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10/07/2002 - 16h27

Venda de revista tenta reintegrar morador de rua com renda de R$ 300

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JANAINA FIDALGO
da Folha Online

Da próxima vez que você for abordado na rua por alguém querendo lhe oferecer um produto, pare, ouça e preste atenção. Em vez de chicletes, botões de rosa ou canetas, pode ser que esse vendedor ambulante seja um dos 8.709 moradores de rua de São Paulo e queira lhe integrar a um "sonho" em forma de revista.

Desde sábado, dia 6, em São Paulo, 44 moradores de rua estão vendendo a "Ocas", publicação da Organização Civil de Ação Social, uma entidade sem fins lucrativos. Na segunda (8), a revista também começou a ser vendida no Rio de Janeiro por 31 sem-teto.

Inspirada na "The Big Issue", revista de sucesso vendida por sem-teto nas ruas de Londres há 11 anos, "Ocas" é comprada pelos vendedores a R$ 0,50 e comercializada nas ruas a R$ 2. A diferença de R$ 1,50 corresponde ao lucro dos moradores de rua.

A expectativa dos membros da ONG é que os vendedores consigam vender 200 exemplares de "Ocas" por mês, o que representa uma renda de R$ 300, já descontando o valor pago pelas revistas.

"A revista não é o projeto [da ONG]. É um instrumento para movimentar este trabalho de reinserção dos sem-teto. É o que faz tudo funcionar, é a grande engrenagem", diz Luciano Rocco, presidente da organização não-governamental.

Resgatar a auto-estima dos moradores de rua e reintegrá-los à sociedade está entre as intenções da entidade, que pretende fazer da "Ocas" um meio de os vendedores buscarem suas próprias soluções e caminhos. "É gratificante o brilho que a gente vê nos olhos deles. É uma população muito descrente, mas a expectativa é grande", afirma Rocco.

Desempregado há dois anos, o mecânico industrial José Augusto Corrêa Rangel, 52, recebeu gratuitamente, assim como os outros vendedores inscritos no projeto, cinco exemplares da revista para começar a vender e conseguir capital de giro para custear as futuras compras.

"Acho bacana só de estar fazendo alguma coisa. Ter um projeto é importante. Quero expandir e vender bastante. Pretendo criar um centro de operações, apesar de nunca ter sido vendedor", disse Rangel, que mora num cortiço com mais dois amigos e tem renda mensal que varia de R$ 100 a R$ 150.

Cada vendedor terá um ponto de atuação na cidade. Em São Paulo, por exemplo, Luz, Jabaquara, Bela Vista, Canindé, Pinheiros, Ermelindo Matarazzo, Penha, Bela Vista, Glicério e Santo Amaro são os locais onde eles começarão a trabalhar.

Número 1

Com periodicidade mensal, impressa em papel jornal e em duas cores, "Ocas" tem 30 páginas e tiragem de 15 mil exemplares (10 mil em São Paulo e 5.000 no Rio). A primeira edição traz na capa o cineasta brasileiro Walter Salles, diretor dos filmes "Central do Brasil" (1997) e "Abril Despedaçado" (2001), uma reportagem sobre um ex-vereador que vende leis pela internet e uma reportagem com um morador de rua que atende pelo nome de "Benedito Sai do Lixo".

Com assuntos variados -de cultura a política-, "Ocas" trará sempre o código de conduta dos vendedores, o conceito e funcionamento do projeto e um espaço para que os moradores de rua se expressem. A proposta é que, com o tempo, a seção "Cabeça Sem Teto" seja alimentada com material produzido pelos próprios vendedores.

Os recursos para tornar essa página um verdadeiro veículo de expressão serão passados em encontros semanais, sempre às sextas, com a presença de educadores, comunicadores e moradores de rua. Funcionando como um adendo educacional do projeto, as reuniões vão acompanhar também o desempenho dos vendedores, além de ajudá-los no processo de reinserção. Teatro e fotografia serão algumas das artes empregadas.

A Organização Civil de Ação Social, que edita a revista, conta com o apoio da M.Officer, Rede Rua, British Council, Hecho en Buenos Aires e Médicos Sem Fronteiras para custear as despesas de produção dos dois primeiros números. Os profissionais envolvidos na criação de "Ocas" -jornalistas, fotógrafos e designers, além dos educadores- são voluntários.

Perfil

"Estou aqui para subir na vida", disse um sem-teto durante o treinamento para os vendedores de "Ocas", na sexta-feira passada, que revela qual é o sonho de quem vive na rua.

Subir na vida, neste caso, quer dizer ter trabalho remunerado e moradia, expectativa de quem a única certeza é a situação de exclusão na qual vive.

De acordo com um levantamento, a maioria dos vendedores inscritos são homens, solteiros, na faixa dos 30 anos, baixa formação escolar e desabrigados.

No Rio, 54,8% estão desabrigados e 38,75% moram em albergues ou abrigos. Para 48,1%, ter um trabalho remunerado é a necessidade mais imediata, enquanto para 38,7%, moradia é o maior desejo.

Em São Paulo, inscreveram-se 37 homens e sete mulheres. Solteiros, na maioria dos casos, apenas cinco têm 2º grau completo e um começou a cursar a faculdade. Dos cadastrados, três semanas é o menor período de vida na rua citado e cinco anos, o maior.

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