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19/08/2001 - 00h52

Estudar no exterior é uma experiência sedutora

DÉBORA YURI
da Revista da Folha

Sob muitos aspectos, a idéia de cursar uma parte do ensino médio (o antigo colegial) no exterior é sedutora. A experiência de viver fora, a fluência em outra língua, os benefícios para o currículo na hora de procurar emprego: tudo parece um sonho para um adolescente de 16 ou 17 anos. Mas antes de embarcar na onda, é preciso analisar todos os detalhes, de modo que a jornada em terras estrangeiras não vire um pesadelo traumático.

A Revista foi conferir de perto a primeira semana de viagem de 45 jovens brasileiros que decidiram fazer o "high school" nos EUA. Alguns cursarão um semestre e ficarão por lá até janeiro; outros voltam apenas em junho do próximo ano. Viverão todo esse tempo com famílias de cidadezinhas de Ohio, Indiana ou Pensilvânia, três pequenos Estados do leste americano.

A primeira parada foi o campus da Grand River Academy, em Austinburg, noroeste de Ohio. Por quatro dias, ele foi a sede da orientação promovida pela ARC (Adventures in Real Communication), organização norte-americana que coordena programas de "high school" há 17 anos. De lá, estudantes brasileiros, alemães, espanhóis, mexicanos, coreanos, belgas, suíços, italianos e equatorianos pegaram ônibus ou avião para chegar a seu destino final: a casa de sua família americana.

A reportagem acompanhou também a viagem do ônibus que levou cerca de 25 estudantes para a região de Indianápolis (capital de Indiana) e, depois, os quatro primeiros dias de um brasileiro em seu novo "lar", em Greenwood.

Por onde começar
O ideal é começar a planejar com um ano de antecedência. Mas é bom saber que a empreitada não é para todo mundo. "Os intercambistas precisam ser garotos muito corajosos", diz Stan Heffner, 49, diretor da Madison High School (Madison, Ohio), colégio com 3.650 alunos que costuma receber oito estrangeiros por ano.

"Eles largam família, amigos e tudo que conhecem para viver em outro país, falar outra língua, submeter-se a outra cultura. Têm de começar do zero com apenas 16 anos."

Dinheiro não é tudo: um cuidadoso processo de avaliação é feito pelas organizações. O candidato tem de passar por testes escritos e orais, para verificar se sabe inglês o suficiente para acompanhar as aulas. A segunda parte do processo é composta de entrevistas, que medem o grau de maturidade e a capacidade de adaptação. Ambas são eliminatórias.

Bernadette Blanco, 40, coordenadora de intercâmbio da CI (Central de Intercâmbio) de Campinas que acompanhou os estudantes brasileiros na orientação em Ohio (faz isso há seis anos), lista algumas características que podem tornar o desafio mais fácil: ser flexível, adaptável e "open-minded" (cabeça aberta) é fundamental, assim como sentir-se maduro, ter consciência das regras e estar disposto a quase tudo. A extroversão é outra qualidade importante, ajuda a fazer amigos e possibilita uma boa relação com a "host family", a família hospedeira. "E também pode compensar uma possível dificuldade com a língua", lembra a coordenadora.

Na mesma medida, há fatores que contribuem decisivamente para fazer o barco naufragar. "Quem não admite experimentar coisas novas, não tolera a diversidade e é superprotegido pelos pais tem grande chance de fracassar", afirma Bernadette. "Além disso, os muito tímidos podem sofrer demais e os muito abusados, voltar para casa mais cedo."

A inscrição
Uma vez decidido, é hora de escolher uma agência no Brasil que represente uma organização do exterior. Procure saber há quanto tempo ela atua no mercado, quantas pessoas atende por ano e converse com gente que já utilizou seus serviços antes.

O "high school" em escolas públicas é muito mais comum do que em particulares (lembre-se de que, no exterior, a diferença de qualidade educacional não é grande como no Brasil) e custa menos da metade do preço. Um ano nos EUA, por exemplo, sai em média US$ 5.000, incluindo a hospedagem na casa de uma família. Na Austrália, esse valor gira em torno de US$ 14 mil, e no Canadá, de US$ 15 mil. Em um colégio particular americano, custaria de US$ 12 mil a US$ 29 mil.

