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05/06/2005 - 09h27

Indústria articula reação contra a China

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CLÁUDIA TREVISAN
da Folha de S. Paulo

A indústria brasileira articula uma reação à entrada de produtos chineses no Brasil, e não apenas nos setores tradicionalmente vulneráveis à concorrência asiática, como têxtil e calçados. Fabricantes de máquinas, baterias e produtos eletroeletrônicos começam a levantar dados para pedir ao governo a adoção de medidas que restrinjam importações chinesas.

"A China tem uma pauta completa de exportação e compete com a indústria brasileira em vários setores", afirma o presidente do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), Cláudio Vaz, que aponta problemas em setores que vão de bulbos de garrafas térmicas a aparelhos de ar-condicionado.

Empresários e economistas repetem o mesmo discurso ao apontar as condições de concorrência mais vantajosas dos chineses: câmbio desvalorizado e atrelado ao dólar há dez anos; juros inferiores a 6%; financiamento estatal abundante; escala dada por uma população de 1,3 bilhão de pessoas e salários que são quase um quarto dos pagos no Brasil.

A situação é agravada pelas desvantagens brasileiras: real valorizado, o que encarece o preço dos produtos nacionais; a maior taxa de juros do mundo; carência de financiamento e pesados encargos trabalhistas.
Além disso, há forte presença do Estado na economia chinesa, um dos pontos que estarão nos pedidos de adoção de medidas de defesa comercial.

Decretos

Entidades representativas de setores da indústria aguardam apenas a publicação de dois decretos que irão regulamentar a aplicação de salvaguardas específicas contra a China para iniciar os processos. As salvaguardas permitem a fixação de cotas de importação ou a adoção de tarifas que elevam o preço final do produto.

Os textos dos decretos deverão ser aprovados pela Camex (Câmara de Comércio Exterior) no dia 22 deste mês e depois serão enviados à Presidência. Um decreto é específico para o setor têxtil; o outro, para os demais produtos.

O economista Mauricio Mesquita Moreira, do Departamento de Integração do Banco Interamericano de Desenvolvimento, acredita que a relação com a China definirá o próprio modelo de desenvolvimento do Brasil, entre um caminho que privilegie a exploração de recursos naturais e outro que opte pela industrialização.

Moreira é claramente favorável ao modelo industrial, mas observa que a China apresenta um desafio inédito para o Brasil: enfrentar um país que mantém competitividade em manufaturas que dependem de mão-de-obra barata ao mesmo tempo em que avança em produtos intensivos em capital e de alta tecnologia.

Até agora, os países abandonavam os setores mais básicos na medida em que progrediam tecnologicamente. Com algo entre 150 milhões e 300 milhões de camponeses dispostos a migrar para as cidades, a China tem uma reserva de mão-de-obra barata que garantirá sua vantagem nessa área por um longo período.

Na opinião de Vaz, do Ciesp, e de Julio Gomes de Almeida, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), a adoção de salvaguardas é essencial para evitar o encolhimento do setor industrial brasileiro.

A Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) pretende que a medida de defesa comercial seja aplicada na importação de máquinas injetoras de plástico, máquinas-ferramentas para metais e máquinas usadas no setor moveleiro. Esses três segmentos representam cerca de 30% do setor, afirma o presidente da Abimaq, Newton Mello.

Segundo ele, das 1.200 máquinas injetoras vendidas no Brasil em 2004, 499 foram importadas da China, com preço até 50% inferior ao nacional.
José Luiz Simonelli, vice-presidente do Ciesp e dono da fabricante de baterias para motocicletas e equipamentos eletrônicos Enerbrax, trabalha em um pedido de salvaguarda para o setor. Simonelli ressalta que a importação desses produtos da China aumentou 2.600% entre 1998 e 2004, o que reduziu a presença de fabricantes nacionais no mercado e achatou a margem de lucro dos que permaneceram.

No setor eletroeletrônico, o caso mais grave é o de alto-falantes, na avaliação de Humberto Barbato, diretor de Relações Internacionais da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica). Na avaliação da entidade, produtos chineses respondem por cerca de 70% desse mercado. A Abinee sustenta que os alto-falantes entram no Brasil com preço inferior ao de mercado e pretende pedir a aplicação de medidas antidumping, que impõem um sobrepreço aos bens importados.

Em todos os casos, as empresas nacionais terão de demonstrar os efeitos negativos das importações chinesas. Nas salvaguardas, precisam provar o aumento súbito das importações e quantificar os prejuízos dos fabricantes locais.

Os processos serão analisados pelo Ministério do Desenvolvimento, que pretende decidir os casos em, no máximo, três meses, a contar da apresentação do pedido. Só após uma decisão favorável do governo é que as salvaguardas poderão ser aplicadas.

Em geral, as salvaguardas são adotadas por períodos de cinco a dez anos. "As salvaguardas têm o objetivo de dar tempo para os setores beneficiados superarem a eventual perda de competitividade, provocada por questões estruturais ou conjunturais; elas também poderão dar tempo para a China se adequar às regras de mercado", diz Gomes de Almeida.

O cônsul comercial da China, Zhang Jisan, anunciou que seu país vai retaliar o Brasil caso sejam adotadas salvaguardas. Mas, se os processos seguirem as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), há pouco o que a China possa fazer, se quiser respeitar as mesmas regras.

O governo brasileiro e setores que se beneficiam das exportações à China não querem azedar a relação bilateral. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a China há um ano e recebeu seu colega Hu Jintao no Brasil em novembro. Nas duas ocasiões, os presidentes celebraram o caráter "estratégico" do relacionamento entre os países.

Quando esteve no Brasil, Hu arrancou de Lula o reconhecimento da China como "economia de mercado", algo que dificulta a aplicação das medidas de defesa comercial na OMC.

O Brasil recebeu dos chineses a promessa de investimentos em obras de infra-estrutura, como portos e ferrovias, que facilitariam as exportações de minério de ferro e soja para a China.

O país asiático se tornou no ano passado o terceiro principal destino das exportações brasileiras, com uma pauta fortemente concentrada em produtos primários.

O saldo comercial, que era altamente favorável ao Brasil, começou a se reduzir nos últimos meses, com a elevação das exportações da China, a maior parte delas em produtos industrializados.

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