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27/03/2005
-
09h01
da Folha de S.Paulo
O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) não vê problemas no fato de uma empresa ter usado os recursos de um financiamento à exportação para comprar títulos da dívida americana. Na visão do banco, não há desvio se a empresa cumpriu a meta dos bens a serem exportados e quitou o financiamento com a instituição.
O caso sobre o qual a Folha obteve documentos inéditos ocorreu em junho de 1999 e foi intermediado pelo Banco Santos. A Orra, uma fábrica de estofados de couro de São Paulo que faliu, obteve US$ 3 milhões do BNDES e aplicou integralmente o valor na compra dos papéis do Tesouro dos Estados Unidos. À época, esse montante correspondia a cerca de R$ 5,3 milhões.
A negociação com esse tipo de título, conhecido por T-Bill, costuma ser usada por quem quer remeter dinheiro para fora do país e não tem como provar a origem do recurso. O Ministério Público Federal em São Paulo contabiliza que, em 100% dos casos em que esses títulos são usados, há remessa ilegal de divisas.
Exportar é que importa
O BNDES confirma que em maio de 1999 a Orra obteve um financiamento de US$ 3 milhões. O recurso saiu do programa de incentivo à exportação destinado ao pré-embarque de mercadorias.
A taxa cobrada pelo BNDES para esse tipo financiamento era a Libor (iniciais de London Interbank Offered Rate, taxa dos depósitos interbancários em Londres) mais 1%. À época, a Libor de seis meses era de 5,63%.
Como as aplicações em offshores de Edemar Cid Ferreira, dono do Banco Santos, eram remuneradas com Libor mais 4%, uma eventual aplicação dos recursos do BNDES renderia ganhos de 3%. Só para ilustrar: a empresa paga juros de US$ 169 mil para o BNDES, mas o dinheiro rende US$ 288,9 mil. Nesse caso hipotético, o desvio gerou ganho de US$ 119,9 mil num ano. Em valor atual, seria cerca de R$ 330 mil. A aplicação nas offshores de Edemar eram casadas com financiamentos do BNDES para que não houvesse discrepância de prazo.
O programas do BNDES recebem recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Os documentos obtidos pela Folha mostram que os US$ 3 milhões do BNDES saíram integralmente da conta que a Orra mantinha no Santos. No dia 28 de junho de 1999, a Orra transferiu R$ 5.286.235,68 para a All Fama Industrial S.A. Segundo um acordo assinado nesse dia, a All Fama Industrial cedeu à Orra títulos da dívida norte-americana no mesmo valor do depósito.
No dia 24 de julho, o banco de Edemar Cid Ferreira tentara enviar R$ 5.286.312,01 para fora do país por meio de uma conta do Sudameris. Esse banco, porém, recusou-se a fazer a transação alegando que o cadastro da Orra Indústria e Comércio era insuficiente para que ela pudesse remeter US$ 3 milhões. A Folha obteve cópia do cheque do Banco Santos que o Sudameris recusou.
Ilegalidade
Dois advogados e dois procuradores do Ministério Público Federal que viram os documentos aos quais a Folha teve acesso dizem não ter dúvidas sobre a ilegalidade da operação. Os quatro apontam que houve desvio na finalidade do financiamento. Os recursos que deveriam ser usados para incentivar as exportações serviram para a compra de títulos da dívida americana, tipo de papel que vale como dólar.
O BNDES, no entanto, não vê problemas no financiamento. "O objetivo da operação foi cumprido", afirma Henrique de Azevedo, chefe do Departamento de Crédito à Exportação do BNDES. "O contrato estabelecia que a empresa deveria exportar US$ 4,7 milhões em um ano, e ela exportou mais de US$ 5 milhões."
Azevedo diz que o BNDES monitora os volumes exportados por meio de um programa do Ministério do Desenvolvimento chamado Alice (Sistema Informatizado de Análise de Dados sobre Comércio Exterior).
E se o dinheiro do BNDES for usado para comprar dólares? Azevedo diz que não pode opinar. "Só posso falar sobre o que aparece no meu sistema."
Um ex-diretor do BNDES e dois advogados ouvidos pela Folha dizem que, se o banco não fizer nada, os diretores da instituição podem ser acusados de prevaricação _crime cometido por funcionário público ao deixar de comunicar alguma ilegalidade.
Não é a primeira vez que o BNDES é alertado sobre um desvio de financiamentos para exportação. Os advogados da própria Orra informaram a essa instituição que o Banco Schahin pedira uma contrapartida para um financiamento do BNDES. A fábrica havia solicitado US$ 2 milhões (o BNDES entrava com 70%, e o banco com os 30% restantes), mas o banco ofereceu US$ 3 milhões para não precisar fazer desembolso. Dos US$ 3 milhões, US$ 900 mil ficariam com o Banco Schahin, segundo um antigo advogado da fábrica de móveis.
A Orra diz que fez dois cheques para o Banco Schahin, um de R$ 1,6 milhão e outro de R$ 500 mil. O primeiro foi usado para comprar títulos do Tesouro dos EUA; o segundo foi depositado a favor de uma empresa que ninguém conseguiu provar que existe --é fantasma. A assessoria do Banco Schahin diz que foi a Orra quem pediu para que os cheques fossem emitidos para essas empresas.
