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31/08/2005 - 09h07

Cavallo elogia Brasil, mas vê "debilidade"

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MAELI PRADO
da Folha de S.Paulo, em Buenos Aires

A atual política econômica do governo Kirchner, cujo foco principal é a manutenção do peso desvalorizado ante o dólar, levará a Argentina a uma espiral inflacionária semelhante à que o Brasil teve por 40 anos. A afirmação é do economista Domingo Cavallo, pai da conversibilidade cambial que atrelou o peso ao dólar no país entre 1991 e janeiro de 2002.
Para ele, crise política como a que vive o Brasil é, "infelizmente, uma debilidade dos sistemas políticos de toda a América Latina".

Apontado como vilão da maior crise econômica já enfrentada pela Argentina, Cavallo, superministro da Economia nos governos dos presidentes Carlos Menem (1990-2000) e Fernando de la Rúa (1999-2001), volta ao país com uma tarefa difícil: convencer os 8 milhões de moradores da capital federal, Buenos Aires, de que seria um bom deputado.

Candidato nas próximas eleições de outubro, que renovarão parte do Parlamento argentino, o economista, que passou os últimos anos fora do país, dando aulas em Harvard, culpa a desvalorização do peso, realizada durante o governo de Eduardo Duhalde (2002-2003), pela crise.

Sobre a rejeição ao seu nome, diz que é natural da atuação política. E afirma que a recente reestruturação da dívida argentina foi um "péssimo negócio". Leia abaixo entrevista concedida em seu apartamento em Buenos Aires.

Folha - Como o sr. avalia a política econômica do governo Kirchner?

Domingo Cavallo - Não é original, é a continuidade perfeita da política de Duhalde. É empobrecedora. Algo de crescimento vai haver, mas que só se mantém com salários reais muito baixos e com desinvestimento em infra-estrutura, muito pouco investimento em saúde e educação, pagando aos aposentados muito menos do que a lei demanda pagar. Eu creio que não seja uma política progressista, é totalmente regressiva, que vai trazer impopularidade para o governo de Kirchner. Até agora parece popular porque as pessoas a comparam com o desastre de 2002.

Folha - Qual foi o maior erro que o sr. cometeu na economia?

Cavallo - Não ter sido mais enfático em denunciar os governadores como responsáveis pelo descalabro argentino [de gastos públicos]. Os acertos da política que implementei são evidentes. A Argentina nesse período eliminou a inflação. Ainda hoje podemos dizer que a inércia inflacionária desapareceu, graças a um programa que durou 11 anos, que foi o programa de convertibilidade, que erradicou a inflação da Argentina.

Folha - E o endividamento que o país acumulou nesse período?

Cavallo - Foi igual ao brasileiro. O Brasil decidiu fazer um manejo organizado de sua dívida, nunca decidiu um "default" da dívida, por isso manteve sua economia muito mais organizada. Na Argentina, houve responsabilidade maiúscula do governo de Duhalde, de declarar um "default" não só da dívida externa mas também da dívida interna.

Folha - Manter a paridade por tanto tempo não foi um erro?

Cavallo - Os que dizem que manter a paridade cambial foi o problema são os que consideram que, quando alguém se endivida --as Províncias ou as grandes empresas-, as dívidas têm que ser pagas depois pelo povo. Tratam de converter as dívidas em pesos e depois desvalorizam o peso. Permitem que todos os preços em pesos subam de tal forma que aos endividados fique mais fácil pagar suas dívidas, mas ao custo do empobrecimento geral. É muito claro que, quanto mais desvalorizada esteja a moeda, pior é a distribuição de renda. Então a convertibilidade defendeu o valor da renda argentina.

Folha - A troca da dívida não foi um bom negócio?

Cavallo - Se alguém vincula à emissão da dívida que tiveram que fazer por causa da pesificação assimétrica, e tudo, e toma o conjunto, foi um péssimo negócio. Além disso, restam US$ 20 milhões de dívida que não está sendo paga e sobre a qual vão se gerar muitas ações contra a Argentina. Eu me alegro de que o Brasil nunca tenha tomado esse caminho. Nisso Lula foi muito inteligente. Viu o que aconteceu na Argentina e deu continuidade a uma política razoável de Fernando Henrique Cardoso, porque, senão, o país perde seriedade. Hoje há bastante investimento direto estrangeiro no Brasil. E na Argentina não há. Criou-se um péssimo clima de negócios na Argentina.

Folha - Qual sua avaliação da economia brasileira?

Cavallo - A política econômica de Lula é uma continuidade da política econômica do Fernando Henrique. Que tenha havido continuidade fala muito bem do Brasil. Eu sei que os empresários preferiam uma política mais suave, mas a inflação é muito negativa para o sistema de financiamento político e econômico. O país precisa de uma boa reforma tributária, já que exagera na arrecadação, e de mais investimentos em infra-estrutura. E o Brasil está tendo uma política exterior muito inteligente [...] É claro que o Brasil também tem problemas, lamento muito o que ocorre nesse tema da crise por denúncias de corrupção, mas é uma debilidade que lamentavelmente temos nos sistemas políticos de toda a América Latina. Temos que avançar para um sistema de financiamento mais transparente da política na América Latina, porque, senão, criam-se esses mecanismos que depois desestabilizam a política.
 

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