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28/06/2000 - 03h27

Grossi atribui socorro do Marka e FonteCindam à diretoria do BC

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VALDO CRUZ, da sucursal de Brasília

Pressionada pelo Ministério Público, que pede seu afastamento da diretoria de Fiscalização do Banco Central, Tereza Grossi, 51, defendeu-se ontem pela primeira vez dizendo que a decisão de socorrer os bancos Marka e FonteCindam não foi sua.

Quebrando um silêncio que vinha mantendo desde que os procuradores a acusaram de improbidade administrativa, ela disse à Folha que "a decisão de não deixar os bancos quebrarem não foi da Tereza, foi da diretoria".

Na ocasião, Chico Lopes comandava a diretoria do BC. Assinaram o voto que autorizou o socorro aos bancos os diretores Cláudio Mauch (Fiscalização) e Demósthenes Pinho Neto (Assuntos Internacionais).

Tereza Grossi faz questão de lembrar que não foi indiciada no inquérito da Polícia Federal e que, na época do socorro aos bancos Marka e FonteCindam, estava respondendo pelo Departamento de Fiscalização. "Como chefe de departamento não tinha os poderes que estão me atribuindo".
Sobre a carta que encomendou à BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros) para justificar o socorro, Grossi disse que foi dada uma importância que ela não tem. "Porque a decisão de se fazer a operação já estava tomada".

Questionada se repetiria tudo o que fez na ocasião, a diretora balança a cabeça em sinal de dúvida e diz: "Não sei, não posso dizer nem sim nem não. Eu teria de reproduzir de novo aquele momento que nós vivemos".

Quando fala das pressões, Tereza Grossi deixa de lado o estilo de durona com o qual ficou conhecida. Com os olhos marejados, diz que não sabe se aguentaria não fosse o apoio da família.

A seguir, a entrevista concedida ontem à Folha:

Folha - Depois das investigações do BC, da PF e do Ministério Público, a senhora teria hoje a mesma posição em relação àqueles bancos, faria tudo do mesmo jeito?
Tereza Grossi - Essa é uma pergunta difícil de responder porque o julgamento de "se você faria ou não a mesma coisa" é muito difícil de ser feito. Porque a gente teria de reproduzir outra vez aqueles dias que nós vivemos em janeiro de 99.
Existiam grandes dúvidas sobre o que iria acontecer, mercado extremamente nervoso, uma pressão gigantíssima sobre o dólar. Então, para eu avaliar isso hoje, dizer se eu faria outra vez, eu teria que tentar reproduzir tudo o que aconteceu naqueles três dias. Então, é muito complicado responder uma coisa dessa.

Folha - Hoje, muita gente diz que o BC acabou apenas socorrendo dois bancos em dificuldades, que a BM&F suportaria os prejuízos das operações do Marka e do FonteCindam.
Grossi - Bom, tudo o que a gente vai conversar hoje (ontem) não é nem um pouquinho diferente do que eu já declarei na comissão de sindicância do Banco Central, na Polícia Federal e na CPI.
O que estava em jogo naquele momento era a estabilidade do país, não era nem a estabilidade do sistema financeiro. Quando a BM&F diz que as garantias eram suficientes, nós temos de avaliar o seguinte: as garantias que o Marka tinha depositadas na BM&F eram seus próprios ativos. A partir do momento em que a BM&F tomasse os ativos do Marka e usasse para liquidar as operações, ele quebraria. E a diretoria do Banco Central tomou a decisão de não deixar bancos quebrarem naquele momento.

Folha - Mas não era um banco pequeno?
Grossi - A avaliação feita à época é que se um banco quebrasse naquele momento poderia existir uma crise de confiança.
Então, é muito difícil dizer o seguinte: "Hoje você faria a mesma coisa?" Não sei, não posso dizer nem sim nem não.

Folha - Diante das ações que estão sendo feitas pela procuradoria, as críticas que estão saindo na imprensa, de que a permanência da sra. pode causar constrangimentos ao governo, a sra. pensou em se afastar do cargo em algum momento?
Grossi - Absolutamente. E por quê? Porque, quando o Armínio (Fraga, presidente do BC) me convidou para assumir a diretoria de Fiscalização, ele conhecia perfeitamente tudo o que aconteceu em janeiro de 99. Inclusive que participação eu tive.

Folha - O presidente da República também?
Grossi - Também. Todas as informações que nós tínhamos sobre o Banco Marka foram analisadas tanto pelo Banco Central como pelo governo para verificar se haveria algum impedimento para minha indicação. Isso foi analisado e chegou-se à conclusão de que não havia. E por quê? Porque a responsabilidade por essa operação não é minha.

Folha - De quem era?
Grossi - A responsabilidade dessa operação é dos diretores que a aprovaram. É muito importante ficar claro a estrutura hierárquica do Banco Central. Ele tem uma diretoria colegiada, tem chefes de departamento e logo abaixo chefes-adjuntos. Na época eu era chefe-adjunta do Departamento de Fiscalização. Em razão de o chefe do departamento estar de férias, eu o estava substituindo.
Um chefe de departamento não tem poder para autorizar uma operação dessa natureza. Só a diretoria colegiada do BC é que teria poderes para tomar essa decisão. Nem um diretor sozinho, só a diretoria colegiada. E foi o que aconteceu. A decisão de não deixar os bancos quebrarem não foi da Tereza, foi da diretoria do Banco Central. Qual foi o papel da Tereza nisso? Foi dar as informações para que eles pudessem tomar a decisão.
Eu, na época, exercia uma função absolutamente técnica. Eu, como chefe de departamento, na época, não tinha os poderes que estão me atribuindo.

