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06/02/2005 - 09h03

Lessa diz ter sido censurado ao sair do BNDES

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GUILHERME BARROS
Editor do Painel S.A. da Folha de S.Paulo

Contundente. Assim o economista Carlos Lessa, 68, ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), define o livro que ele está escrevendo sobre os seus dois polêmicos anos no governo. O livro vai se chamar "Dos Sonhos ao Pesadelo" e terá nove capítulos. Os três primeiros já estão prontos. Lessa pretende concluir o livro ainda neste mês.

Segundo Lessa, o livro será uma ampliação do discurso que ele pretendia fazer na cerimônia da transmissão de cargo para o seu sucessor, Guido Mantega, mas que não ocorreu. "Eu só tenho uma mágoa do presidente Lula: a de ele não ter permitido a transmissão de cargo", diz ele. A cerimônia de transmissão de cargo da presidência faz parte da tradição do banco.

Fiel ao seu estilo que ele classifica de "contundente", Lessa não irá poupar críticas ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ao ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e ao secretário do Tesouro, Joaquim Levy. "Quem está convicto do que faz não deve ficar incomodado. Pode dizer simplesmente que não concorda com o que o presidente do BNDES diz ou pensa", afirma. A seguir, a entrevista:

Folha - O que motivou o sr. a escrever o livro?
Carlos Lessa -
Eu só tenho uma mágoa do presidente Lula: a de ele não ter permitido a transmissão de cargo. A minha demissão é um direito dele. A cadeira de presidente do BNDES era dele. Mas eu tenho essa mágoa de ele não ter permitido a transmissão de cargo. E por quê? A não-transmissão do cargo pode passar para as pessoas que eu saí às escuras. Eu fui o único presidente em 52 anos da história do BNDES que não teve direito a transmitir o cargo para o meu sucessor. O Lula, ao não ter marcado a transmissão de cargo, me tirou a chance de me defender. O que eu precisava era de uma tribuna para esclarecer à nação que eu estava sendo demitido unicamente porque eu tinha dado uma entrevista atacando o presidente do Banco Central.
O livro foi a forma que encontrei para falar o que eu queria dizer na transmissão de cargo.

Folha - O que o sr. queria dizer na transmissão de cargo?
Lessa -
Eu fui acusado de uma porção de coisas. Eu fui acusado de ser nacionalista, fui acusado de dinossauro, fui acusado de ter dificultado a administração pública, fui acusado de insubordinado, mas nada disso me incomodou. O que me incomodou para valer foi terem me acusado de ineficiente. Eu recebi o BNDES com 1.700 pessoas e deixei o banco com 1.700 pessoas. Aumentei fantasticamente as operações do BNDES, executei integralmente o orçamento de 2003 e propus um salto enorme para 2004, um salto de 42% no orçamento de 2004. Eu acreditei que 2004 iria ser o espetáculo do crescimento. Não era isso que o governo falava no final de 2003? Se o Brasil iria viver o espetáculo do crescimento, o BNDES tinha que estar preparado. Por isso, propus um orçamento robusto para 2004. Só que o espetáculo de crescimento não aconteceu. Aí, começou a correr um zunzunzum de que a nossa administração era ineficiente. Eu entrei em estado total, completo e absoluto de irritação.
O problema foi que as empresas não apresentaram os grandes projetos industriais em 2004. Além disso, o projeto das PPPs atrasou muito e a infra-estrutura ficou represada esperando a PPP. Irritaram-me muito as piadas que fizeram na época. Uma delas, por exemplo, dizia que foi dado ao Lessa um Boeing, mas ele não sabia pilotar nem um teco-teco. Eu até sei o autor da frase, mas não vou dizer.

Folha - No livro, o sr. conta?
Lessa -
Não. Eu não tenho provas. No livro, tudo o que eu escrever, se me levarem aos tribunais, eu terei provas. Eu não sou ligeiro no que digo. Eu posso ser contundente, mas não sou ligeiro. Não sou irresponsável no que eu digo. De tudo o que me atacaram, o que mais me magoou foi ter sido acusado de ineficiente, de atrasar os projetos. Fizemos um esforço enorme para reduzir os prazos. Quando recebi o banco, os prazos eram de gravidez de elefoa. Nós fomos reduzindo os prazos, mas, como eu já disse e repito, o BNDES não é uma padaria.
O dinheiro do BNDES é do povo. Um grande projeto não pode sair errado. Nós não confiamos no mercado, no sentido neoliberal. Não confio na decisão empresarial tomada ao arrepio da emoção [...] O BNDES foi muito eficiente, tanto que foi o maior lucro da história do banco. Ineficiente eu não sou. A minha eficácia incomoda os interesses que eu considero secundários ou afastáveis da vida brasileira. O BNDES não está a serviço do setor financeiro brasileiro. O BNDES está a serviço da estrutura produtiva do país. O BNDES está a serviço da inclusão social. O BNDES não está a serviço da multinacionalização das empresas brasileiras.

