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22/05/2005 - 10h32

Obras caras somem da coleção de Edemar

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MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo

Uma foto numa dessas revistas de mundanidades revelou que havia algo de errado na coleção de arte de Edemar Cid Ferreira. Na imagem, o banqueiro aparece de camisa pólo preta sentado no encosto de um sofá da mesma cor, mocassim sem meias sobre o assento de couro, à frente de uma tela do pintor americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988).

Com o seqüestro da coleção de Edemar, determinada pela Justiça Federal em 1º de março deste ano, a imagem foi alçada à categoria de interrogação: os profissionais envolvidos no levantamento das obras não achavam o Basquiat. Para quem havia freqüentado a nova casa do banqueiro, havia outras dúvidas. E a escultura de Henry Moore (1898-1986), comprada por US$ 1 milhão, como anunciava o próprio Edemar aos convidados? Cadê a tela de Fernand Léger (1884-1955)?

Na última semana, após quatro meses de levantamento, a reportagem da Folha de S.Paulo conseguiu pôr fim às dúvidas: os trabalhos de Moore, Léger e Basquiat desapareceram, não se sabe ainda se do país ou do rol de bens de Edemar que foram seqüestrados pela Justiça. Só esses três trabalhos valem US$ 2,2 milhões (o equivalente a R$ 5,4 milhões).

Outras cinco obras da coleção também sumiram após a intervenção no Banco Santos, decretada pelo Banco Central em 12 de novembro do ano passado: telas de Roy Lichtenstein (1923-1997), Joaquín Torres Garcia (1874-1949), Rufino Tamayo (1899-1991), Cy Twombly e uma escultura em acrílico de Anish Kapoor (veja quem são esses artistas no quadro ao lado).

Segundo quatro ex-funcionários do banqueiro ouvidos pela Folha, essas obras entraram ilegalmente no país entre 2003 e 2004. Cerca de dez dias antes de o BC intervir no banco, circulou uma lista com mais de uma centena de obras que deveriam sair do país, de acordo com esses profissionais. O advogado do banqueiro, Sergio Bermudes, diz que nunca soube da retirada de obras do país nem da entrada ilegal (leia texto na pág. B7).

O topo da coleção

As oito obras desaparecidas, um arco que vai das vanguardas históricas internacionais (Léger, Moore e Torres Garcia) à arte contemporânea consagrada (Basquiat, Twombly e Kapoor), integram o topo da coleção de Edemar. Elas valem cerca de US$ 5 milhões (R$ 12,2 milhões). A coleção completa do banqueiro valeria entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões, segundo especialistas ouvidos pela Folha. Se as estimativas estiveram corretas, o valor das obras que sumiram correspondem a 40% do preço mais alto da coleção.

A conclusão de que as oito obras haviam sumido só foi possível com o confronto de duas listagens: a que Edemar mantinha nos computadores do Banco Santos, recuperada pelos técnicos do Banco Central, e a das obras que o banqueiro têm em casa desde o dia 1º de março último, feita a pedido da Justiça.

No confronto das duas listas, feito pela Folha, as oito obras que constam do arquivo eletrônico mantido no banco não aparecem na lista feita por determinação da Justiça. O seqüestro da casa e da coleção foi ordenado pelo juiz federal Fausto de Sanctis, a pedido do Ministério Público Federal, por julgar que havia indícios suficientes de que a gestão de Edemar no banco foi fraudulenta. A maioria dos indícios foi revelada por reportagens da Folha, como o uso de laranjas na direção de empresas que emitiam debêntures vendidas pelo Banco Santos e o aumento de capital de uma empresa da mulher do banqueiro, a Maremar, na época em que o banco caminhava para a bancarrota.

O Banco Central confirmou para a reportagem da Folha que as oito obras desaparecidas aparecem no banco de dados encontrado nos computadores do banco. Fazem parte do arquivo 9.788 obras, de sarcófago de múmia egípcia a fotos da americana Annie Leibovitz.

A ficha eletrônica de Henry Moore, por exemplo, informa que o banqueiro é dono da escultura batizada "Woman", peça de bronze fundida da década de 50. Detalha, ainda, que a obra está na casa de Edemar.

No relatório feito por ordem do juiz Fausto de Sanctis não aparece Henry Moore nem os outros sete artistas levantados pela Folha de S.Paulo.

No registro original do arquivo de Moore, feito por funcionários do Instituto Cultural Banco Santos e ao que tudo indica modificado posteriormente, constava que a obra fora comprada em 2003 por US$ 1 milhão da Acquavella, uma das principais galerias de arte de Nova York. O marchand Alberto Barral intermediou a negociação. Barral, que pode ser atingido numa eventual investigação sobre lavagem de dinheiro como qualquer outro marchand que tenha vendido obras a Edemar, não nega nem confirma a intermediação. Prefere elogiar o banqueiro. "Independentemente da situação atual, é sempre importante manter o senso de perspectiva e, na esfera cultural, as contribuições de Edemar foram extremamente positivas, e esses fatos não devem ser negligenciados nem esquecidos", disse à Folha em Nova York

O Banco Central só conseguiu recuperar o banco de dados com a coleção de Edemar há cerca de um mês. No dia em que foi decretada a intervenção no banco, em novembro, o BC adotou um procedimento-padrão: decidiu bloquear todas as senhas que davam acesso aos computadores para que nenhum dado fosse alterado ou apagado. Havia tantas irregularidades no banco de Edemar que a lista das obras de arte foi praticamente esquecida.

Um mês atrás, quando a equipe do BC já sabia que o rombo do banco era de R$ 2,2 bilhões, o arquivo com a coleção foi redescoberto. O arquivo eletrônico foi entregue à comissão de inquérito que apura quem são os responsáveis pela bancarrota da instituição e para o Ministério Público Federal, de acordo com o BC.

Ainda não é possível comparar o arquivo do banco com o levantamento judicial. Até agora, os técnicos contratados pela Justiça conseguiram dar conta de fotografar e descrever as cerca de 800 obras que o banqueiro têm na casa de cinco andares, no Morumbi, zona sul paulistana.

Falta inventariar o galpão que Edemar mantém na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo, onde fica a sede da empresa que é dona da coleção, a Cid Collection. Não há previsão de quando o trabalho deve acabar -há cerca de 9.000 obras a serem catalogadas.

Antes de o Banco Central recuperar o arquivo com a coleção, só havia indícios de que Edemar tinha mais obras do que aquelas que estavam na sua casa na data do seqüestro. O principal deles era a reportagem de capa da "IstoÉ Gente", de 22 de março de 2004, intitulada "O Rei das Artes". Nela, Edemar faz poses junto com o Basquiat e fala de outra obra desaparecida, a de Léger.
A tela "Les Papillons" (As Borboletas), um óleo sobre tela de 1937 de Léger, foi arrematada por US$ 679.500 no dia 7 de maio de 2003, segundo a casa de leilões Christie's, de Nova York. A obra mede 129,5 x 89 cm.
Não dá para saber quanto Edemar pagou pelo Basquiat, mas o site francês Artprice, um dos maiores do mundo em monitoramento de preços de arte, informa que o trabalho chamado "Hannibal" foi leiloado em 1994 por US$ 70 mil. Atualmente, a tela valeria US$ 513.609, de acordo com projeção do Artprice.

Colaborou Pedro Dias Leite, de Nova York

Especial
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