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18/12/2003
-
10h00
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
Especial para a Folha de S. Paulo
"Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção." O trecho que acabamos de ler é de Machado de Assis, extraído do "Conto de Escola", uma de suas narrativas mais conhecidas.
A citação vem a propósito de comentar uma figura de linguagem de efeito bastante curioso e, às vezes, irônico. Trata-se da preterição ou paralipse, que, segundo o narrador machadiano, produz "excelente efeito no estilo". Ora, para evitar o auto-elogio e, ao mesmo tempo não deixar de fazê-lo, usa o verbo de elocução modificado por uma negativa. Assim, afirma que não vai dizer algo, mas, ao mesmo tempo, o diz.
O recurso é observado em debates entre políticos, que não economizam frases do tipo: "Não vou contar aqui, pois este não é o momento, que o nobre colega nunca explicou onde foram parar as verbas destinadas aos projetos sociais durante a sua administração". O interlocutor vê-se, assim, obrigado a responder à provocação. Geralmente o artifício serve para desviar a discussão do rumo que seguia. Certamente, num caso como esse, o discurso aparece revestido de ironia --figura por meio da qual se diz algo com o intuito de exprimir o seu oposto. Embora tenha dito que não contaria algo, na verdade o contou.
Seria falso, no entanto, dizer que o recurso sempre se presta à ironia. Para evitar um discurso afetado ou pretensioso, há quem recorra à preterição. Imagine uma fala como esta: "O artista Fulano acaba de lançar um disco. Nada direi aqui das suas virtudes humanas, que são muito conhecidas de todos --afinal, ele é um grande benfeitor de instituições de caridade-; falarei apenas de seu novo trabalho musical".
Dessa maneira, o assunto surge de maneira enviesada, mas é exatamente pelo fato de ser anunciado como secundário (ser preterido) que a atenção se volta para ele.
Essa figura da retórica tornou-se familiar em razão de seu uso constante por certo apresentador de TV que, ao interromper a fala de seus entrevistados, logo anuncia: "Sem querer interromper e já interrompendo...", um autêntico caso de preterição que resolve um problema de etiqueta!...
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha.
E-mail: tnicoleti@folhasp.com.br
Artigo: Dizer que não se vai dizer pode ser uma maneira de dizer
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Especial para a Folha de S. Paulo
"Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção." O trecho que acabamos de ler é de Machado de Assis, extraído do "Conto de Escola", uma de suas narrativas mais conhecidas.
A citação vem a propósito de comentar uma figura de linguagem de efeito bastante curioso e, às vezes, irônico. Trata-se da preterição ou paralipse, que, segundo o narrador machadiano, produz "excelente efeito no estilo". Ora, para evitar o auto-elogio e, ao mesmo tempo não deixar de fazê-lo, usa o verbo de elocução modificado por uma negativa. Assim, afirma que não vai dizer algo, mas, ao mesmo tempo, o diz.
O recurso é observado em debates entre políticos, que não economizam frases do tipo: "Não vou contar aqui, pois este não é o momento, que o nobre colega nunca explicou onde foram parar as verbas destinadas aos projetos sociais durante a sua administração". O interlocutor vê-se, assim, obrigado a responder à provocação. Geralmente o artifício serve para desviar a discussão do rumo que seguia. Certamente, num caso como esse, o discurso aparece revestido de ironia --figura por meio da qual se diz algo com o intuito de exprimir o seu oposto. Embora tenha dito que não contaria algo, na verdade o contou.
Seria falso, no entanto, dizer que o recurso sempre se presta à ironia. Para evitar um discurso afetado ou pretensioso, há quem recorra à preterição. Imagine uma fala como esta: "O artista Fulano acaba de lançar um disco. Nada direi aqui das suas virtudes humanas, que são muito conhecidas de todos --afinal, ele é um grande benfeitor de instituições de caridade-; falarei apenas de seu novo trabalho musical".
Dessa maneira, o assunto surge de maneira enviesada, mas é exatamente pelo fato de ser anunciado como secundário (ser preterido) que a atenção se volta para ele.
Essa figura da retórica tornou-se familiar em razão de seu uso constante por certo apresentador de TV que, ao interromper a fala de seus entrevistados, logo anuncia: "Sem querer interromper e já interrompendo...", um autêntico caso de preterição que resolve um problema de etiqueta!...
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha.
E-mail: tnicoleti@folhasp.com.br
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