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19/11/2000 - 11h54

Para BC, leilão equivale à queda do muro de Berlim

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FELIPE PATURY
da Folha de S. Paulo

Quando procura uma metáfora para a privatização do Banespa, a cúpula do Banco Central só encontra uma imagem. "É a queda do muro de Berlim", diz o diretor de Finanças Públicas da instituição, Carlos Eduardo de Freitas.

Nada no sistema financeiro é igual desde que Pedro Malan, então presidente do BC e hoje ministro da Fazenda, e Pérsio Arida, seu sucessor, decidiram, em 30 de dezembro de 1994, intervir no Banespa, o maior e mais poderoso banco estadual do país.

Foi o início de uma crise bancária sem precedentes que acabou com três dos maiores bancos privados e extinguiu ou empurrou para a privatização 23 instituições estaduais.

A decisão custou a desconfiança do governador Mário Covas em relação à área econômica. Covas rompeu com o BC porque foi pressionado por Arida a assinar uma carta pedindo a intervenção no Banespa 48 horas antes de sua posse no Palácio dos Bandeirantes. Recusou.

Os interventores do BC encontraram um gigante. Terceiro maior do país, o Banespa tinha 39,3 mil funcionários, 672 agências e um grande problema: US$ 10 bilhões em créditos junto ao governo paulista, que dificilmente receberia de volta.

As dívidas, acumuladas em 20 anos, impediam qualquer ajuste fiscal pela União.

"O Banespa foi usado ao longo dos anos como um orçamento paralelo do governo estadual e isso não era só um problema de São Paulo", diz Fábio Barbosa, do Tesouro Nacional.

O Banespa era o maior ralo fiscal de todas as esferas de governo e parou nas mãos de Arida, líder da insurreição contra os bancos estaduais. Para se ter uma idéia do problema, duas operações de antecipação de receita orçamentária, conhecidas como ARO, de 1990, somaram US$ 674 milhões.

As AROs do último ano do governo Quércia respondiam por metade das dívidas do banco no início do governo Fleury. O resto estava em títulos estaduais e empréstimos às estatais paulistas.

As primeiras tentativas de entendimento de Covas com a União foram feitas pelo advogado Ary Oswaldo Mattos Filho e por Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Brasília tomou atitudes duras para fechar o ralo. Demonstrou ao governo Covas que o BC gastaria menos para fechar o banco pagando os depositantes do que renegociando as dívidas.

Em conversas com assessores, o governador reagia indignado. "Eles não têm coragem", repetia. Na tentativa de apaziguá-lo, os novos negociadores ofereceram o nome do Banespa ao Estado. Covas poderia adotar o nome para a Nossa Caixa, mas recusou.

Amigo do governador, Mendonça de Barros convenceu Covas de que manter o Banespa era ruim. "O Mendonça explicou que o Banespa estava quebrado", lembra Mattos Filho. No final de 1995, Mendonça propôs a entrega do banco e de estatais para pagar a dívida de São Paulo com a União.

No pacote, os títulos estaduais do banco seriam substituídos por federais. Foi esse o modelo de renegociação das dívidas acertado dois anos depois com o governo e 25 Estados. O acordo com São Paulo, que aderiu à renegociação em novembro de 1997, atingiu, na época, R$ 37 bilhões.

O Estado foi obrigado a desembolsar à vista mais R$ 7,6 bilhões. O custo para São Paulo foi entregar o Banespa, a Fepasa e outras estatais para quitar sua dívida de curto prazo. Em troca, ganhou 30 anos para pagar o resto.

A União assumiu as dívidas de São Paulo, que hoje estão em R$ 66 bilhões. Os R$ 29 bilhões de diferença do valor da dívida de 1997 são a parte que os cidadãos de todos os Estados do país vão pagar pelo rombo das contas paulistas.

São Paulo entregou ao governo federal 51% do controle do Banespa, que rumou para a privatização. O BC contratou um consórcio liderado pelo Banco Fator para avaliar o banco. A Booz-Allen ficou responsável pela checagem dos números para o Estado.

São Paulo tinha ainda 15% das ações do banco. Foi obrigado a entregar também esse pedaço num episódio surpreendente no final de 1999. Depois de quatro anos de administração federal, o Fator descobriu uma irregularidade fiscal que poderia variar de R$ 600 milhões a R$ 2,8 bilhões.

Numa reunião no Ministério da Fazenda, combinou-se que o BC faria uma consulta por escrito à Receita para checar se o Banespa devia ao fisco. A Receita não multaria o Banespa. Não foi o que aconteceu. O banco foi autuado, multado no maior valor possível.

O presidente do Banco do Brasil, Paolo Zaghen, que comandou a privatização do Banespa da diretoria do BC até julho de 1999, se sentiu atingido e chegou a cogitar demissão por causa da multa.

Para não ter mais prejuízos, o governo paulista entregou à União o resto de suas ações do Banespa. Em troca, levou a garantia de que se a Justiça considerar a multa ilegal, receberá um extra de R$ 500 milhões pelas ações.

Outros esqueletos mudaram o valor do Banespa na reta final da privatização. A Booz-Allen contou duas vezes o pagamento da multa da Receita e reduziu o preço mínimo em R$ 1 bilhão.

O Tribunal de Contas da União considerou que os títulos do Banespa estavam desvalorizados e determinou aumento de R$ 60 milhões no preço mínimo.

Mas o pior estava por vir. A 15 dias do leilão, um levantamento feito pela Unicamp e pelo Dieese sobre os principais dados da avaliação do Fator estimou que o Banespa poderia valer, pelo menos, o dobro do preço mínimo.

"Uma sandice justificada por razões políticas", diz Venilton Tadini, do Fator. Mas a avaliação será a base do questionamento do leilão que deverá ser feito pelo Ministério Público. "Se vai ser vendido que seja pelo máximo possível", diz o procurador da República Luiz Francisco de Souza.
 

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