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21/09/2003 - 07h59

Pioneiro no apoio a Lula, Staub pede ousadia

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GUILHERME BARROS
da Folha de S.Paulo

Há um ano, o empresário Eugênio Staub, 61, presidente da Gradiente, uma das maiores empresas do setor eletroeletrônico no Brasil, surpreendeu ao declarar seu voto ao então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva.

Hoje, após a vitória do PT, Staub, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e do conselho de administração do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), diz que a eleição de Lula significou o fim do risco político para o país. O desafio, agora, é vencer o risco econômico.

Nesta entrevista, concedida em seu escritório na sexta-feira de manhã, Staub não deixou, no entanto, de fazer algumas críticas à política do governo, apesar de manter seu apoio a Lula. Ele acha, por exemplo, que o Banco Central poderia ser mais ousado na política de redução dos juros.

O problema, a seu ver, é que o sistema de consultas que o BC usa para calcular os juros é viciado. "Esse sistema de informações é feito por pessoas ligadas ao setor financeiro", afirmou Staub. "Esse pessoal erra sempre."

Na queda-de-braço entre o BNDES e o Ministério da Fazenda, Staub mostra-se claramente favorável ao banco. "Eu tenho um grande apreço pelo Palocci, acho que ele também é um desenvolvimentista, mas está sentado na cadeira do Tesouro e tem de se preocupar, antes de tudo, com a responsabilidade fiscal", disse.

Leia a seguir a entrevista.

Folha - Qual é a sua avaliação do governo Lula?
Eugênio Staub
- Eu acho que nós temos que comemorar, em primeiro lugar, o fato de o risco político do Brasil ter desaparecido. De 1989 para cá, nas três eleições presidenciais, o grande temor era o Lula ou o PT chegarem ao poder.

Para muitos, o país acabaria. Com a eleição e a posse do Lula, não há mais esse risco político no horizonte. Se o PSDB ganhar em 2006 ou em 2010, não será mais um risco político. A democracia brasileira amadureceu e se consolidou, inclusive para os olhos um pouco estreitos da elite. A elite não enxerga mais o risco de o país ser colocado de pernas para o ar. A eleição do Lula teve o mérito de encerrar um ciclo de incerteza.

Folha - Se o risco político acabou, por que não se investe no país?
Staub
- É porque o risco político foi substituído por essa bobagem que é o risco-país. Exatamente um ano atrás, em fins de setembro, o risco-país chegou ao pico pelo medo de o Lula ganhar a eleição e a economia ir para a breca.

A verdade é que, nos últimos 20 anos, apesar de não ter tido progresso econômico na América Latina, houve um grande progresso político. Todos os países viraram democracias, a oposição ganhou, a inflação acabou. A sociedade está mais amadurecida. Hoje há políticas econômicas sadias.

Ninguém discute mais se tem que ter responsabilidade fiscal ou não. Isso já é um dado. O empresariado não está investindo porque esse processo é muito recente no Brasil. Há dúvidas, por exemplo, se a economia brasileira vai ter condições de crescer. Todos sabem que 2004 e 2005 vão ser bons anos. O problema é saber se a partir de 2006 o país terá condições de crescer.

O setor privado também está traumatizado com as oscilações do câmbio nos últimos dez anos.

Folha - Não há um componente de insegurança política sobre como o governo reagiria, por exemplo, a uma queda de popularidade do presidente?
Staub
- Eu acho que não existe mais ansiedade sobre isso. Percebi uma certa ansiedade dois meses atrás, principalmente do pessoal ligado ao meio rural com as invasões do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], mas acho que o presidente já se manifestou sobre isso de forma muito clara.

Folha - O governo resolveu o problema?
Staub
- Não resolveu, mas se posicionou contra a ilegalidade de movimentos como esse. O governo está num processo de aprendizado para administrar esta máquina enorme que é o Brasil. E está aprendendo muito depressa. No começo de 2004, ele vai estar muito mais aparelhado do que em 2003. Na iniciativa privada, você passa três meses para contratar um novo diretor ou um gerente, e mesmo assim erra. Na hora em que você chega ao governo federal e tem que preencher centenas de cargos de alto nível, é perfeitamente aceitável se houver um erro de 20%.

