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29/05/2004 - 07h34

Projeto de cota não garante acesso democrático

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CLÁUDIA COLLUCCI
FERNANDA MENA

DA REPORTAGEM LOCAL

A fixação de cotas no total de vagas do vestibular, e não em cada curso, e a ausência de um programa de assistência que garanta a permanência do aluno carente nos bancos universitários podem comprometer a democratização do acesso do ensino superior pretendida pela proposta do governo que reserva 50% das vagas das universidades federais a alunos egressos do ensino público.

Essa é a avaliação de educadores que participaram de debate realizado pela Folha, no dia 21, sobre as cotas sociais nas universidades federais e sobre o Programa Universidade para Todos, cujos projetos de lei estão no Congresso.

Apenas 9% dos brasileiros de 18 a 24 anos estão hoje na educação superior pública ou privada, um dos menores índices da América Latina --atrás do Paraguai e da Bolívia. O Plano Nacional de Educação estabeleceu que, até 2011, 30% dos jovem nessa faixa etária devam estar no ensino superior.

O debate, mediado pelo jornalista Vinícius Torres Freire, secretário de Redação da Folha, reuniu o secretário-executivo do MEC, Fernando Haddad, Paulo Corbucci, técnico de pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Ana Lúcia Gazzola, presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), e Eunice Durham, coordenadora do Conselho Consultivo do Nupes/USP.

"Quando se fala que o modelo de cotas é por concurso de instituição, e não por curso, estamos mascarando o verdadeiro problema da falta de oportunidades iguais, porque há cursos mais competitivos [que continuariam a ser preenchidos por candidatos com notas mais altas]", explica Gazzola. "Aí, é claro que a instituição poderá construir o seu modelo e atingir rapidamente os 50%."

Para ela, um projeto que define percentuais iguais para um sistema heterogêneo está contra a autonomia universitária. "Não dá para reservar vaga de forma a não dar conta da qualidade. Tem que entrar alunos da rede pública, mas tem que entrar os melhores."

Hoje, 42% dos alunos das federais são oriundos do ensino médio público. Mas é grande o fosso entre os que concluem o nível médio e os que ingressam no ensino superior: são 2,4 milhões de egressos do ensino médio e só metade entra no nível superior.

O próprio Haddad reconhece que há uma pressão social grande para que as instituições públicas tenham metas estabelecidas por curso e renda, mas que o MEC considerou "temerário e prematuro" incluir essas questões no projeto de lei sem conhecer o funcionamento das instituições sob o regime das cotas.

Ele diz que as questões das cotas por curso e por renda podem ser tratadas no projeto desde que sejam "expedientes autorizativos, ou seja, a instituição fica autorizada a adotar o corte por renda ou o modelo de cotas por curso".

Escolas públicas

Para Paulo Corbucci, do Ipea, a medida do governo, no entanto, pode provocar um outro fenômeno: a migração de alunos das escolas privadas para as públicas a fim de aumentarem suas chances no vestibular das federais.

"Se o princípio orientador das cotas é fortalecer a escola pública, ótimo. Isso certamente vai levar boa parte da nossa classe média de volta à rede pública", afirma. Mas, avalia o pesquisador, "se o princípio orientador das cotas é o de ser uma ação compensatória para aqueles que, em termos socioeconômicos, não teriam condições de ingressar na universidade, o projeto é pouco eficaz".

Segundo ele, nessas circunstâncias, a tendência é de outra camada da população ocupar essas vagas. "A medida vai levar aqueles com menores condições a continuar com menores condições."

Na avaliação de Haddad, seria oportuna a migração da classe média para a rede pública: a escola pública ideal seria justamente a que satisfizesse os filhos da classe média que estão hoje nas instituições privadas. "Essa migração exerceria uma pressão muito importante pela qualidade."

Permanência

Para os educadores, é fundamental a criação de programas de apoio acadêmico e de assistência que visem garantir a permanência dos alunos carentes no curso superior. Tanto a presidente da Andifes como Eunice Durham defendem que a adoção de um modelo de auxílio baseado na experiência da UFMG, que existe desde 1931 e é gerenciado por alunos e professores. Ou seja, cobrar taxas de matrículas de estudantes mais ricos para financiar bolsas de estudantes pobres.

Na opinião de Gazzola, o projeto peca por não tratar de expansão do setor público. Há quase um ano, diz ela, a Andifes encaminhou um projeto ao MEC propondo a duplicação das vagas nas federais, passando de 530 mil na graduação para 1,1 milhão. O projeto previa a criação de 25 mil vagas nos cursos noturnos. "Ainda não tivemos resposta", diz.

Na avaliação de Durham, o grande fator de democratização no sistema público é o curso noturno. "Os pobres não entram na escola pública federal, entram na USP, que tem curso noturno desde 1952. A grande parte deles financia seu próprio estudo."

Cotas

Para Paulo Corbucci, políticas compensatórias, como as cotas sociais, são necessárias. "As desigualdades sociais reproduzem as desigualdades educacionais. (...) O círculo não é quebrado se não houver decisão política."

Mas ele alerta que a exclusão não começa na universidade. Um terço dos ingressos no ensino fundamental, por exemplo, não consegue conclui-lo. Menos de 41% dos jovens na faixa de 15 a 17 anos estão cursando o ensino médio.
 

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