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06/02/2003 - 07h23

Impacto do fim das férias interfere no organismo

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ANTONIO ARRUDA
da Folha de S.Paulo

"Ah, agora não posso falar, não, o vôo atrasou, e há uma pessoa me esperando." "Desculpe, mas eu tô correndo um pouquinho." "Olha, agora é impossível, tenho de pegar o táxi logo." Essas pessoas, aparentemente estressadas, desembarcavam no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, na última semana, vindas das férias.

A ciência -especialmente a cronobiologia e a psicologia- explica esse estado de "correr atrás do tempo" que acomete as pessoas depois de um período de férias, sem a rigidez dos compromissos estabelecidos ou regidos sob a pressão cotidiana, comum nas grandes cidades.

Segundo a cronobiologia, que estuda os ritmos biológicos dos seres vivos, qualquer mudança no ritmo de vida representa um custo à pessoa quando ela tem de retornar ao ritmo anterior.

"Quando as pessoas saem de férias, o organismo tende a obedecer ao máximo seu ritmo endógeno; o relógio biológico reorganiza suas funções de sono, de secreção de hormônios, entre outras, daí a melhora no bem-estar. O retorno, por sua vez, exige um ajuste no relógio, e o corpo vai sentir a mudança", diz o cronobiologista Luiz Menna-Barreto, do Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos da USP.

Já a psicologia tende a considerar o período de férias uma fase propícia para a reflexão pessoal, para o indivíduo pesar os prós e os contras da sua rotina e, quem sabe, promover mudanças.

"Em tese, as pessoas podem aproveitar o período para voltar melhor equipadas psiquicamente para lidar com a realidade. Mas nem todas conseguem isso", diz o psicanalista Armando Colognese Junior, do Instituto Sedes Sapientiae.

Seja como for, o período de férias não passa despercebido por ninguém, diz Mariângela Gentil Savóia, psicóloga do Instituto de Psiquiatria do HC (SP). "E o retorno pode ser bem impactante, tanto positiva, quanto negativamente. Distanciar-se da rotina, vê-la de fora e depois retornar para ela pode fazer muito bem às pessoas, ou não", diz. Tanto a cronobiologia quanto a psicologia têm recomendações para que o retorno seja o menos impactante possível.

Nos primeiros dez dias pós-férias, podem surgir sonolência, fadiga, indisposição, problemas digestivos, falta de apetite, alterações de humor e tensão muscular. Quanto mais dias em férias, maior a dificuldade de "ressincronização". Cada pessoa responde de uma forma a essa readaptação, mas, em geral, todos sentem uma alteração no funcionamento do corpo, diz o fisiologista Alexandre Menezes, do Laboratório de Cronobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Cortisol "atrasado"

Adaptar-se aos horários de sono é uma das maiores dificuldades. Nas férias, a pessoa tende a dormir e a acordar quando sente vontade. Ao se submeter aos horários impostos, sente o baque no corpo. Isso ocorre, em parte, por uma questão hormonal. Uma hora antes de a pessoa acordar, o hormônio cortisol começa a ser liberado. Quando a produção atinge o seu pico, a pessoa acorda -e com energia para encarar as atividades, pois o cortisol promove a liberação de reservas de glicose.

Uma pessoa que, durante um mês, acordou às 10h e tem de se levantar às 7h vai sentir dificuldade porque o relógio biológico está acostumado a liberar cortisol no ritmo adotado nas férias, explica Menna-Barreto. Por causa desse ajuste, a pessoa tende a diminuir sua prontidão para executar tarefas. "Seu corpo não vai reagir na velocidade de sempre na primeira semana", diz Menezes.

Nas primeiras fases do sono, o corpo secreta o GH, hormônio do crescimento, tão necessário a crianças e adolescentes. Produzido em quantidades suficientes e regulares, também garante mais disposição e contribui para eliminar gordura e reduzir a flacidez e a fragilidade dos ossos.