Folha - Agora, tanto o Ministério Público como a PF dizem que os fiscais que estiveram no Marka sugeriram a liquidação?
Grossi - Não existe nenhum documento assinado por esses inspetores e por ninguém do Rio propondo a liquidação desses bancos. Durante aqueles dias a discussão sobre se o banco deveria ser liquidado ou não foi realizada inúmeras vezes. E a posição do técnico, que é um inspetor, não poderia ser diferente.

Folha - Aí veio a decisão da diretoria do BC?
Grossi - A diretoria decidiu que deveriam ser feitas as operações. Não foi uma decisão minha. A sugestão de liquidação foi discutida com a diretoria. Mas a diretoria decidiu diferentemente, porque tinha uma avaliação ampla do cenário que existia naquele momento. E eu, como chefe de departamento, não tinha todas as informações da diretoria.

Folha - Na hipótese de o juiz acatar parte da denúncia contra a sra., existe a possibilidade de um pedido de afastamento seu?
Grossi - Olha, a minha expectativa da Justiça é que ela vai julgar corretamente a proposta dos procuradores. Nós vamos apresentar nossa defesa. Eu vou ter de avaliar lá qual será minha postura, caso o juiz aceite a denúncia.
Outra coisa importante que não está sendo dita é que teve um inquérito na Polícia Federal. Ele teve como resultado o indiciamento de várias pessoas. Eu não fui indiciada nesse inquérito, eu não conheço o seu conteúdo, mas ele concluiu pelo meu não-indiciamento. Ele deve ter algum motivo para isso. Isso é uma coisa que em momento nenhum tem sido esclarecida. Que eu não fui indiciada no inquérito policial.
Como leiga, não sou advogada, se existe um inquérito que conclui pelo não-indiciamento significa que não existem provas que sustentem o indiciamento.

Folha - Nesse episódio todo, a sra. já disse que não tinha poder para decidir, que a decisão foi da diretoria. Mas houve uma participação da sra. na questão da famosa carta da BM&F...
Grossi - A minha participação na carta é como contei na CPI. Se eu tivesse que esconder alguma coisa eu nunca iria declarar publicamente que liguei para a BM&F. O que eu declarei foi o seguinte: a pedido do dr. Mauch liguei para o Edemir (Pinto, superintendente da Bolsa). Falei para o Edemir que nós precisávamos que ele documentasse as conversas que a BM&F teve com o Banco Central naqueles dias. Não ditei texto.
Ele preparou um texto e mandou para cá, no dia 15 de janeiro. Ele continha o nome dos dois bancos. Mas, como o voto da diretoria dizia que a ajuda seria para todos os bancos que tivessem problemas, a orientação do jurídico era retirar os nomes.
Aí eu liguei para o Edemir e disse que, por causa disso, nós estávamos pedindo que o nome dos dois bancos fosse excluído. Só. Eu não ditei crise sistêmica.

Folha - A primeira versão veio com o tal de risco sistêmico?
Grossi - Já.

Folha - Mas por que o Edemir Pinto diz hoje que não existia risco sistêmico?
Grossi - Aí você tem de perguntar para ele. Nós não ditamos texto para a BM&F. A única mudança foi a retirada do nome dos bancos. Eu não coloquei a palavra crise sistêmica dentro da carta. Foi dada uma grande importância a essa carta que ela não tem. Porque a decisão de fazer a operação já estava tomada sem a carta.
Então querer dizer que a carta foi que justificou... Eu nunca disse isso. A diretoria tomou a decisão de fazer as operações.
Agora, a avaliação de risco sistêmico, você dizer, depois, que não teria. Não sei. Não teve. Não aconteceu nada. Mas, se a decisão tivesse sido diferente, teria? Não sei. Ninguém pode dizer.

Folha - Quando o Ministério Público pede seu afastamento, ele alega que a sra. pode prejudicar as investigações sobre o caso Marka.
Grossi - Olha, as investigações que foram feitas posteriormente do banco Marka contaram com a minha participação direta. Eu estive no Rio inúmeras vezes mandando analisar tudo.

Folha - Como a sra. se sente com insinuações de que poderia ter tido algum benefício com aquelas operações?
Grossi - Eu fico absolutamente indignada. Eu tenho uma carreira, me orgulho dela, cheguei a diretora de Fiscalização em razão da minha carreira. Minha vida é um livro aberto. Não tenho problema nenhum de mostrar o que eu tenho, foi tudo conseguido com muito trabalho meu e do meu marido. Se alguém quiser me investigar, quebrar meu sigilo bancário, meu sigilo fiscal, vai se surpreender. Porque vão descobrir que, para estar trabalhando aqui, eu gastei parte das minhas economias para me manter aqui.
Eu tinha de bancar as passagens para visitar minha família durante uns três anos. Antes de assumir a diretoria, eu banquei do meu bolso. Agora, como diretora, eu posso trabalhar no Rio, em São Paulo, como fazem os outros diretores alguns dias da semana.

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