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19/11/2004 - 15h38

Demitido, Lessa diz que Lula "está sendo enganado pela elite"

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JANAINA LAGE
da Folha Online, no Rio

Demitido ontem da presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa afirmou hoje que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está "sendo enganado pela elite brasileira e mundial".

Lessa discursou durante ato de desagravo em frente à sede do banco, no Rio de Janeiro. Sentado durante a maior parte do discurso --ele ainda se recupera de uma cirurgia no joelho-- Lessa falou para cerca de 200 pessoas. Em seu colo, havia uma bandeira brasileira que recebeu de manifestantes. Outra bandeira foi entregue ao professor com a assinatura de políticos, manifestantes e representantes de entidades de classe.

Substituído pelo ministro Guido Mantega (Planejamento) na presidência do BNDES, Lessa procurou em seu discurso isentar o presidente Lula de responsabilidade sobre sua saída do governo, atribuindo a culpa a uma "manobra auspiciosa das elites".

"Acho que nesse momento há uma manobra forte de desvio de uma iniciativa popular [a eleição do Lula]", afirmou ele sobre a guinada para a centro-direita do governo. Ele centrou as críticas no papel da elite brasileira, segundo Lessa, "capaz de qualquer coisa".

Lessa também fez elogios a Lula. Em seu discurso, disse que duas coisas o comoviam no presidente: o fato de a presidência ter sido seu primeiro diploma e de não saber o dia exato em que nasceu. "Eu via em Lula a síntese da potencialidade do povão brasileiro", disse. Sobre a conversa que teve ontem com o presidente, na qual foi comunicado de sua demissão, Lessa disse, com a voz embargada, que "foi só uma conversa".

Ele ainda negou ter saído do governo entristecido. "Agora é só alegria, estou com todo mundo ao meu lado".

"Lessa governador"

Boa parte da esquerda carioca participou do ato. Entre eles, os deputados Chico Alencar (PT), Alessandro Molon (PT) e Jandira Feghali (PC do B). Chico Alencar destacou o abaixo-assinado em que diversas personalidades, como Chico Buarque, Oscar Niemeyer, Rui Castro, Frejat e Beth Carvalho defendiam a permanência de Lessa no banco.

Representantes de sindicatos dos jornalistas, dos médicos, dos metalúrgicos, de auditores fiscais entre outros também participaram do evento.

A ala mais radical do PT e representantes da esquerda carioca tentaram fazer do ato um sinal de retomada da força deste segmento. Lessa era o último representante carioca em um cargo de maior relevância no governo Lula. Os ideais nacionalistas e desenvolvimentistas defendidos por Lessa foram citados como fatores em extinção no governo.

O governo do Estado enviou o chefe de gabinete para prestar a "solidariedade do governo do Estado". O secretário de Energia do Estado, Wagner Victer, também compareceu. A coordenadora nacional do MST, Evelane Martines, chamou Lessa de "arquiteto dos sonhos".

Um representante da Associação de Funcionários do BNDES também discursou em homenagem a Lessa. Os estudantes da UFRJ enviaram um representante para dizer que apesar da demissão, os alunos vão ficar felizes com a volta do professor. Lessa é professor titular de economia da UFRJ.

Durante o ato de desagravo, podiam ser vistas faixas com os dizeres "O Brasil precisa de Carlos Lessa à frente do BNDES" e até mesmo "Do limão a limonada, Lessa governador". Enquanto isso, um ou outro manifestante mais exaltado gritava "Abaixo a Mantega rançosa" ou ainda "Queremos Lessa governador".

Coisas de Lessa

A demissão de Lessa foi publicada hoje no Diário Oficial. Em seu último discurso como presidente do banco, Lessa voltou a discorrer sobre as características do povo brasileiro e suas singularidades. Um discurso recorrente para quem se acostumou a acompanhar as declarações do presidente do BNDES.

Segundo Lessa, o melhor do povo brasileiro é a falta de arrogância. "Qualquer um que chega aqui se sente em casa. Assimilamos qualquer coisa e a enchemos de brasilidade. Aqui, o funk carioca transformou o tonight na Melô do Tomate", disse. Ele falou também sobre a festa do ano novo, restaurantes a quilo e a incrível mistura de arroz, feijão e sushi que "só o brasileiro faz".

Ele falou sobre a história do Brasil e sobre sua origem na elite carioca. Lembrou a infância e o tempo que jogava pelada com os garotos da favela na Gávea. "Sabia que era mais rico, mas não tinha noção da distância social. Tinha inveja porque eles jogavam muito melhor do que eu e sabiam mais de mulher do que eu, pelo menos era o que eu achava", comentou.

Ele concluiu o discurso dizendo ser um homem de elite deslumbrado com o povo brasileiro desde a juventude. "Nada me fez mudar de opinião", disse.
Na segunda-feira, Lessa terá um encontro às 9h30 com Mantega no BNDES para detalhar a situação atual do banco. A cerimônia da posse ainda não tem data marcada.

Demissão

Lessa, que se proclama um "neonacionalista", estava desgastado dentro do governo devido a suas críticas à política econômica. Sua demissão foi decidida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva após entrevista concedida à Folha de S.Paulo na semana passada, quando afirmou que a gestão de Henrique Meirelles na presidência do Banco Central era um "pesadelo".

Lessa também afirmou que Meirelles "emite todos os sinais de que crescer neste momento é um pecado". Ele se referia às recentes decisões do BC de elevar a taxa básica de juros da economia brasileira. Na quarta, o Copom (Comitê de Política Monetária, do BC) elevou os juros pelo terceiro mês seguido, para 17,25%. A medida deve contribuir para esfriar a economia.

Escolhido por Lula para presidir o BNDES por influência da economista Maria da Conceição Tavares e do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), Lessa também entrou em rota de colisão com o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, a quem era oficialmente subordinado. Desde a posse os dois tiveram diversas divergências que se tornaram públicas.

O próprio presidente do BNDES costumava reagir com ironia toda vez que os boatos sobre sua demissão circulavam em Brasília. Na semana passada, ele comemorou com champanhe o boato número 70 de sua saída, segundo relato feito por seu filho, o músico Rodrigo Lessa, na sexta-feira passada.

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre a demissão de Lessa do BNDES
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