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12/10/2003 - 07h25

"Paqueiros" caçam interessados em reclamar

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da Folha de S.Paulo

Quem passa nas esquinas das avenidas Ipiranga com Rio Branco, na região central de São Paulo, corre o risco de ser "caçado" para uma consulta trabalhista.

O convite para usar os serviços de advogados trabalhistas é feito pelos chamados "paqueiros", contratados para atrair clientes --principalmente, desempregados-- interessados em reclamar na Justiça do Trabalho.

Instalados nas calçadas dessas avenidas, os "paqueiros" se misturam aos camelôs para disfarçar a atividade irregular. O termo "paqueiro" teria surgido da idéia de que esses "profissionais" paqueram os potenciais clientes. É uma incógnita, porém, por que não usam o termo paquerador.

O dicionário descreve "paqueiro" como a pessoa que angaria serviços para terceiros.

A reportagem da Folha esteve na última quarta-feira no Fórum Trabalhista Alfredo Issa, centro de São Paulo, e constatou como os "negócios" são feitos ao redor do prédio. Do lado de fora, "paqueiros" e potenciais clientes. Do lado de dentro, audiências reúnem advogados, clientes, testemunhas e juízes que tentam cumprir a pauta do dia em ritmo acelerado.

"Olha, você tá querendo um advogado? Aqui tem dos bons. Trabalhista, cível, criminal. Qual é o seu problema?", pergunta à Folha uma pessoa que se identifica como Manuel, que diz estar há mais de 20 anos no ramo de encaminhar clientes a um advogado.

A estratégia para levar o cliente a subir as escadas do escritório é que o serviço é bom, barato e oferece quase 100% de chance de ganho de causa. O "paqueiro" não diz quanto ganha, mas conta que recebe uma "ajuda" do "doutor".

A poucos metros de Manuel, João distribuía cartões de dois escritórios aos que passavam apressados para as audiências. Aos advogados, divulgava o serviço de um escritório especializado em cálculos trabalhistas. Aos trabalhadores, divulgava o serviço de advogados especialistas em seguros, alvarás, inventários, separação, reclamações trabalhistas e "até pensão e aposentadoria".

"São R$ 10 a cada jornada de quatro horas. Também ganho um percentual de 3% a 4% da causa trabalhista do cliente que encaminho ao escritório. Dá para tirar R$ 1.000 por mês", diz João.

"Isso é desvio ético. Um trabalhador deve procurar o advogado pela indicação, confiança e recomendação e jamais por abordagem", afirma Nilton da Silva Correia, presidente da Abrat (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas). "A OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] proíbe a publicidade com caráter mercadológico. A advocacia não é uma atividade mercantil e não pode fazer anúncio como faz uma indústria de sabonetes. O direito não pode ser tratado apenas pela visão numérica. É um ato de civilidade, e não de matemática."

O secretário-geral da OAB-SP, Valter Uzzo, avisa: "A ordem pune e cassa o advogado que tem esse tipo de conduta. Já fizemos várias diligências e estamos investigando várias denúncias recebidas e encaminhadas ao tribunal de ética". Para a OAB, uma das formas de acabar com o que chama de "balcão de negócios" é exigir que o trabalhador só possa ajuizar um ação por meio de um advogado. "Como o cidadão comum pode bater na porta da Justiça, sem um advogado, ao passar na rua já é laçado por um "paqueiro", diz.

Para Otávio Brito, vice-procurador geral do Trabalho, o que leva a Justiça do Trabalho a operar como um "balcão de negócios" --com "paqueiros" e pedidos de indenizações"superestimadas"-- é a morosidade no andamento de processos. "A lentidão só beneficia o empresário", afirma.

"Um juiz em uma região como São Paulo tem de julgar 200 processos por mês. A média é de 4.000 ações por Vara do Trabalho, enquanto a lei diz que a média deveria ser de 1.500. Sem estrutura, não há como dar conta", diz Grijalbo Coutinho, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). A situação deve ser "aliviada", em parte, diz, com o projeto de criação de novas Varas em tramitação no Senado. "São 269 no país, sendo 22 para a Grande São Paulo [hoje existem 75]. É pouco, mas já é alguma coisa."

"Há uma indústria que lesa o direito individual do trabalhador. A norma é descumprir a legislação trabalhista. Como a fiscalização é insuficiente, são 5.000 fiscais em todo o país, isso resulta em um grande número de ações trabalhistas", diz Coutinho.
 

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