Folha - Como vai dividir o livro?
Lessa -
O primeiro capítulo chama-se "O Convite, Certezas e Vicissitudes". O segundo é "O Coração da Industrialização". O terceiro, "O Sertão Deve Virar Mar". Estou convencido de que o Nordeste, considerado a região-problema, pode se transformar na solução para o desenvolvimento do Brasil. O quarto capítulo trata da inclusão social e da civilização brasileira. Depois, o quinto capítulo eu me posiciono como o Elmo de Dom Quixote. O sexto, com o burrinho de Sancho Pança. Depois, "O Pesadelo", e, finalmente, "Com o Chapéu do Economista".

Folha - O que o sr. vai dizer no capítulo em que sr. veste o chapéu de economista?
Lessa -
Em todo o período em que eu presidi o BNDES, eu não falei nada sobre política econômica. A imprensa é que dizia que eu me opunha a ela. Eu não desmenti a imprensa porque não era realmente a política econômica dos meus sonhos. Mas eu não critiquei a política econômica, nem o ministro Palocci, nem o presidente Meirelles. Eu só saí de "porrada" no presidente Meirelles, em entrevista para a Folha [dia 12 de novembro de 2004], quando ele, no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, propôs, de maneira sutil, com pseudo-argumentos técnicos, a destruição do sistema de bancos de fomentos no país, como o BNDES e a Caixa Econômica. Ou seja, ele defendeu uma tese que é uma aspiração profunda do sistema financeiro e uma convicção dos neoliberais para tentarem uma pseudo-explicação para os altos juros no Brasil.
Como o presidente Fernando Henrique não privatizou os bancos de fomento no país, isso deixou uma brecha para a reconstrução do sonho do Estado desenvolvimentista brasileiro, o que, para os neoliberais, é um pesadelo. Eu devo ter sido responsável por muita noite ruim dele [Meirelles] por ter encampado as teses de Edmar Bacha, Pérsio Arida e André Lara Resende. Os três declararam que a taxa de juros no Brasil é alta porque um pedaço do crédito é direcionado, com taxas de juros mais baixas. Ele [Meirelles] comprou essa tese e a apresentou como resultado de uma pesquisa técnica, que é uma sandice do ponto de vista teórico.
Em lugar nenhum do mundo taxa de curto prazo é afetada pela taxa de longo prazo. A TJLP não tem nada a ver com a Selic. Como ele queria justificar a Selic muito elevada, ele propôs o fim do crédito direcionado para baixar a Selic. Se há uma coisa em que o sistema financeiro quer botar a mão, é nos recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] e do FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço]. Contra isso eu ataquei a política monetária brasileira e disse que ela era um pesadelo, com juros ultra-elevados. O que freia a taxa de investimento no Brasil é a taxa de juros.

Folha - Quando o sr. concedeu a entrevista à Folha, sabia que seria demitido?
Lessa -
Não sabia, mas achava que muito provavelmente seria demitido. Só que eu achava também que a minha demissão iria causar uma inibição para ele [Meirelles] voltar a defender essa tese. Tanto que o dr. Meirelles, covardemente, disse, depois, que tinha sido mal interpretado. Meses atrás havia saído um ensaio assinado pelos três ex-presidentes do BNDES [Bacha, Arida e Lara Resende] dizendo que os juros no Brasil eram altos por causa dos créditos direcionados. Depois, aquele Edward Amadeo [ex-ministro do Trabalho] disse que deveria ser feita uma janela dos recursos do FAT para os bancos. Logo depois, eu vi a tese ser adotada pelo Banco Central. Aquilo virou, então, um pesadelo. É por isso que o livro chama-se "Dos Sonhos ao Pesadelo". O Lula me convidou para dirigir o banco dos sonhos dos brasileiros, e acordei com o pesadelo em novembro.

Folha - O sr. vai contar algum episódio ainda não conhecido?
Lessa -
Eu só vou contar o que puder provar perante a opinião pública, mas eu vou dizer a minha leitura do que vocês [meios de comunicação] colocaram. Vocês nunca disseram, por exemplo, que a política do banco era apoiada por todas as confederações sindicais empresariais. Parecia que eu era a última remanescência antidiluviana de um último nacionalista. Bobagem. Todas as confederações empresariais estavam do meu lado.