Gastos extras também precisam entrar na lista, já que a família americana não tem obrigação de comprar roupas ou pagar refeições extras, como o almoço no colégio. De maneira geral, aconselha-se ficar dentro do limite de US$ 200/mês se o intercâmbio for nos Estados Unidos ou na Austrália, e de US$ 300 se for na Europa.

A inscrição ("application") é o próximo passo. Ela é que vai determinar, indiretamente, qual será a "host family" do intercambista. As organizações procuram conciliar semelhanças: coincidências como gostar de futebol, de dança, de acampar, ou então, por exemplo, um jovem independente, disposto a ter muitas atividades durante o dia (como natação ou música), e pais também bastante ocupados, que não possam dispensar a ele atenção integral.

É a família quem vai escolher o aluno, e não o contrário. Por isso, é bom ser extremamente honesto na hora de escrever o texto. "Um sorriso lindo na foto também conta muito", sugere Kevin DiSano, 42, empresário de Greenwood (Indiana) que já abrigou 12 intercambistas, quatro deles brasileiros, e ainda hoje mantém contato com quase todos. "O que as famílias querem é isso: garotos cheios de entusiasmo, dispostos a compartilhar muita coisa."

Listar muitos interesses e demonstrar valores familiares também conta pontos -afinal, como diz DiSano, "ninguém quer ser um hotel para um jovem que só está a fim de farra".

Evite também adotar mudanças no visual depois de concluído o processo de seleção, como tingir o cabelo ou fazer tatuagens. "Uma das meninas me disse, um mês antes de embarcar, que queria fazer um piercing no nariz", conta Bernadette, da CI. "Eu a aconselhei a fazer apenas quando voltasse ao Brasil. Disse que a família americana dela a tinha escolhido sem piercing, era melhor ficar assim."

A escola brasileira
Consulte também a escola brasileira para saber se o ano cursado no exterior terá validade aqui. As empresas não prometem garantias, mas geralmente não há problemas para continuar os estudos na volta ou prestar o vestibular. É essencial conversar com os diretores sobre a carga horária, as matérias obrigatórias e, em alguns casos, as notas necessárias.

Lembre-se disso na hora de fazer a "registration" (matrícula) na escola estrangeira, porque lá os alunos podem escolher as matérias que querem. Monte um horário prático e conveniente. "O meu conselho é misturar as matérias obrigatórias no país de origem com outras que ajudem na integração local, como as relacionadas a esportes, teatro e música", diz Jean Wetton, 51, orientadora do Center Grove High School (Greenwood, Indiana). "Eu acho que os alunos não devem escolher matérias muito difíceis, a não ser que sejam obrigatórias", recomenda Kevin DiSano.

Antes de retornar, será preciso levar o histórico escolar ao consulado ou embaixada brasileira da região, para validar o curso e não ter problemas futuros.

O sotaque
Anote: quanto mais difícil a relação com o inglês, mais difícil será a adaptação. Afinal, o "high school" é aprender e tirar boas notas em matemática, história e geografia numa sala de aula onde todos falam a língua desde que nasceram.

O ideal é ter nível avançado (difícil na faixa média dos alunos de "high school", de 16 a 17 anos) ou intermediário alto, mas a maioria das organizações aceita o intermediário. Só alguns colégios possuem o chamado ESA ("English as a Second Language"), aulas de reforço em inglês.

Na prática, o sotaque é fator importante. "Muitos americanos simplesmente se recusam a conversar com alguém que tem um 'accent' diferente do deles", explica Jean Wetton. Uma boa dica é assistir aos seriados adolescentes americanos, como "Dawson's Creek", prestando menos atenção no sorriso do Pacey ou nas curvas da Joey e mais na maneira como eles falam.

A adaptação
Começa muito antes da viagem, ainda no Brasil: a agência escolhida deve promover uma série de orientações para preparar o intercambista (certifique-se sobre elas antes de fechar o negócio).

Uma boa orientação, conversas longas com quem já passou pela experiência e evitar contato excessivo com pais e amigos brasileiros facilitam a adaptação.

O ideal é ligar só duas vezes por mês para os pais, principalmente nos dois primeiros meses. Por mais dolorosa que seja a separação no início, é ela que vai abrir caminhos para uma boa experiência longe de casa. Nancy Allen, 40, coordenadora local da ARC para a região de Indiana, observa que, às vezes, é mais difícil para os pais do que para o estudante. "Mas a família precisa se conter. Não pode ficar ligando toda hora, mandando e-mail todo dia", diz. Nancy afirma também que certas características do brasileiro, como ser caloroso, sentimental e expansivo, ajudam a amenizar as dificuldades do processo.