Folha - Uma das maiores queixas do sr. foi quanto a ausência de política industrial no governo anterior. O problema não continua?
Staub
- Falta uma política industrial para o país. Os mais céticos acham que estou defendendo o cartório, mas não é isso. O país precisa ter essa discussão. Existe uma deficiência cultural no país que acha que apoio ou proteção do poder público à empresa é sinônimo de malandragem, coisa ruim, quando nos outros países não é assim. A empresa, principalmente a nacional, é prestigiada por seus respectivos governos. Os governos enxergam a empresa nacional como um instrumento de desenvolvimento econômico.

O poder das nações, hoje, fora os Estados Unidos, não é mais em cima do poder militar, mas sim em cima do econômico. Ele é feito com seus próprios exércitos, e os exércitos são as empresas.

O governo Fernando Henrique tinha um discurso correto sobre política industrial, mas jamais fez algo. O governo Lula também tem um discurso correto sobre o assunto, mas vai fazer alguma coisa.

Folha - Até agora, não fez nada.
Staub
- Não deu tempo, mas o que está movimentando de gente e inteligência sobre esse tema é sinal de que será feita alguma coisa. Eu não tenho dúvidas de que vamos ter uma política de desenvolvimento econômico que irá englobar uma política industrial.

Folha - Como o sr. vê a atuação do BNDES?
Staub
- A atual diretoria do BNDES herdou uma situação muito adversa do governo anterior. A atividade tradicional do banco está em ordem, mas foram feitas grandes operações especiais pelo governo anterior, principalmente na privatização --e a mais conhecida foi a da AES--, que prejudicaram muito o banco.

A administração do banco é atrapalhada por esses "pepinos" que foram herdados e estão sendo descascados agora. No governo anterior, o BNDES foi transportado de seu leito natural e transformado num banco de investimento muito semelhante aos bancos privados, principalmente os internacionais, até por força da diretoria que foi colocada lá.

Vários dos diretores vieram de bancos estrangeiros. A diretoria nova mudou a estratégia e devolveu ao BNDES a tradição de ser um banco de desenvolvimento.

Portanto, as pessoas que estão lá têm que ser desenvolvimentistas, como é o caso do Carlos Lessa, pessoa que aprecio muito.

Folha - Os projetos defendidos pelo BNDES têm encontrado muitas resistências, principalmente da Fazenda...
Staub
- O que a Fazenda coloca é a preocupação de onde virão os recursos.

Folha - O projeto defendido pelo BNDES para o setor aéreo, por exemplo, foi bombardeado pela Fazenda.
Staub
- A questão do setor aéreo terá de ser resolvida. Se você olha o que acontece nos outros países, com a exceção dos Estados Unidos, que fornecem bilhões de dólares de subsídios, há uma empresa hegemônica no setor aéreo. Isso acontece na Itália, na França, na Coréia do Sul e no Japão. O projeto do BNDES defende a mesma coisa. Um país com as dimensões do Brasil precisa ter uma empresa hegemônica nacional. O BNDES está na vanguarda do desenvolvimento. Eu acho que a posição da diretoria do banco está essencialmente correta.

Folha - O BNDES não se opõe à política do Palocci?
Staub
- Eu tenho um grande apreço pelo Palocci, acho que ele também é um desenvolvimentista, só que está sentado na cadeira do Tesouro e tem de se preocupar, antes de tudo, com a responsabilidade fiscal. Eu não vejo esse conflito. Ninguém mais do que a cúpula do PT quer fazer desenvolvimento. Esse é o compromisso das eleições. O governo vai ter de induzir os investimentos. Necessitará ter projetos, vai ter de atrair os investidores.

Não basta fazer uma boa lição de casa para o país decolar. O país precisa ser proativo.

Folha - Mas esse não é o discurso do Palocci.
Staub
- Eu acredito que seja esse o pensamento do Palocci. O discurso dele tem de ser restrito ao papel dele dentro do governo.

Folha - O sr. acha que há dois Paloccis?
Staub
- Não vejo nem dois Paloccis nem dois governos. Eu vejo muita identidade no PT. Há uma identidade muito grande de visões e de propósitos na cúpula do PT. O [Aloizio] Mercadante, o [José] Genoino, o Palocci, o [Luiz] Gushiken e o Lula pensam muito igual. E a política econômica que está aí não é do Palocci, mas sim do presidente Lula. Essa é uma novidade que nós não víamos havia oito anos. Nós temos um presidente trabalhador e proativo, ao contrário do que os críticos falavam. Essa crítica caiu por terra.

