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23/10/2003 - 10h28

Artigo:"Dize-me com quem andas..."

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PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha de S. Paulo

Na semana passada, fiquei devendo explicações sobre algumas frases de uma questão da Fuvest. O assunto era o verbo no imperativo, e a nossa conversa começou com "Experimenta!".

É sempre bom repetir que, em termos de língua padrão, "experimenta" e "experimente" são formas corretas. A primeira se usa quando o sujeito é "tu"; a segunda, quando o sujeito é "você" ou outro pronome de tratamento.

Alguns leitores pediram esclarecimentos sobre a pessoa a que pertencem os pronomes "tu" e "você". A dúvida é velha conhecida: o pronome "você" é da segunda ou da terceira pessoa? Na estrutura do discurso, a segunda pessoa é ocupada pelo interlocutor, ou seja, por aquele a quem o emissor dirige a palavra. Sob essa ótica, os pronomes "tu" e "você" são da segunda pessoa. Não se pode esquecer, no entanto, que os pronomes de tratamento (e "você" é um deles) sempre levam o verbo para a terceira pessoa.

É por isso que, quando uma banca examinadora pede ao aluno que passe para a terceira pessoa uma frase como "Dize-me com quem andas, e eu te direi quem és", o candidato deve substituir o pronome "tu" (implícito em "dize", "andas" e "és") por "você", que, embora ocupe a segunda pessoa na estrutura do discurso, leva o verbo para a terceira pessoa gramatical. Ficou claro?

A esta altura, talvez seja conveniente resolver a "questão" do parágrafo anterior, ou seja, passar para a terceira do singular a frase "Dize-me com quem andas...". De onde vem a forma "dize-me"? Trata-se da segunda pessoa do singular ("tu") do imperativo afirmativo de "dizer", que resulta da eliminação do "s" de "tu dizes" (da segunda pessoa do singular do presente do indicativo).

Pois bem, para passar para a terceira pessoa uma frase imperativa (afirmativa), é preciso mudar a fonte: sai o presente do indicativo e entra o do subjuntivo, sem nenhuma alteração. Como a terceira do singular do presente do subjuntivo de "dizer" é "diga" ("Quero que você diga"), o imperativo é "diga (você)": "Diga-me (você) com quem (você) anda e eu lhe direi quem (você) é".

Sei que essa coisa é meio chatinha, burocrática, mas, como nosso imperativo oral nem sempre coincide com o da "norma escrita culta" (denominação usada pela Fuvest), é preciso tratar do assunto mais ou menos como quem estuda uma língua estrangeira, o que não quer dizer que não devamos conhecer a questão ou ignorá-la. Ninguém morre por dominar o rigor formal de "Os Passistas" (de Caetano Veloso), de "Eu te Amo" (de Tom Jobim e Chico Buarque) ou de "Apelo" (de Baden Powell e Vinicius de Moraes), exemplos de poesias musicais brasileiras dos últimos 40 anos escritas na segunda pessoa.

E as demais frases da questão da Fuvest? Vamos às duas versões possíveis de cada uma delas: 1) "Confira as receitas incríveis preparadas para você. Clique aqui!" ou "Confere as receitas incríveis preparadas para ti. Clica aqui!"; 2) "Mostre que você tem bom coração. Contribua para a campanha do agasalho" ou "Mostra que (tu) tens bom coração. Contribui..."; 3) "Cure-se e seja feliz" ou "Cura-te e sê feliz" (a forma imperativa "sê", do verbo "ser", é excepcional); 4) "Em caso de acidente, não siga viagem. Peça o apoio de um policial" ou "Em caso de acidente, não sigas viagem. Pede o apoio de...". É isso.
 

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