"Durante um período com sono de melhor qualidade, o que pode ser obtido nas férias, a produção do GH tende a ser bem eficiente. Já nas grandes cidades, onde cerca de 90% das pessoas podem estar com sono insuficiente, a produção desse hormônio pode ser prejudicada", explica o neurologista Ademir Baptista da Silva, chefe do Setor de Distúrbios do Sono da Unifesp. E, nesse aspecto, quem mais sofre são os adolescentes.

"Faz parte da fisiologia do jovem de dez a 20 anos dormir dez horas por dia. O natural nessa fase é ter sono por volta das 3h e sentir vontade de acordar lá pelas 13h", diz o neurologista. As transformações hormonais, o crescimento rápido e a necessidade de acelerar os processo mentais de memória fazem com que esse público precise "dormir e sonhar muito". Isso explica a dificuldade de adaptação na primeira semana de aula, em que os professores poupam os alunos de novas lições. "Até porque o próprio docente costuma tirar férias nessa época e também está passando pelo processo de ressincronização", explica Menna-Barreto.

A literatura médica estipula um dia de adaptação para cada hora adiantada ou atrasada no relógio biológico durante as férias.

Por volta das 17h, a temperatura central do corpo humano atinge seu pico. Em tese, é a hora de maior disposição. A partir das 21h, a temperatura começa a baixar, e o corpo se prepara para dormir. Para quem trabalha o dia todo e estuda à noite, encarar essa rotina na volta das férias não é tarefa fácil.

Outro período de queda na temperatura do corpo acontece por volta das 14h. Como geralmente as pessoas almoçam nesse horário, ocorre o que os cronobiologistas chamam de "efeito feijoada": o processo digestivo derruba ainda mais a temperatura, e a sonolência é inevitável. Na volta das férias, essa situação é uma das piores.

Por falar em comida, nas férias, sem imposição de horários, come-se quando se tem fome, momento em que o organismo libera ácido clorídrico, necessário para a digestão. No dia-a-dia, se a pessoa não come quando bate a fome, o ácido vai agredir a parede do estômago.

O contrário também acontece: o horário de almoço é 12h30, mas a pessoa não está com fome. "Daí, tende a compensar comendo desregradamente ao longo do dia, o que dificulta a readaptação aos horários fixos", diz Menezes.

O nível de satisfação e prazer que a pessoa tem no trabalho, em casa ou na escola pesa bastante sobre o impacto da volta às atividades do dia-a-dia. Ser surpreendido com novidades também costuma influenciar, deixando a pessoa arredia nos primeiros dias, diz a psicóloga Mariângela Savóia. E isso vale para a mãe que começa o ano com os filhos na faculdade, para o profissional que estréia o ano estruturando um novo setor na empresa ou para o estudante que inicia uma nova fase escolar. "Esse impacto causado pelo novo é ainda mais forte depois das férias de janeiro, pois se soma a esse afastamento da rotina a expectativa criada pela virada de ano", diz Savóia.

Os adolescentes, em geral, sentem mais essa expectativa do retorno. "Pressionados pelos pais, eles tendem a querer melhorar o desempenho escolar e já começam o ano com uma ansiedade que pode ser prejudicial", diz Colognese.

Mas, por mais que o impacto da volta dê uma estremecida nas estruturas psicológicas, o auto-questionamento que as férias proporcionam pode servir para esclarecer problemas que antes pareciam sem solução, diz o psicanalista Fernando Falabella Tavares de Lima, do Netpsi (Núcleo de Estudos e Temas em Psicologia). E o melhor: pode-se efetivamente adotar novas posturas na vida. "Fazer um curso de artes, praticar esportes, melhorar sua relação com colegas de trabalho", diz Savóia. É uma ótima oportunidade para tentar trazer à rotina desgastante um pouco do prazer que as férias proporcionaram. "A pessoa pode perceber o quão distante estava das coisas que lhe dão prazer e, assim, dedicar-se mais ao seu bem-estar diariamente", diz Lima.

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