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28/07/2002 - 10h24

Para a maioria dos homens, namoradas com filho são situação difícil

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ROBERTO DE OLIVEIRA
da Revista da Folha

É a vida que imita a arte, e não o oposto. A artista plástica Camila Di Giacomo, 27, viveu há poucos meses a mesma situação inusitada do filme "Um Grande Garoto", atualmente em cartaz. Separada e mãe de Ian, um garoto de seis anos, Camila acreditou ter conhecido "alguém" que valia a pena: bonitão, 26 anos e, o melhor de tudo, pai de um menino, Alex, de cinco anos.

"Fiquei fascinada em encontrar uma pessoa daquela idade que cuidava de uma criança. Parecia tão promissor, pensei que podíamos trocar figurinhas", lembra. Era bom demais para ser verdade. No terceiro encontro, percebeu que ele fugia do assunto quando ela falava do menino. "Comecei a fazer perguntas normais para qualquer pai, mas ele foi ficando sem respostas e finalmente confessou que o filho era papo furado para me impressionar", lembra. O romance morreu ali.

No filme "Um Grande Garoto", adaptação do livro homônimo do inglês Nick Hornby, o falso pai é encarnado por Hugh Grant, um solteirão convicto de 36 anos que tem horror a crianças, mas finge que tem filho para se aproximar de mães descasadas. Em sua ótica de conquistador, elas teriam uma vantagem em relação às solteiras: são mais carentes e, por causa das obrigações maternas, mais agradecidas quando encontram um homem que se interesse por elas "com filho e tudo".

Cafajestices à parte, a realidade da vida sentimental de uma mãe jovem e descasada não é fácil: para a maior parte dos homens, é no mínimo complicada a idéia de assumir uma família semipronta, do tipo em que basta adicionar só mais um ingrediente -ele mesmo- para a receita ficar completa.

"Os caras não entendem que eu não preciso de um pai para o Ian, isso ele já tem. O que eu quero é um companheiro", desabafa Camila. "Quando falo que sou separada, ok, eles abrem um sorriso. Mas quando completo que tenho um filho, alguns mudam completamente, me olham com pena, como se eu fosse uma coitada", descreve.

Esse é um problema que não atinge apenas um pequeno grupo. Segundo a pesquisa "Família Brasileira", realizada pelo Datafolha em 1998, 91% das mulheres divorciadas/separadas têm filhos, o que significaria, projetando para 2002, um universo de 5,4 milhões de mulheres nessa situação.

"É por isso que o Brasil vive uma expansão de domicílios chefiados por mulheres. Quando um casal se separa, na maioria das vezes, a mulher vira chefe de família. Muitos homens temem assumi-las com filhos por uma questão econômica e em alguns casos por machismo", diz a socióloga da Unicamp Elisabete Dória Bilac, 57.

Sem falar nas dificuldades emocionais, como lembra o produtor de eventos Arnaldo Tirelli de Macedo, 24. "É difícil aceitar a mulher com filho, ainda mais quando a gente pensa em casar", diz Arnaldo, que terminou no mês passado um namoro de quatro anos com uma mãe separada. "Normalmente, são mulheres mais maduras na relação, com experiências fantásticas, mas, para mim, o fato de ela ter um filho de sete anos de outro homem incomodava muito", confessa.

A questão básica parece ser ciúme. Para Arnaldo, conviver com a criança seria como enfrentar diariamente o fato de sua mulher ter tido um grande amor no passado. "Isso talvez seja por causa da minha formação cristã", diz.

Últimas da fila

A consultora de moda Flávia Macchiaroli, 30, mãe de André, 6, criou até uma escala hierárquica para situar as mulheres descasadas. "Estamos em terceiro lugar na fila. Para os homens, primeiro vêm as solteiras, depois as separadas sem filho e, por último, as descasadas com filho. A nossa situação é a mais crítica."

Desde que se separou, há cinco anos, Flávia nunca ficou com alguém por mais de seis meses. Seu ex-marido, que mora sozinho, está namorando há quatro anos. "Geralmente, os ex estão livres dos compromissos que as mulheres assumem e podem arrumar alguém com mais facilidade", acredita.

Além disso, homens, com ou sem filhos, tendem a buscar novos relacionamentos mais rapidamente, afirma a psicóloga Marisa Micheloti, 41, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. "Eles sentem uma necessidade maior de companhia. Já as mulheres têm menos problemas em ficar sozinhas, partilham assuntos íntimos com as amigas. A solidão bate forte na 'síndrome do ninho vazio', quando os filhos crescem e deslancham", explica Marisa.

Até por essa diferença, diz, elas têm menos coragem para assumir novas relações. "As mães se perguntam como serão vistas pelos filhos e têm medo de que o novo homem possa piorar a harmonia do lar", diz.

Flávia, a consultora de moda, não tem dúvida de que as obrigações maternas assustam os pretendentes. "Um dia, no meio da sessão de cinema, a babá me ligou dizendo que o André estava com febre. Abandonei o filme, o namorado e fui cuidar dele. O rapaz não gostou e só queria sair comigo quando o André estivesse na casa do pai", lembra.

Homens, ela acredita, se ressentem quando acham que a mulher está dividida. "Meu primeiro namorado pós-separação chegou a me perguntar se eu gostava mais dele do que do meu filho. São amores distintos", declara a consultora de moda.

