa média no centro de SP é de 12%. Ao mês. Anualizado, o índice chega a cerca de 290%.
O problema aumenta de tamanho quando se percebe que, na ponta do lápis, o preço do crédito acaba sendo bem maior do que os juros.
Isso porque a maioria das financeiras inclui nas parcelas taxas como a TAC (Tarifa de Abertura de Crédito), IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) ou mesmo seguro desemprego e cobra juros em cima desses valores.
Dessa forma, para uma taxa anunciada de 11,8%, por exemplo --no caso de empréstimo de R$ 1.000 em 12 vezes-- é cobrada uma parcela de R$ 180,50.
Na realidade, nesse caso o devedor acaba pagando 14,49% por mês em cima do valor emprestado. Ao final de um ano, desembolsa R$ 2.176, mais do que o dobro do emprestado.
O cliente, se não pergunta, nem sempre é avisado dos adicionais. A falta de informação, aliás, é tão grande quanto a operação de guerra montada pelas financeiras para atrair clientes.
É impossível transitar pela região sem ser abordado por um dos divulgadores de bandeiras como Zogbi, Losango ou Citi Financial, que têm como missão levar o cliente até a porta da loja.
No local, na conversa com os atendentes, começam os problemas: se quem procura crédito quer saber exatamente quanto vai pagar de TAC e IOF, por exemplo, muitos não sabem ou não podem informar.
Algumas financeiras também não dizem o valor da taxa de juros cobrada durante a consulta, sob alegação de temer a acirrada concorrência da região.
Apesar de todos os senões, a demanda por crédito é grande e a aprovação por parte das financeiras, difícil. Quem procura empréstimos nessas condições normalmente já tem dívidas com bancos ou parentes.
"Estou devendo para o Banco do Brasil e para a Nossa Caixa Nosso Banco. Agora, apelei para financeira", afirmou a guarda civil Ruth Barros, 30, que na última terça-feira tentava obter R$ 600 para pagar a escola da filha.
O pedido de crédito de Barros não foi aceito, já que ela fez um financiamento em uma loja e não pagou: a aprovação em quase todas as lojas está sujeita a consultas ao SPC e Serasa.
Para fugir da inadimplência, outra exigência comum é que o cliente tenha talão de cheques e apresente comprovantes de renda e residência.
Na mira
A legislação para quem cobra juros extorsivos é antiga e defasada. O decreto que prevê punição para esse tipo de caso é de 1933, e proíbe cobrança de juros superior a 1% ao mês.
Detalhe: não vale para instituição financeira. A esperança de quem se sente lesado é se apoiar no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil. Este prevê a redução dos juros se o devedor, por extrema necessidade, assumiu o pagamento de uma prestação desproporcional ao valor emprestado.
Quem obtém crédito também pode se defender das cobranças as vezes constrangedoras de algumas financeiras. Segundo Marco Antônio Zanellato, coordenador das Promotorias de Justiça do Consumidor do Estado, do Ministério Público Estadual, há casos em que estas contratam empresas de cobrança que até ameaçam o devedor.
"São cobranças em que se ameaça ficar com o carro ou com a casa da pessoa e que não são permitidas pelo Código de Defesa do Consumidor", diz ele.
As financeiras se defendem dizendo que os atendentes são orientados a explicar todas as taxas envolvidas na operação. "Nos contratos, as taxas e adicionais são especificados", afirmou o diretor da Citi Financial, Ricardo Fiúza.
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