O BNDES foi informado do desvio, segundo o antigo advogado da Orra, mas não fez nada porque o banco quitara o financiamento.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre o BNDES
BNDES releva desvio em financiamento
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O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) não vê problemas no fato de uma empresa ter usado os recursos de um financiamento à exportação para comprar títulos da dívida americana. Na visão do banco, não há desvio se a empresa cumpriu a meta dos bens a serem exportados e quitou o financiamento com a instituição.
O caso sobre o qual a Folha obteve documentos inéditos ocorreu em junho de 1999 e foi intermediado pelo Banco Santos. A Orra, uma fábrica de estofados de couro de São Paulo que faliu, obteve US$ 3 milhões do BNDES e aplicou integralmente o valor na compra dos papéis do Tesouro dos Estados Unidos. À época, esse montante correspondia a cerca de R$ 5,3 milhões.
A negociação com esse tipo de título, conhecido por T-Bill, costuma ser usada por quem quer remeter dinheiro para fora do país e não tem como provar a origem do recurso. O Ministério Público Federal em São Paulo contabiliza que, em 100% dos casos em que esses títulos são usados, há remessa ilegal de divisas.
Exportar é que importa
O BNDES confirma que em maio de 1999 a Orra obteve um financiamento de US$ 3 milhões. O recurso saiu do programa de incentivo à exportação destinado ao pré-embarque de mercadorias.
A taxa cobrada pelo BNDES para esse tipo financiamento era a Libor (iniciais de London Interbank Offered Rate, taxa dos depósitos interbancários em Londres) mais 1%. À época, a Libor de seis meses era de 5,63%.
Como as aplicações em offshores de Edemar Cid Ferreira, dono do Banco Santos, eram remuneradas com Libor mais 4%, uma eventual aplicação dos recursos do BNDES renderia ganhos de 3%. Só para ilustrar: a empresa paga juros de US$ 169 mil para o BNDES, mas o dinheiro rende US$ 288,9 mil. Nesse caso hipotético, o desvio gerou ganho de US$ 119,9 mil num ano. Em valor atual, seria cerca de R$ 330 mil. A aplicação nas offshores de Edemar eram casadas com financiamentos do BNDES para que não houvesse discrepância de prazo.
O programas do BNDES recebem recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Os documentos obtidos pela Folha mostram que os US$ 3 milhões do BNDES saíram integralmente da conta que a Orra mantinha no Santos. No dia 28 de junho de 1999, a Orra transferiu R$ 5.286.235,68 para a All Fama Industrial S.A. Segundo um acordo assinado nesse dia, a All Fama Industrial cedeu à Orra títulos da dívida norte-americana no mesmo valor do depósito.
No dia 24 de julho, o banco de Edemar Cid Ferreira tentara enviar R$ 5.286.312,01 para fora do país por meio de uma conta do Sudameris. Esse banco, porém, recusou-se a fazer a transação alegando que o cadastro da Orra Indústria e Comércio era insuficiente para que ela pudesse remeter US$ 3 milhões. A Folha obteve cópia do cheque do Banco Santos que o Sudameris recusou.
Ilegalidade
Dois advogados e dois procuradores do Ministério Público Federal que viram os documentos aos quais a Folha teve acesso dizem não ter dúvidas sobre a ilegalidade da operação. Os quatro apontam que houve desvio na finalidade do financiamento. Os recursos que deveriam ser usados para incentivar as exportações serviram para a compra de títulos da dívida americana, tipo de papel que vale como dólar.
O BNDES, no entanto, não vê problemas no financiamento. "O objetivo da operação foi cumprido", afirma Henrique de Azevedo, chefe do Departamento de Crédito à Exportação do BNDES. "O contrato estabelecia que a empresa deveria exportar US$ 4,7 milhões em um ano, e ela exportou mais de US$ 5 milhões."
Azevedo diz que o BNDES monitora os volumes exportados por meio de um programa do Ministério do Desenvolvimento chamado Alice (Sistema Informatizado de Análise de Dados sobre Comércio Exterior).
E se o dinheiro do BNDES for usado para comprar dólares? Azevedo diz que não pode opinar. "Só posso falar sobre o que aparece no meu sistema."
Um ex-diretor do BNDES e dois advogados ouvidos pela Folha dizem que, se o banco não fizer nada, os diretores da instituição podem ser acusados de prevaricação _crime cometido por funcionário público ao deixar de comunicar alguma ilegalidade.
Não é a primeira vez que o BNDES é alertado sobre um desvio de financiamentos para exportação. Os advogados da própria Orra informaram a essa instituição que o Banco Schahin pedira uma contrapartida para um financiamento do BNDES. A fábrica havia solicitado US$ 2 milhões (o BNDES entrava com 70%, e o banco com os 30% restantes), mas o banco ofereceu US$ 3 milhões para não precisar fazer desembolso. Dos US$ 3 milhões, US$ 900 mil ficariam com o Banco Schahin, segundo um antigo advogado da fábrica de móveis.
A Orra diz que fez dois cheques para o Banco Schahin, um de R$ 1,6 milhão e outro de R$ 500 mil. O primeiro foi usado para comprar títulos do Tesouro dos EUA; o segundo foi depositado a favor de uma empresa que ninguém conseguiu provar que existe --é fantasma. A assessoria do Banco Schahin diz que foi a Orra quem pediu para que os cheques fossem emitidos para essas empresas.
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