Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
19/07/2003 - 04h34

Projeto do BNDES é estéril, diz funcionário

CHICO SANTOS
da Folha de S.Paulo, no Rio

O projeto de investimentos levado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujos pontos principais, prevendo investimentos de R$ 280 bilhões em quatro anos, foram divulgados ontem pela Folha, abriu polêmica dentro do banco.

O economista Eriksom Teixeira Lima, 46, que trabalhou nas áreas de infra-estrutura, planejamento e agricultura do banco, disse que estudos internos já consideraram inviáveis vários dos projetos, especialmente os de interligação de bacias e de transposição de águas.
Lima, no BNDES desde 1984, disse que a discussão dos projetos pode não levar a nada e despertará paixões regionais, provocando um debate "estéril e histérico".

O economista afirmou que o programa parece "a velha história dos militares [regime militar] nos anos 70" e que o Brasil não precisa de um "New Deal", uma alusão ao programa de investimentos públicos do governo dos EUA para gerar empregos na depressão econômica dos anos 30.

Lima é formado em economia pela Unicamp e está licenciado do BNDES até setembro de 2004 para fazer mestrado. Simpático ao PT, já trabalhou em projetos do partido. Em junho, foi um dos economistas do BNDES a assinar o documento "Agenda Interditada", com críticas à condução da política econômica do governo petista.

O BNDES não quis comentar sua entrevista à Folha.

Folha - O que o sr. acha de um plano de investimento em infra-estrutura do BNDES?

Eriksom Teixeira Lima
- Que há necessidade de fazer investimentos, não há dúvida. Existem vários pontos de estrangulamento na economia que exigem investimento em infra-estrutura. Porém, grande parte dessas obras que estão relacionadas não atendem as prioridades, em alguns casos, nem mesmo de longo prazo.

Folha - Quais as obras discutíveis?

Lima
- Dispensáveis. As obras de transposição do rio Tocantins e de interligação da bacia do rio Amazonas com o rio Orinoco e da bacia do Amazonas com o rio da Prata. A construção de um corredor hidroviário Buenos Aires-Venezuela é completamente dispensável. Não atende a nenhuma necessidade de integração, na medida em que já existe a integração por via marítima de toda a região e via hidroviária de Buenos Aires até o rio Paraguai. A ligação do Paraguai com o Amazonas e depois com a Venezuela vai ligar nada a coisa nenhum. Isso só do ponto de vista econômico. Do ponto de vista ambiental, é um desastre absoluto.

Do ponto de vista de uma integração política e econômica, é corretíssima essa valorização da América do Sul como um bloco econômico. Temos que avançar nisso. Agora, do ponto de vista de integração física, hidroviária, temos o mar. Por via terrestre, temos um problema grave. Temos a Amazônia, que não é o melhor lugar para ter transporte terrestre.

Folha - Considerando a necessidade de investir na infra-estrutura do país e de reativar a economia, seriam essas as prioridades?

Lima
- Primeiro uma coisa: tem-se falado em um "New Deal" para o Brasil. Acho que não é o caso. Não estamos na situação do "New Deal". Segundo, se formos pensar pelo menos essas três primeiras obras [interligações e transposição do Tocantins] como geração de empregos, elas não têm sentido. São muito intensivas em capital e programadas para lugares onde não temos mão-de-obra. O desemprego está nas grandes cidades, não na Amazônia.

Vai gerar uma corrida de mão-de-obra que não tem sustentabilidade no longo prazo nessas regiões. Do ponto de vista de geração de empregos, nada. Do ponto de vista de impactos positivos para a economia, aumento da competitividade externa e melhoria da capacitação interna das empresas, o efeito é absolutamente zero.

Folha - A transposição do Tocantins seria viável, considerando também o problema ambiental?

Lima
- O único caminho do rio Tocantins para o São Francisco que vi até hoje ser defendido, pelo próprio vice-presidente do banco [Darc Costa] em um texto da sua época da ESG [Escola Superior de Guerra], era revertendo o curso do rio do Sono. O rio do Sono passa no meio do deserto do Jalapão [reserva biológica no Tocantins]. Tem efeitos ambientais sérios.

A segunda questão é que o São Francisco tem um antigo problema de assoreamento. Então, se jogar tanta água lá, vou ter que transportar essa água rapidamente. Será que inundar o semi-árido do Nordeste é uma solução? Será que o problema é falta de água ou concentração excessiva de água? Todos os estudos que tenho visto que tentam dar soluções que gerem empregos apontam para a retenção das águas das chuvas na região. O pessoal fala: primeiro retém a água, depois, distribui essa água, que não adianta só reter com essa estrutura fundiária.

Folha - Há possibilidade de viabilizar a engenharia financeira para a execução desses projetos?

Lima
- Grande parte desses investimentos não tem retorno econômico interessante do ponto de vista privado. Isso gera alguns problemas de engenharia financeira. O BNDES vai aportar R$ 100 bilhões? Ele precisa ter retorno desses R$ 100 bilhões. Se não tem retorno privado, como retorna o dinheiro do BNDES? O mesmo para o dinheiro dos fundos de pensão, R$ 80 bilhões. E para o setor privado? O BNDES já fez dezenas de estudos, estou no banco há 19 anos. Vários desses projetos foram apontados como inviáveis. Todas essas transposições foram definidas como inviáveis.

Folha - Há risco de que o anúncio de que essas obras serão feitas desvie a atenção de outros projetos considerados essenciais?

Lima
- Isso acontece. É a velha história dos militares na década de 70. Eu crio um grande plano, de Brasil gigantesco, cria-se uma confusão na sociedade, discussão de ambiente, uma barafunda. Você não cria uma unidade de investimentos urgentes, que é fundamental. Esse é o primeira problema. O segundo é que vai despertar paixões regionais monumentais. Se você fala mal de Sepetiba no Rio, vão dizer que você é a favor de São Paulo. Ou seja, você cria um debate estéril e um debate histérico, porque você começa a despertar paixões. E tem mais: a competitividade das indústrias brasileiras não está sendo melhorada por esses investimentos.

Ou seja, está fora de foco. Não só isso, como todas as discussões, todos os seminários feitos nos últimos oito a dez anos no BNDES, estão sendo postos de lado.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página