Folha - A relação tumultuada com o ministro Furlan não prejudicou?
Lessa -
Não tive espaço para dizer que não era subordinado ao ministro Furlan. Legalmente, não era subordinado ao ministro Furlan. Eu estava sob supervisão. Se eu respondo com meu patrimônio pessoal pela gestão do banco, eu não posso ser subordinado a ninguém. Além do mais, quem me convidou para ser presidente do BNDES foi o presidente da República, e não o ministro Furlan. Se o ministro Furlan me convidasse, eu não aceitaria. Sabe por quê? Nunca vi mais gordo. Não o conhecia. Eu aceitei porque eu conhecia o presidente Lula, e ele me deu a chance de compor a diretoria. Se eu não pudesse ter uma diretoria minha, não teria aceito o convite. Disseram o tempo todo que eu era insubordinado e que minha insubordinação criava o caos para o governo. Eu respondia às orientações do presidente.

Folha - Como assim?
Lessa -
Por exemplo, a integração sul-americana. Para mim, trata-se de uma escolha de geopolítica do presidente. Nesse caso, eu acolhia as orientações do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O ministro Furlan queria que eu fosse duro com os argentinos, duro com os venezuelanos, mas eu não queria nem ser duro com os argentinos nem ser duro com os venezuelanos. Se nós, brasileiros, começarmos a ser duros com os nossos vizinhos, eles começam a nos achar neo-imperalistas, e aí acabou a integração sul-americana [...]
Se eu fosse subordinado ao ministro Furlan, o BNDES nunca teria feito a quantidade de gestos de apoio que fez para Argentina, Venezuela, Peru, Equador... Na lógica do "compra e vende", que é a lógica do ministro do Comércio Exterior, a geopolítica não entra. Essas coisas eu vou botar no livro. Não é uma intriga. São teses claras [...] Vou dizer que não era subordinado ao ministro Furlan. Nunca aceitaria ser subordinado a Furlan, independentemente de suas qualidades, que são muitas.

Folha - No livro, o que o sr. vai falar do presidente do BC?
Lessa -
Vou dizer o mesmo que eu disse na entrevista concedida à Folha. Vou dizer que ele é o regente de uma orquestra para desmontar o BNDES, para desmontar o sistema de fomento brasileiro. E, quando ele se afasta, aparece outro para ser o subgerente, que eu acho que é o dr. Joaquim Levy, o maestro substituto. O Joaquim Levy esteve por trás da idéia de que a TJLP era um subsídio. Quem é o homem que oficia os juros para cima? Henrique Meirelles. Os dois são responsáveis pelas altas taxas de desemprego no país. Não sou só eu que acho isso.

Folha - Quem mais?
Lessa -
No Brasil, a torcida do Flamengo. A maior parte dos economistas, por exemplo. Se conheço os dirigentes dos líderes partidários, acham isso. Um terço dos deputados do PT acha isso, o vice-presidente da República acha isso que eu estou falando, o governador do Paraná acha isso. O país não agüenta mais essa taxa de desemprego colossal. O efeito é devastador. A base social que deu força ao PT está se corroendo. O presidente Lula está pagando juros tão altos quanto a Selic em termos de perda de apoio popular.

Folha - Mas as pesquisas apontam que, se as eleições fossem hoje, o presidente Lula seria reeleito.
Lessa -
Sei disso, mas vamos ver. Se a eleição for Lula contra Fernando Henrique [Cardoso], voto em Lula. Lula sabe o que é o povão. Fernando Henrique não tem a menor idéia do que é o povo brasileiro. Há mais chances de Lula virar o jogo do que Fernando Henrique. Fernando Henrique nunca mudará o jogo. Entre os dois, sou cabo eleitoral de Lula.

Folha - O livro será bombástico?
Lessa -
Eu acho que o livro será contundente. Eu espero que seja.

Folha - O livro vai deixar algumas pessoas do governo incomodadas?
Lessa -
Quem está convicto do que faz não deve ficar incomodado. Pode dizer simplesmente que não concorda com o que o ex-presidente do BNDES diz ou pensa. Eu não vou fazer guerrilha com ninguém, mas eu acho que as grandes discussões têm de acontecer no Brasil. Se o Henrique Meirelles vai ao Conselho Desenvolvimento Econômico e Social e afirma que tecnicamente a Selic é elevada por causa dos créditos direcionados, ele não deve se sentir ameaçado de eu dizer que tecnicamente o que ele está falando é uma besteira e é politicamente uma coisa muito astuta pra tentar encobrir a sua política de juros altos [...] Se ele se sentir incomodado, ele que vá para os jornais me atacar ou escreva um livro.

Folha - O sr. tem planos políticos?
Lessa -
Eu aprendi há muito tempo que nunca se deve dizer que dessa água não beberei. Honestamente, eu não sei se pretendo ou não ser candidato a qualquer coisa. Pela minha alma, eu não quero ser candidato, mas pelo meu coração eu talvez tenha que responder alguma coisa nesse sentido. Por isso, eu não quero dizer agora que não.

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa
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