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10/10/2002 - 08h32

Médico questiona diagnóstico de depressão

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CIÇA GUEDES
free-lance para a Folha

"Nossos estudos mostram que muitos tipos de depressão são transtornos bipolares que acometem de 6% a 8% da população. Com essa constatação, podemos salvar pessoas dos tratamentos com antidepressivos, que podem fazê-las piorar"

Os franceses disputam seu autógrafo em congressos, jovens médicos buscam uma vaga no departamento que ele dirige na Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA), pacientes ao redor do mundo são gratos a ele por terem conseguido superar os estigmas e os sofrimentos provocados por doenças mentais.

O psiquiatra americano Hagop Akiskal, 58, diretor do International Mood Center, é o responsável pela descoberta de que os transtornos de humor -que a medicina chama de transtornos bipolares- estão na raiz de muitos casos tidos como de depressão clássica.

"Ele mostrou ao mundo que o transtorno bipolar não é raro como se imaginava e que possui formas brandas. A psiquiatria, como qualquer especialidade médica, deve partir de um diagnóstico correto para ter sucesso no tratamento.

Há casos em que os antidepressivos são um veneno, fazem o paciente acelerar o ciclo da depressão", diz o psiquiatra brasileiro Olavo Pinto, que, com Akiskal, escreveu o estudo "Espectro Bipolar" em 1999.

Nesta entrevista exclusiva, Akiskal -que tem mais de 500 trabalhos publicados (entre eles 16 livros) e recebeu, neste ano, o prêmio máximo da World Psychiatric Association- conta como desenvolveu seu trabalho.


Folha - Como chegou à conclusão de que há mais doenças que devem ser tratadas como transtorno de humor?

Hagop Akiskal -
Foi uma necessidade baseada na observação clínica. Foi uma longa batalha contra o estigma da doença mental, que começou a cair nos anos 70. O tratamento psicoterápico demanda tempo, e, quando comecei na psiquiatria, em 1969, tínhamos muitos pacientes, mais de 500 num único ambulatório. Muitos pacientes eram considerados ansiosos, neuróticos, neurastênicos, limítrofes. Esses estados eram, em geral, considerados como problemas de comportamento e até mesmo decorrentes de problemas cardíacos. Nesses casos, a pessoa apresenta tendência ao pessimismo, tem um ritmo mais lento, está sempre meio caída. Está apta para o trabalho, mas não sente prazer no que faz, por exemplo. Não é uma doença grave, é um temperamento melancólico. Usamos pequenas doses de antidepressivos, e, em geral, a doença se agravou.


Folha - Como saber se a doença que atormenta o paciente é um transtorno de humor?
Akiskal -
Tratei um paciente que é um bom exemplo. Era um jovem, obeso, pessimista e entediado. Dei antidepressivo porque era preciso combater a insônia. Três semanas depois, ele estava num estado de excitação que o fazia acordar cheio de energia. Mas ele não gostava, não sabia o que fazer com essa energia. Quando ele me contou que o irmão havia se tornado maníaco, que tomava lítio, ficou claro que era a mesma doença. O diagnóstico mudou de depressão unipolar, depressão neurótica, para transtorno bipolar, com todas as implicações que isso tem no tratamento. Para tornar a situação ainda mais interessante, seu pai apresentava o tipo de personalidade que os psicanalistas chamam de narcisista e nós, psiquiatras, chamamos de hipertímica. São pessoas muito autoconfiantes, cheias de energia, generosas e hipersexualizadas, em geral bem-sucedidas.


Folha - Esse comportamento também é um transtorno de humor?
Akiskal -
Existem diferentes condições. Há os maníacos-depressivos, a condição mais grave, em que ocorrem os episódios de euforia e depressão e que atinge cerca de 1% da população. Os bipolares, que apresentam episódios curtos de melancolia durante um ou dois dias. Os ciclotímicos têm como principal característica a instabilidade do humor. Há os deprimidos que buscam excitação nas drogas, como cocaína, anfetaminas, cafeína, álcool. E há os hipertímicos, pessoas muito bem-sucedidas, cheias de energia, que podem ficar deprimidas porque é muito difícil se manter o tempo todo nesse estado de forte excitação, de excessiva autoconfiança.


Folha - Por que as pessoas com pique são bem-vistas?
Akiskal -
As pessoas com temperamento bipolar encantam, comunicam-se bem, são mais emocionais. Certamente há muitos genes envolvidos nesse temperamento que foram importantes para a evolução da humanidade, estavam presentes nos exploradores, nos homens que gostam de correr riscos, de desafios. A bipolaridade refere-se exatamente a isso, aos estados de muita energia, de muita excitação. A doença acontece quando há desequilíbrio. Quando doente, na chamada fase maníaca, a pessoa se expõe a riscos e situações embaraçosas. O paciente precisa entender que terá de ceder um pouco de energia para atingir o equilíbrio, mas a idéia não é alterar seu temperamento. Há novas drogas, como os estabilizadores de humor.


Folha - Qual é a incidência dos transtornos do humor?
Akiskal -
Nossos estudos estão mostrando que muitos tipos de depressão são, na verdade, transtornos bipolares. Pode-se dizer que acometem de 6% a 8% da população. Essas pessoas não devem ser tratadas com antidepressivos, esses medicamentos podem fazê-las piorar. Também é importante destacar que, em nossos estudos, verificamos que o perigo do suicídio é realmente alto entre as pessoas deprimidas por transtornos bipolares. Para consumar esse ato, é preciso uma energia que o deprimido clássico não apresenta. Essa é mais uma razão para buscar um diagnóstico preciso.

Nome: Hagop Akiskal
Idade: 58 anos
Profissão: psiquiatra
O que faz: é diretor do International Mood Center, do departamento de psiquiatria da Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA)
Filosofia de vida: auxiliar as pessoas a superar os estigmas e os sofrimentos provocados por alguns tipos de doença mental
 

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