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06/07/2003 - 09h26

Lula negocia Alca em 2005 no "toma-lá-dá-cá"

ELIANE CANTANHÊDE
da Folha de S.Paulo, em Brasília
FERNANDO CANZIAN
da Folha de S.Paulo, em Washington

Apesar da forte resistência de setores de esquerda e da Igreja Católica, o governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva negocia para valer a implantação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) para o início de 2005. Só não está clara ainda que abrangência e que poder essa Alca terá.

Planalto e Itamaraty decidiram negociar com os Estados Unidos usando a tática de "devolver na mesma moeda". Quando os Estados Unidos endurecem com o Brasil, o Brasil endurece com os Estados Unidos usando as mesmas armas. A mais forte delas é jogar tudo o que for incômodo e polêmico para a OMC (Organização Mundial do Comércio).

Num documento de fevereiro, os EUA propuseram jogar para a OMC questões que eles próprios não querem mexer, mas são pontos de honra para o Brasil. A principal: subsídios agrícolas.

Agora, o Brasil fez a mesma coisa: propõe deixar na OMC e fora da Alca as questões de propriedade industrial, livre comércio em serviços e acesso a compras e contratos governamentais --todas de interesse direto dos norte-americanos.

Nessa linha, a negociação estaria caminhando para uma "Alca light" ou "Alca mínima", como vem sendo chamada em setores da diplomacia, apesar da discordância do chanceler Celso Amorim. Ele tem se referido a uma "Alca realista". Isso significa que seria limitada à redução de tarifas de conjuntos de produtos, pura e simplesmente. Ou seja, só de acesso a mercados.

Hoje, estima-se que a média das tarifas dos 20 produtos que os EUA mais exportam para o Brasil seja de 15% a 18%. Na contramão, a média das tarifas dos 20 produtos que o Brasil exporta para lá é de mais de 40%.

Ainda no documento de fevereiro, os EUA criaram percentuais de redução de tarifas diferenciados e proporcionais aos seus interesses políticos. Para não ficarem sozinhos na negociação contra os parceiros mais fortes --Mercosul e, dentro dele, especialmente o Brasil--, trataram de jogar iscas para atrair aliados. Capricharam nas tarifas para o Caribe, por exemplo, e salgaram as do sul do continente.

Mais uma vez, a resposta do Brasil foi na mesma linha: reforçar seus laços no Mercosul, tentando tudo para revitalizar o combalido bloco e ter aliados para negociar. Para isso, conforme a Folha apurou, vale até mesmo investir pesado no Paraguai, o parceiro mais fraco dos quatro do Mercosul. Além de Brasil, os demais são Uruguai e Argentina --que tem apoio brasileiro para sair da crise.

A tréplica norte-americana veio no mês passado, quando eles intensificaram a busca de acordos bilaterais fechando um com o Chile e armando um outro para breve com a Colômbia.

Agora, o Brasil não pára de destacar as conquistas do Brasil em outros mercados, como China, Índia e Turquia, enfatizando sempre que o objetivo é diminuir a dependência do mercado americano -destino de 25% das exportações brasileiras.

Negociadores

Antes da reunião do presidente Lula com o presidente George W. Bush, em 20 de junho, houve encontros cruzados para fechar a pauta. A embaixadora dos Estados Unidos em Brasília, Donna Hrinak, se encontrou com o ministro José Dirceu (Casa Civil). O embaixador brasileiro em Washington, Rubens Barbosa, esteve na Casa Branca.

Acertaram, basicamente, os itens dos ministros que acompanhariam Lula, como ambiente e agricultura. Falou-se da Alca apenas como manifestação política de vontade --o que, aliás, se repetiu no próprio almoço que a comitiva brasileira teve depois em Washington já na viagem de Lula.

No final, num texto de quatro páginas distribuído como resultado oficial da visita, apenas meio parágrafo foi dedicado à Alca, para afirmar que os dois lados se comprometem a "cooperar" para "a conclusão exitosa das negociações". Em linguagem diplomática significa: as negociações continuam.

Radicalização

Na visão do Brasil, era importante mostrar que os dois países têm contenciosos demais e não há interesse mútuo em radicalizar já na Alca. Até porque o país deseja, sim, melhor acesso geral aos mercados do continente e aos EUA muito especialmente.

Depois do encontro com Bush, em entrevista na Embaixada do Brasil em Washington, foi a vez de Lula usar também uma metáfora para dizer o que espera dos Estados Unidos. "Eu disse a Bush que o boxeador que nocauteia o seu adversário [referência à proposta dos EUA] tem que ter a humildade de abraçá-lo depois. Na relação econômica e política é preciso generosidade."

Já na visão dos Estados Unidos, era importante sair da reunião de cúpula entre Bush e Lula com um compromisso do governo brasileiro de continuar negociando a Alca. Foi o que obtiveram no documento assinado entre os dois países. Uma das plataformas eleitorais de Bush --e quase um dogma-- é a Alca e a ampliação do comércio mundial.

Toda a negociação em torno do compromisso começou, na verdade, semanas antes, no final de maio, durante a visita ao Brasil de Robert Zoellick, representante de Comércio dos EUA, e em duas reuniões que Amorim teve com o USTR (órgão comercial norte-americano) em Washington.

Nessa viagem, Amorim revelou maiores detalhes de como o Brasil pretende se posicionar em relação à Alca. Brasil e EUA são co-presidentes da Alca, e ainda falta um ano e meio para janeiro de 2005. Logo, não faria sentido abandonar já as negociações.

Na véspera do encontro entre Lula e Bush, o secretário de Comércio dos EUA, Donald Evans, afirmou, em um seminário em Washington na presença do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, que, "quando dois negociadores estão no mesmo barco, e um dá um tiro para baixo, é melhor que o outro não faça o mesmo, pois mais água vai acabar entrando".

A frase era uma referência clara à proposta dos Estados Unidos feita em fevereiro ao Brasil, que o Itamaraty considerou "inviável". No mesmo encontro, Evans anunciou que os EUA vão mandar uma missão oficial americana ao Brasil em novembro para "aprofundar as negociações" em torno da Alca.

Depois do seminário, questionado pela Folha sobre se a Alca ainda poderia sair, Furlan disse: "Ninguém fecha um negócio na primeira oferta".

Bush e eleições

A questão eleitoral americana também é mais um elemento de entrave, agora, nas negociações. Se Bush for reeleito, ele terá dois meses, entre novembro de 2004 e final de dezembro, para fazer concessões ao Brasil e a outros países da região que dificilmente fará durante a campanha. Os agricultores, sindicatos e empresas não ficariam calados.

Por isso, na visão americana, o importante era "amarrar" o Brasil em um compromisso para que as coisas possam ser negociadas mais à frente. Foi o que ocorreu. Enquanto isso, cada país vai seguindo a sua estratégia, e Lula vai driblando as resistências internas à Alca de velhos aliados seus.

Como pano de fundo de tudo, há as discussões em andamento na OMC, para onde o Brasil ameaça jogar as decisões caso os EUA não apresentem a "generosidade" cobrada por Lula.
 

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