Folha - O sr. acha que as medidas do governo de criar linhas de crédito para a venda de eletrodomésticos terão efeito sobre as vendas?
Staub
- Qual é o objetivo do programa? É reduzir o "spread" bancário, baixar o custo financeiro. O crédito no Brasil é tão absurdamente caro que a Selic [taxa básica de juros] de 20% [ao ano], que ainda é muito alta, é brincadeira perto dos 200% que o consumidor paga de crédito pessoal.

O governo está criando uma alternativa, que tem pouco impacto, pois a demanda é muito maior do que ele pode disponibilizar para isso. Mas já produziu resultados. Os bancos começaram a criar linhas de crédito com desconto em folha. Foi criada uma concorrência ao disponibilizar linhas com juros de 30% ao ano. O governo está sendo indutor da redução do "spread". Não sei quantas geladeiras serão vendidas pela Caixa Econômica Federal, mas vão mudar os parâmetros de decisão sobre os juros.

Folha - O Banco Central não produziu uma recessão desnecessária?
Staub
- Nós temos ainda um medo excessivo da inflação. Não há nenhuma razão para acreditar que a inflação vá voltar. A partir de março e abril já estava muito claro, pela queda da atividade econômica, pelo alinhamento da taxa de câmbio e pela taxa de juros altos que o BC impôs, que não haveria a volta da inflação.

Eu acho que o Banco Central usa um sistema de consultas que é viciado. Ele forma opinião sobre inflação, juros e crescimento do PIB por meio de consultas a especialistas do mercado financeiro e esses meninos economistas têm errado sistematicamente. É impressionante como o Banco Central confia nessa forma de consulta, que não acerta uma. O que esse grupo previu em março é muito diferente do que prevê hoje. E assim é induzido a ser conservador demais.

Esse sistema de informações, em primeiro lugar, é viciado por ser feito por pessoas ligadas ao setor financeiro. A economia real é muito maior do que isso. E, em segundo lugar, esse pessoal não acerta uma. O Banco Central tem que encontrar outra alternativa para tomar suas decisões. O Copom [Comitê de Política Monetária] tem que se apoiar em outro tipo de informação. Instituições como Iedi [Instituto de Estudos sobre Desenvolvimento Industrial], Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] e federações de comércio precisam ser levadas em conta.

Folha - Qual sua aposta para a taxa Selic no final do ano?
Staub
- Há dois meses, o mercado dizia que os juros iriam fechar o ano em 20%. Agora, a previsão já está em 17,5%. Eu acho que o ideal é encerrarmos 2003 com uma taxa Selic de 14% a 15%. O juro real no Brasil ainda é de 12,5%, enquanto nos países desenvolvidos o juro real é negativo.

O que eu gostaria de ver é um pouco mais de ousadia por parte do BC. Eu acho que o Banco Central tem medo de errar. O objetivo desse grupo que está no Banco Central e na Fazenda é não ter que aumentar os juros, o que também não é mal. É absolutamente normal você ter ajustes para cima ou para baixo. O que acontece conosco é que estamos num patamar muito elevado.

Folha - Qual é, na sua opinião, o juro real ideal?
Staub
- Eu acho que é de 8% no final deste ano e de 4% no ano que vem. A inflação verdadeira no Brasil está entre 6% e 7%. O Banco Central foi excessivamente conservador, mas está corrigindo a rota agora. Eu acredito que o fundo do poço acabou.

Folha - O diálogo com o governo continua aberto?
Staub
- O diálogo continua muito aberto neste governo. Hoje, não só o presidente mas os ministros continuam mantendo muito diálogo com os empresários. Há muita abertura. As desconfianças do lado do empresário sumiram. E esse pessoal tinha paixão pelo Fernando Henrique Cardoso.

Folha - Há um ano, o sr. disse que o Lula tinha visão de estadista. Sua previsão se confirmou?
Staub
- Ele está muito mais perto, hoje, de se tornar um estadista.
 

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