Há dois momentos especialmente temidos pelos alunos: o primeiro encontro com a nova família e o primeiro dia de aula. Para o primeiro, não espere mágica especial, e lembre-se de que eles podem estar muito nervosos também. Para o segundo, respire fundo e pense que já passou por outros "primeiros dias de aula". Converse com os professores mais abertos; puxe papo com os colegas mais atenciosos. Salvo raras exceções, o primeiro passo terá de ser dado pelo intercambista.

"Além da adaptação a uma rotina diferente, que às vezes é só casa, escola e igreja, a maior dificuldade costuma ser fazer amigos e tirar notas boas em determinadas matérias", diz Bernadette Blanco.

Os esportes são a maneira mais fácil de conhecer gente e estreitar relações, sobretudo num país como os EUA, onde a crença é que "os esportes fazem alunos melhores", como diz Robert Wickert, 66, um dos diretores da Madison High School. Praticá-los é mais do que recomendável. Tocar na banda da escola ou integrar o grupo de teatro são outras formas de se integrar.

Pode ser difícil entrar para o time de vôlei ou de basquete do colégio. "Mas mesmo que não consiga jogar, o aluno deve torcer pelo time, comparecer aos jogos. As partidas dos times de futebol americano e de basquete, os mais populares, contra outras escolas são o lugar ideal para conhecer os alunos", recomenda Jean Wetton, do Center Grove High School.

Brasileiros podem achar mais fácil destacar-se calçando a velha chuteira e jogando futebol. Mesmo assim, seja um torcedor de equipes dos demais esportes. Os colegas vão apreciar o gesto.

As crises
"40% dos intercambistas terão crises nos primeiros 15 dias", diz Bernadette. "Os outros terão mais para frente, mas uma hora ou outra ela chega."

A crise pode ser mais ou menos grave, mas é normal. Muitas vêm da dificuldade de fazer amigos e de entender a língua. "É a mistura da adaptação difícil com a saudade, e em alguns casos a falta de amigos, a frustração e o inglês ruim. Uma hora, alguns desabam", explica ela.

Nessas horas, recomenda-se evitar ficar sozinho, trancado no quarto. O melhor é sair de casa, dar uma volta, ou conversar com os irmãos e os pais. Nunca, de maneira alguma, ligar para o Brasil. A idéia do intercâmbio é amadurecer longe dele.

Para esses momentos de desespero, a agência brasileira que organizou a viagem deve oferecer uma pessoa experiente que sirva de apoio. "Pronto-socorro" de intercambistas há seis anos, Bernadette lembra que a equação do intercâmbio é razoavelmente simples: "Esqueça a empresa, a família, a escola. 90% do sucesso depende apenas do aluno".

Para alguns, a saudade de casa não dá trégua nem no começo. Na última noite da orientação no campus de Austinburg, Alessandra Levy, 17, já estava chorosa. "O famoso 'homesick' é muito difícil mesmo", ela diz. "Você está fazendo alguma coisa e o pensamento vem. A gente luta, mas não dá para ser forte sempre." Mas a adaptação certamente não será problema. Sua "mãe" será Barbara Salsgiver, 41, professora de línguas -a mesma que, aos 13, teve uma "irmã" brasileira, Regina. "Aquilo mudou minha vida", ela diz. "Ouvíamos cassetes com música brasileira, falávamos sobre o Brasil. Comecei a me interessar por outras línguas, estudei francês e espanhol no colégio e hoje dou aulas."

Regina é mãe de Alessandra. "Eu me sinto mãe dos filhos dela há muito tempo, e ela se sente mãe dos meus", diz Barbara. "Quando fui ao Brasil para ver Regina, a Alessandra tinha quatro anos. O reencontro foi o momento mais emocionante da minha vida, eu me sentia dentro de um filme. É ou não é coisa de irmã?"

A jornalista Débora Yuri viajou aos EUA a convite da CI (Central de Intercâmbio) e da ARC (Adventures in Real Communication).

Serviço
Agências que fazem programas de intercâmbio para "high school":
CI (Central de Intercâmbio): tel. 3677-3600.
Experimento: tel. 3168-7122.
IES (International Exchange Services): tel. 3816-0442.
STB (Student Travel Bureau): tel. 3038-1555.
 

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