Que são distintos, não há dúvida -o problema é o peso de cada um. Três meses atrás, a modelo Patrícia Regina Canola, 25, comprou roupa e sapatos especialmente para ir a uma festa com um pretendente. Estava pronta e maquiada quando o filho Kauan, 4, cismou que queria assistir a um DVD.

De vestido habillé e saltos altos, a mãe percorreu as locadoras da vizinhança atrás da encomenda. Finalmente encontrou, mas aí o filme só não bastava: Kauan queria que a mãe visse o desenho animado com ele. Resumo da ópera infantil: o ex-futuro namorado levou um bolo, o modelão de festa nunca mais foi usado. "Acho que só depois que ele fizer cinco anos poderei pensar um pouco mais em mim", acredita.

Os anos passam, a crença permanece. "Agora que o Gustavo fez 15 anos, acho que pode ficar mais fácil investir em um relacionamento", diz a personal trainer Cláudia Regina Hespanhol, 36, separada há 14 anos. "Ele está mais maduro, se desgarrando, querendo ficar com os amigos", conta. Mas... "Por outro lado, deu de implicar com algumas roupas que uso. Critica decotes, reclama do comprimento das saias, dá para acreditar?"

Cláudia diz que, após a separação, ficou seis anos sem namorar. "É mais complicado para o cara, a mulher não pode se render ao tesão a qualquer hora, transar na cozinha, por exemplo. O 'timing' é outro, tem que esperar a hora da criança ir para cama", diz.

Essas dificuldades, segundo Elisabete Bilac, da Unicamp, não passam com o tempo. "Em cada faixa etária, haverá problemas e perigos específicos. Além disso, as separações e os novos casamentos estão produzindo um outro tipo de família, mais rica e mais complexa, cheia de personagens com diferentes papéis", afirma. Nos namoros com descasadas-mães, o problema é justamente definir o lugar do "novo homem". "Ele ainda está indefinido na sociedade. Não existe um modelo cultural que o encaixe", diz Elisabete.

"Ser ou não ser" foi a gota d'água num relacionamento de três anos e meio que o publicitário Sérgio Driuzzo, 49, mantinha com uma mãe separada. A filha dela, de cinco anos, insistia em chamá-lo de pai. "Nunca tive filhos, adoro crianças, tratava a menina como se fosse minha, mas não me sentia confortável em ser chamado de pai", lembra o publicitário. "Tudo bem você dar comida, levar a criança ao parque, viajar, mas preferiria ser chamado de tio ou simplesmente de Sérgio, afinal não sou pai dela. Acho que isso acabou magoando a mãe."

Multifamílias

Encarar uma relação assim, de "pacote completo", como brinca Sérgio, exige do homem uma dose extra de paciência. "A relação envolve duas famílias, a que você está sendo incorporado e a do ex-marido. Se você der razão a ele alguma vez, a mulher briga com você. Não dá para se intrometer muito na educação da menina porque, apesar de ela querer te chamar de pai, você não é. Tudo é muito complicado", diz.

"Complicação" semelhante experimentou o designer Marcelo Musarra, 39, pai por contingência dos três filhos da namorada que teve durante um ano e meio. "Para as crianças, é muito fácil misturar a figura do namorado da mamãe com a do papai. Muitas vezes, ele está mais presente que o próprio pai, leva à escola, ao McDonald's, para viajar. É o referencial masculino. Na cabecinha delas, emocionalmente, acaba se confundindo com a figura paterna", analisa o designer. Outro fator desfavorável, segundo Marcelo, é a agenda dividida da mãe/namorada. "Virei coadjuvante. Quando ela estava com os filhos, eles eram a prioridade", diz. Mas há vantagens. "O lado bom é que não rola aquela ansiedade típica das mulheres na faixa dos 30 anos em relação a ter filhos", afirma.

Se isso é vantagem, a arquiteta Natália Celedon, 34, tem até slogan para colocar sua campanha em campo: "Já tenho filhos, fui casada e só quero namorar", diz a mãe de Tomás, 5, e Sofia, 3, separada há dois anos. "Mas tenho minhas imposições. Quer me ver? Só a partir das 22h30, quando os meus filhos estão dormindo. É o que posso oferecer."

Depois de muita pressão dos amigos, Natália resolveu fazer um teste: protelar a tão temida informação de que era mãe de dois filhos para ver se o romance engrenava. Há um mês, foi passar o final de semana no litoral norte, onde conheceu um homem que se mostrou interessado em "algo mais profundo". "Falei logo de cara que era separada. Passamos sexta, sábado e domingo juntos, uma maravilha. Quando disse que tinha dois filhos, acabou a festa. Os homens mudam na hora, olham como se dissessem, 'é, com essa não dá para brincar'", conta.

Até o filho Tomás assumiu a empreitada de ajudar Natália a arrumar namorado. "Outro dia, estávamos juntos em um café e ele se levantou e disse: 'Mãe, vou lá fora ver se acho um marido para você'. Fiquei passada", recorda. A arquiteta diz que tentou explicar que não queria mais casar nem ter filhos ("já tenho vocês"), só alguém para namorar. Tomás não falou mais do assunto. Parece que pelo menos o filho entendeu.

Em "Um Grande Garoto", o bonitão Will deixa o ceticismo de lado e termina o Natal com a sua namorada, o filho dela, alguns amigos e seus respectivos rebentos -gente à beça para quem, como ele, acreditava que "todo homem é uma ilha". Cruzem os dedos, meninas: quem sabe a vida não lhes reserva um happy end à la Hollywood?
 

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