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21/07/2004 - 09h22

Europa piora oferta agrícola ao Mercosul

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CLÓVIS ROSSI
enviado especial da Folha de S.Paulo a Brxuelas

O Mercosul chegou a Bruxelas, para a nova rodada de negociações com a União Européia, exigindo um "movimento" dos europeus para permitir avanços rumo a um acordo de livre comércio entre os dois blocos. A UE fez o "movimento". Para trás.

Karl Falkenberg, principal negociador europeu, disse ontem aos seus parceiros do sul que a oferta de cotas de produtos agrícolas, que tanto seduziu os eficientes produtores do Mercosul, não é para entrar imediatamente em vigor, mas apenas ao longo de dez anos. "É uma proposta inaceitável. Se a cota já era baixa, ficou pior", reagiu Régis Arslanian, chefe da delegação brasileira e, por extensão, da do Mercosul, porque o Brasil é o presidente de turno do bloco.

"Eles estão jogando jogos táticos. O Mercosul é sério e não usa táticas negociadoras. Ficamos com nossa proposta", reforçou Martín Redrado, vice-chanceler argentino, em frase que automaticamente insinua que a UE não está sendo séria na negociação.

Menos afeito à linguagem diplomática, Paulo Venturelli, o negociador do Ministério da Agricultura, preferia dizer que, em vez de jogos táticos, o que os europeus estão fazendo é "pôr um bode na sala da negociação, para forçar movimentos dos dois lados".

Na verdade, o bode, se é bode, não foi posto na sala, mas no jardim da residência oficial da embaixada do Brasil na União Européia, bem atrás do bosque de Cambre, uma das incontáveis áreas verdes de Bruxelas.

O sol, visitante raro na capital belga, permitiu que os convidados para o coquetel oferecido pelo embaixador brasileiro José Alfredo Graça Lima formassem grupinhos no jardim, nos quais Arslanian e Falkenberg pareciam já ter fechado o acordo de livre comércio: o brasileiro tomava vinho (europeu), e Falkenberg, caipirinha (obviamente brasileira), embora jurasse que o açúcar não era brasileiro. "Só se for de contrabando", dizia, em alusão ao fato de que a Europa está fechada totalmente para o açúcar do Brasil, maior exportador mundial.

Idas e vindas

Os jornalistas, claro, iam de um grupinho a outro. No de Falkenberg, a primeira informação parecia até positiva: em vez de oferecer cotas ao Mercosul em duas etapas, a metade já e a outra metade depois de concluídas as negociações globais no âmbito da Organização Mundial do Comércio, a distribuição seria 60% agora e 40% depois. Assim, a cota de carne, por exemplo, em vez de 50 mil toneladas já e mais 50 mil em algum incerto momento do futuro, seria de 60 mil toneladas agora e 40 mil depois.

Os jornalistas correm para a rodinha de Arslanian/Redrado, que demolem a suposta melhora: "Para nós, não é aumento, é redução. Já havíamos dito que só levaríamos em conta os números apresentados na primeira etapa, até outubro [data teórica para fechar a negociação]. O resto nem sabemos se virá ou não", esbravejava Arslanian. O embaixador ameaçava até refazer a oferta do Mercosul aos europeus, para adaptá-la ao esquema de duas etapas, em todas as áreas, não só na agrícola.

Redrado pediu a Arslanian que completasse a informação de Falkenberg sobre os 60/40. Autorização concedida, Redrado disse: "Aposto que ele não contou que a proposta de cotas é para dez anos, não para já. É um retrocesso".

Os jornalistas voltam ao grupinho de Falkenberg, que já havia terminado a caipirinha. "Não é um retrocesso. Nós já havíamos apresentado por escrito, em reunião em Buenos Aires, a idéia de que tudo, em todas as áreas, será feito escalonadamente, assim como o Mercosul o fará."

Volta o grupo a Arslanian, que, ainda com o vinho na mão, nega que tivesse havido qualquer proposta por escrito antes em que figurasse o prazo de dez anos.

O tiroteio no gramado da embaixada só teve trégua para que ambos os lados concordassem em que houve um avanço, do lado europeu: na negociação sobre os PAPs (Produtos Agrícolas Processados, de maior valor agregado), propuseram o esquema "zero por zero" para itens de grande interesse para o Mercosul, como café solúvel, biscoitos e pesca, além de cigarros e charutos, entre os processados de fumo.

"Zero por zero" quer dizer que os dois lados reduzem a zero suas tarifas de importação nesses produtos. Só de biscoitos, o Brasil exporta US$ 18 milhões. Entrar sem tarifa no gigantesco mercado europeu seria muito atraente. Apesar desse passo, o dia de negociação pode ser resumido na frase de Antonio Donizeti Beraldo, representante da Confederação Nacional da Agricultura: "Estou agoniado, mas ainda confiante".

Hoje, mesmo sendo feriado na Bélgica, a negociação prossegue e dará uma pista para se saber se prevalece a agonia ou a confiança.

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