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19/12/2000 - 08h34

Opinião: Donos de universidade pública monopolizam vagas

MARILENE FELINTO

Imagino como deve ser a formação de quem ingressa ou estuda hoje na Uni-isso, Uni-aquilo, essas "universidades" particulares criadas a toque de caixa, que se multiplicam feito coelhos e que se vendem em anúncios de TV como a décima maravilha do mundo do consumo.

Chegou-se a esse ponto. E ainda que o governo FHC venha tomando medidas (como os provões) para fiscalizar mais de perto a existência desses matadouros educacionais de nível "superior", dificilmente conseguirá corrigir uma deficiência que está na estrutura da educação nacional como um todo, piorada a cada governo que passa, inclusive por este atual.

Claro que a proliferação desse tipo de universidade é consequência direta da má qualidade do ensino público _e de uma parcela do ensino privado_ em seus níveis inferiores.

A pergunta é simples: é correto perpetuar a deficiência? É certo passar de um ensino médio ruim (na escola pública ou na particular da esquina) para um ensino superior pior ainda (na Uni-isso)?

A questão também pode ser formulada assim: até quando aceitaremos que o filho do pobre seja afastado da universidade pública? A resposta implica uma intrincada rede de fatores: há interesses poderosos trabalhando contra a democratização do ensino no Brasil desde sempre.

É por isso que o projeto de cotas ou reserva de 50% das vagas nas universidades estaduais e federais para estudantes oriundos de escolas públicas _em tramitação na Assembléia Legislativa de São Paulo e já aprovado no Rio de Janeiro_ deixa em polvorosa certa elite que se acha dona da universidade pública.

São proprietários e diretores de estabelecimentos de ensino privado, pais e professores de alunos dessas escolas, reitores e docentes das próprias universidades públicas. Alegam que a reserva de vagas é inconstitucional e discriminatória, que daria privilégios ao estudante de escola pública, que o ingresso de alunos despreparados rebaixa o nível da universidade.

Um discurso que soa a hipocrisia. Pessoalmente, só não sou a favor das cotas porque elas deixariam de fora um assombroso contingente de alunos que se formam em escolas particulares piores do que as públicas.

O projeto das cotas é meio cego, não deixa de ser um modo de ir empurrando com a barriga a calamidade pública da educação, mas é a primeira iniciativa para acabar com essa _essa sim_discriminação em larga escala, a reserva de vagas tácita para o filho do rico na universidade pública.

A medida para acabar com essa pouca vergonha tem que ser urgente assim. Quantas décadas terá de esperar o filho do pobre para ter direito à universidade? Quanto tempo mais teremos todos nós de pagar a mensalidade altíssima para formar na Universidade de São Paulo (USP), e nas melhores universidades do país, o médico que veio de colégios caros?

Ora, se o pai do estudante de medicina pôde pagar quase R$ 1.000 por mês para que seu filho se formasse nos renomados colégios de ensino médio de São Paulo, por que não continuar pagando isso na USP? Por que os quase dez anos de estudos de seu filho têm que ficar por nossa conta?

A educação é uma prática social _até quando, nessa sociedade desigual, teremos que aguentar vê-la usada como instrumento de dominação das classes sociais subalternas?
 

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