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18/03/2001 - 11h31

Escola pública fez os melhores em 7 cursos do provão

GILBERTO DIMENSTEIN
da Folha de S.Paulo

Amos Luciano Carneiro, 24 anos, nasceu em uma família pobre, seus pais não têm o primeiro grau completo, estudou sempre em escola pública e passou no vestibular de engenharia química da Unicamp, em São Paulo. Não poderia imaginar que, ao fazer o provão, no ano passado, entraria para a história da faculdade.

Ao transpor as probabilidades estatísticas da educação brasileira, ele figura numa lista de heróis que deverá ser divulgada amanhã.

Depois de passar pela peneira universitária, ingrata especialmente com quem frequentou escolas públicas, Amos driblou mais uma vez a adversidade: conseguiu tirar o primeiro lugar -entre os alunos de engenharia química de todo o país- no provão do ano passado.

Sem dinheiro, aprendeu desde cedo a ir a bibliotecas e estudava, em média, cinco horas por semana, além do horário das aulas. Fez da Internet seu principal meio de informação. Planeja, agora, dedicar-se a cursos de aperfeiçoamento e especialização.

Não está sozinho. Na lista dos primeiros colocados de cada curso avaliado pelo provão no ano passado, além de Amos, aparecem mais seis estudantes que só frequentaram escolas públicas. Eles tiraram as melhores notas nas avaliações dos cursos de jornalismo, matemática, veterinária, odontologia, engenharia mecânica. Em física, deu empate -e os dois estudantes também saíram de escolas públicas. Dois deles, vitoriosos em matemática e jornalismo, pediram que seus nomes não aparecessem por discordarem do provão.

Para que Allyson Vicente Diniz, da Universidade Federal da Paraíba, atingisse o primeiro lugar entre os alunos de engenharia mecânica, teve de estudar semanalmente até oito horas sem contar as aulas. Pesa-lhe ainda ter vindo do interior do Nordeste -ele é de Campina Grande.

Apenas a monumental disposição fez com que eles contrariassem o previsível. A tendência na classe média brasileira é que os estudantes paguem mensalidades até o ensino médio (antigo colegial) e depois ingressem numa universidade pública. Nascidos em famílias mais abastadas, não precisam trabalhar -não precisam frequentar cursos noturnos.

Não é o caso dos oito vitoriosos, obrigados a mesclar bicos com a labuta acadêmica, como aconteceu, por exemplo, com Marilane Floriano Correa, da Unesp, em São Paulo, primeiro lugar em odontologia.

Eles são a exceção e, feito heróis, suas histórias prestam-se ao surgimento de um movimento que se avoluma no país: o movimento dos "sem-faculdade".

Neste mês, integrantes de entidades estudantis acamparam no campus da USP, na cidade de São Paulo, exigindo mais vagas no ensino superior público.

Eles anunciaram que vão ocupar as carteiras nas salas de aula: querem ser reconhecidos como alunos especiais e pisam nas regras do vestibular assim como o MST pisoteia os títulos de propriedade.

A medida da disseminação, nas camadas populares, da idéia de que a faculdade é o novo limite entre marginalidade e integração na sociedade está na veloz propagação de cursinhos pré-vestibulares comunitários.

Depois de uma experiência piloto em 1992, na Baixada Fluminense, já são 800 cursinhos que, no ano passado, atenderam a 60 mil alunos, quase todos de instituições públicas, a maioria vivendo na periferia e sem condições de pagar por um curso pré-vestibular.

Núcleos de resistência contra a exclusão educacional, esses programas, mantidos por voluntários, jogam de acordo com as regras do jogo: ajudam os estudantes a realizar testes.

Briga desigual. Muitos chegam lá sem conhecer os rudimentos da língua, da matemática e das ciências, vítimas de escolas indigentes. Além do conteúdo, os alunos aprendem a ter confiança, recebendo, na prática, aulas de auto-estima. Precisam, na marra, acreditar na possibilidade de conseguir, em pouco tempo, superar tudo o que não aprenderam.

Ainda silencioso, o movimento dos "sem-faculdade" é politicamente mais importante do que o estridente movimento dos sem-terra.

Para as reivindicações dos "sem-faculdade" se tornarem ruidosas, a exemplo das dos sem-terra, é preciso apenas tempo. A cada ano, o número de matrículas no ensino superior tem crescido 10%, alterando as fronteiras da marginalidade e dos valores salariais no contracheque.

 

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