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08/04/2002 - 10h51

Escola de SP seleciona alunos pela Loteria Federal

por Débora Yuri
Revista da Folha

É só um colégio, mas mais concorrido do que a medicina da Fuvest: são 50 candidatos por vaga contra 33,95, número registrado no vestibular 2002. Surpreendentemente, não tem vestibulinho -seus alunos são sorteados pela Loteria Federal. E é de graça.

Espécie de oásis no deserto que é a educação gratuita brasileira, um dos mais conceituados colégios do Estado nada cobra de seus 1.400 alunos. Pelo contrário, ainda fornece uniforme escolar, almoço, material didático e eventuais cuidados médicos.

Fundado em 1988 por Salvador Arena, engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP e dono de metalúrgica, o Colégio Termomecânica ocupa 13 mil metros de área construída em São Bernardo e oferece educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e dois cursos técnicos, de mecatrônica e de alimentos.

A idéia era que o aluno iniciasse sua formação na idade pré-escolar e a concluísse sem precisar mudar de escola. Durante os 14 anos do colégio, apenas 1% dos estudantes largaram o Termomecânica sem concluir o terceiro ano do ensino médio. O aluno só perde sua vaga se for reprovado.

Apesar da pouca idade, a escola coleciona alguns resultados invejáveis. Em 2000, o colégio entrou no ranking das 31 melhores escolas de São Paulo, elaborado pela Folha a partir de enquete com educadores como Fredric Michael Litto (diretor da Escola do Futuro da USP), Içami Tiba (psiquiatra de adolescentes) e Maria Malta Campos (da Faculdade de Educação da PUC-SP). Foi o único estabelecimento gratuito a entrar na lista.

Os alunos também são avaliados -e se dão bem, conforme o Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de SP) de 1997. A oitava série, por exemplo, teve média de acertos de 76,3% em língua portuguesa contra 56% de todas as escolas estaduais avaliadas. Em matemática, a goleada foi ainda maior: 75,8% contra 35,4%.

"O Salvador queria demonstrar a viabilidade de uma escola de excelência a um custo baixo, para estudantes de qualquer extrato social", conta o atual diretor pedagógico, Péricles Brasiliense Fusco, 72, professor-titular aposentado de estruturas de concreto da Poli-USP.

Segundo Fusco, cada aluno custa à empresa cerca de R$ 672 por mês, para um quadro de professores com mais de 80 profissionais. "O Salvador criou tudo do nada, por ideologia. Nós tocamos o barco em frente", completa.

Os dois se conheceram em 1980. Na época, Fusco buscava recursos para montar um laboratório de estruturas de concreto na Poli e pediu ajuda financeira a Arena, conhecido no meio educacional por "fazer grandes doações". "Ele doou uma quantia impressionante. A construção do laboratório deve ser creditada em boa parte a ele", lembra. O engenheiro morreu em 1998, aos 83 anos. Desde então, a escola é tocada pela Fundação Salvador Arena.

Com causa Os críticos desse modelo "alternativo" de colégio, em que a iniciativa privada serve a um interesse público, afirmam que o Estado deve ser o único responsável pelas escolas públicas, já que cobra impostos para isso. Mas os entusiastas defendem o modelo com o velho e bom discurso do "quanto mais escolas de qualidade, melhor".

"É uma forma de pressionar o governo a melhorar sua atuação, além de abrir oportunidades e novas perspectivas de vida para jovens acostumados a aceitar que não têm nenhuma chance", observa José Ernesto Bologna, 54, psicólogo e consultor na área de educação.

Mas isso só é possível se existir alguém com poder econômico que seja também apaixonado pela causa. Bologna compara: "É mais fácil um empresário investir em patologias, como câncer infantil e Aids, do que em educação. Ele consegue enxergar que é preciso ajudar os carentes na enfermidade, mas não vê que só a educação pode libertar a população".

O discurso de Bologna é indiretamente confirmado por Ibraim Pereira Khalil Orra, 10. Morador de uma região carente de São Bernardo, filho de pais sem dinheiro para pagar uma boa escola particular, Ibraim acha que a universidade está mais perto e faz planos de ser engenheiro. "Sei que é difícil chegar lá, mas acho que estudando aqui fica um pouco mais fácil", diz.

A procura, por outro lado, aumenta a cada ano. No início, eram pouco mais que 100 estudantes. No último, 3.000 candidatos disputaram as 60 vagas abertas anualmente para educação infantil. Para os cursos técnicos, surgidos em 98, são abertas 32 vagas por ano.

O Termomecânica funciona em período integral, com aulas das 7h45 às 15h30 (há intervalo para o almoço gratuito). Os alunos têm 1,6 mil horas de aula por ano -o dobro do estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Além da grade tradicional, são oferecidas atividades de cerâmica, agricultura, pintura, oficina mecânica e aeromodelismo.

Antiga sede de um clube, o colégio tem duas piscinas, três quadras, refeitório e mais de 4.000 metros quadrados de laboratórios, que são a estrela da companhia. Um dos mais bem equipados, destinado aos alunos do curso técnico de alimentos, custou US$ 600 mil. "Não esperava encontrar esse padrão de qualidade aqui. Estudei minha vida inteira em escolas públicas e imaginei que seria parecido", diz Mônica Xavier da Cruz, 17.

Mistura de classes Na escola idealizada por Salvador Arena, que queria criar uma instituição gratuita do mesmo nível das elitizadas Dante Alighieri, Bandeirantes e Rio Branco, só é possível ingressar no início do processo de alfabetização. Devido à demanda, a direção estuda uma alteração que abriria a chance de prestar concurso também para o ingresso no ensino médio.

Das 60 vagas anuais, 15 são destinadas a filhos dos funcionários da indústria. Para contemplar os próprios operários, foi criado um curso de supletivo noturno.

Hoje, Fusco calcula que 12% dos 1.400 alunos são realmente carentes, incluindo moradores de favela.

Devido à seleção por sorteio, vê-se uma mistura de classes D, C e a média-alta, atraída pela boa reputação da escola. "Essa convivência entre crianças diferentes é positiva. O comportamento dos mais abonados costuma ter um efeito educativo nos demais. Levanta o padrão cultural deles e mostra que as chances podem ser iguais para todos", avalia.

Colégio Termomecânica. Estrada dos Alvarengas, 4.001, São Bernardo, tels. 4358-2847 e 4336-4000.


 

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