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18/11/2000 - 10h04

Só empresas revolucionárias sobreviverão, diz especialista

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MARIANA BARBOSA, da Folha de S.Paulo

O mundo entrou em uma nova era industrial, a "Era da Revolução". Só sobreviverão empresas revolucionárias, capazes de se reinventar constantemente. Esta é a tese de Gary Hamel, 45, professor de administração de empresas da Universidade de Harvard e um dos mais badalados gurus de administração da atualidade.

Hamel é autor de um dos mais influentes livros de negócios da década, "Competindo pelo Futuro" (1996) e acaba de lançar "Liderando a Revolução" (editora Campus).

O livro tem tom de manifesto. Nele, o autor procura injetar ânimo e paixão na vida de empresários e administradores, chamando-os a inovar, criar e deixar aflorar o talento.

"As empresas tradicionais precisam incorporar a cultura do Vale do Silício e investir em imaginação e criatividade", diz. "Ou você lidera as mudanças ou é vítima delas."

Ao contrário de muitos teóricos de administração, que ensinam sem colocar a mão na massa, Hamel tem seu próprio negócio, a Strategos, empresa de consultoria estratégica com escritórios nos Estados Unidos, Inglaterra e, desde o início do ano, no Brasil.

Entre seus clientes estão empresas como Nokia, Shell, Dow Chemical e General Motors. E, para manter a própria empresa na liderança da tal "Era da Revolução", Hamel diz procurar estar sempre atualizado. É um devorador de revistas. Todos os meses compra publicações que nunca lera antes, sobre qualquer assunto.

O filho de 20 anos e a filha de 17 também são grandes fontes de renovação. "Ouço Red Hot Chilli Peppers e Alanis Morissette e de vez em quando saio com meus filhos para dançar em clubs", conta. A seguir os principais trechos da entrevista, concedida por telefone, de seu escritório no Vale do Silício, Califórnia.

Folha - O senhor diz que estamos entrando na "Era da Revolução". O que é essa nova era e o que ela representa para as empresas?
Gary Hamel - Depois de cem anos de reinado das grandes empresas industriais, estamos a ponto de inventar um tipo completamente novo de empresa. Antes, as mudanças aconteciam de forma suave e linear. Na nova era, são descontínuas, inesperadas e até assustadoras. Para se manterem relevantes, as empresas terão de se reinventar de forma rápida e radical, assim como o mundo a sua volta. Daqui para a frente, ou você lidera as mudanças ou é vítima delas. Não há meio termo.

Folha - E como fazer para liderar essa revolução?
Hamel - O grande desafio é como se reinventar, continuamente. As empresas tradicionais são quase que sinônimos de um determinado modelo de negócio: a Xerox faz cópias, a Fiat produz carros e o Bradesco funciona como um banco. Mas para sobreviver na nova era industrial elas precisarão agir como "mísseis em busca de oportunidades", sempre buscando formas de gerar novas riquezas e transformar o próprio setor de forma radical.

Folha - E o que vem a ser uma inovação radical?
Hamel - No passado, quando uma grande empresa falava em inovação, se referia basicamente a novos produtos e tecnologias. Hoje, porém, é preciso inovar o próprio conceito dos negócios. Pegue um setor qualquer e veja quais foram as empresas que mais geraram riquezas para seus acionistas. Invariavelmente, são aquelas que inventaram novos modelos de negócio, explorando ortodoxias e dogmas de seu setor.

Folha - O senhor poderia dar exemplos?
Hamel - Uma das empresas mais rentáveis da área de computação é a Dell. Os computadores da empresa não são tão diferentes dos da IBM ou da Compaq. Mas o conceito de fazer os pedidos on line e de montar as máquinas depois da realização dos pedidos é completamente diferente. A Virgin Atlantic é outra grande inovadora. Quando Richard Branson entrou no mercado de aviação, as empresas eram todas iguais. Ele introduziu o conceito de entretenimento a bordo _com monitores de vídeo individuais para os passageiros_ e virou uma grande ameaça à British Airways.

Folha - Esse conceito de inovação se aplica a todas as empresas, da velha e da nova economia?
Hamel - Todas. Mas não acredito na diferença entre nova e velha economia. Só existe uma economia. Toda a prosperidade material que desfrutamos hoje vem do modelo de larga escala industrial introduzido pelas grandes corporações modernas. A Internet ainda não produziu nenhuma diferença na nossa prosperidade material.

Folha - O senhor diz no livro que as empresas tradicionais precisam incorporar o espírito do Vale do Silício. O que vem a ser isso?
Hamel - É preciso levar o etos do Vale do Silício para a cultura das empresas. O vale é um mercado para idéias, capital e talento, que são mercados muito flexíveis. Mas empresas não são mercados, são estruturas hierárquicas. No vale, as idéias circulam. Um investidor (venture capitalist) no vale recebe, por ano, 5 mil propostas de novos negócios. Um executivo sênior numa empresa tradicional não recebe uma sequer de seus funcionários. O monopólio da estratégia está no topo. Os funcionários não são convidados a propor idéias.

Folha - Mas, apesar de toda essa criatividade, as empresas de tecnologia estão passando por maus momentos.
Hamel - Por isso agora estão empenhadas em abraçar as virtudes da velha economia. Sabem que precisam construir economia de escala, infra-estrutura, aprender a atender os consumidores. Mas as características típicas das pontocom, como experimentação, imaginação e criatividade, são cada vez mais importantes. Se quiserem sobreviver, as empresas tradicionais terão de abraçar essas virtudes. Só existe um tipo de economia, que é a síntese da velha com a nova. Só estarão vivas nos próximos dez anos aquelas capazes de criar uma síntese perfeita das virtudes de ambas.

Folha - Como as empresas brasileiras se situam nessa nova ordem industrial?
Hamel - Por uma série de razões _como políticas governamentais que tendem a favorecer empresas da velha-guarda e a falta de "venture capital" (capital para investimentos de risco)_ não há no Brasil um número suficiente de empresas jovens desafiando a velha-guarda. Mas isso deve mudar com o tempo.

Folha - O senhor acha que o Brasil tem talento e criatividade suficientes para enfrentar os novos desafios?
Hamel - Qualquer pessoa que tenha atravessado as mudanças econômicas vividas pelo Brasil nos últimos 20 anos não pode ter sua criatividade questionada. Mas é preciso que as empresas saibam explorar essa criatividade. Como regra, as empresas brasileiras ainda são muito paternalistas e hierárquicas. Mesmo no nível de gerência média não existe muita transferência de poder. Nas esferas mais baixas, as pessoas têm aversão a riscos e pouca autoconfiança. Falta iniciativa.

Folha - É possível adquirir talento e criatividade lendo um livro de administração?
Hamel - Há algumas coisas que você pode fazer para estimular a criatividade das pessoas. A Shell criou um mecanismo para ouvir pessoas com idéias dentro da empresa e já recebeu 300 propostas. Três das quatro maiores iniciativas globais que a empresa adota atualmente nasceram deste esquema. No livro, eu ensino como transformar as pessoas em ativistas, mesmo quando elas não desfrutam de muito poder na escala hierárquica. Precisamos colocar paixão na vida das pessoas e fazer aflorar a criatividade. Se observarmos a história, vemos que as mudanças nunca vêm do topo. Nelson Mandela, Vaclav Havel, Gandhi e Martin Luther King não tinham poder político, mas tinham muita vontade de mudar.
 

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