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10/04/2003 - 10h00

Quando a doença do corpo vem da mente

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ANTONIO ARRUDA
da Folha de S.Paulo

Hoje a empresária Acácia Lima, 35, coloca o bom humor para funcionar, brincando de engolir um sapo para o fotógrafo -veja a imagem abaixo. Mas, há um mês, por causa de um "sapo" ela passou duas semanas com uma inflamação violenta. "Surgiu uma bola na minha garganta. Quase não conseguia tomar água." O "sapo", no caso, foram os desaforos ouvidos de uma pessoa com quem trabalhava.

O que aconteceu com Lima é chamado pela medicina de somatização: transferência para o corpo do que deveria ser vivido e suportado no plano psíquico. Ou seja: o corpo manifesta-se, porque psiquicamente a pessoa não conseguiu dar conta do impacto que o acontecimento provocou.

E é consenso entre os médicos que seguem a medicina psicossomática: toda doença tem relação direta com manifestações psíquicas e emocionais. Assim, desconfortos e desajustes psíquicos vão produzir diretamente sintomas e doenças no corpo ou então irão agravar as doenças que a pessoa já possui.

Dificuldade para respirar e palpitação são alguns dos sintomas somáticos mais comuns. Quanto ao agravamento de doenças, ele pode ocorrer tanto no caso de uma simples gripe quanto em um quadro patológico mais sério, como câncer. A recuperação de uma cirurgia, por exemplo, pode ser prolongada se o estado psicológico do paciente estiver debilitado.

As manifestações somáticas, às vezes, tomam grandes proporções, perdurando anos e ganhando a forma de doença crônica -caso das pessoas hipocondríacas.

Mas essa ligação entre psiquismo e saúde do corpo costuma ser considerada apenas quando se fala em algumas determinadas doenças, na verdade, um grupo de sete patologias que foram bastante estudadas no anos 60. São elas: asma brônquica, úlcera, retocolite ulcerativa, hipertensão, eczema, hipertireoidismo e artrite reumatóide.

"Essa visão tornou-se reducionista, limitante, porque o ser humano é integral, mente e corpo são indissociáveis. Assim, todas as doenças são de algum modo psicossomáticas", afirma o psiquiatra José Atílio Bombana, coordenador do programa de estudos de somatização do Departamento de Psiquiatria da Unifesp.

Para o psiquiatra Carlos Briganti, diretor do Movimento Interdisciplinar de Psicossomática (MIP), "haverá um dia em que o homem vai olhar para trás e dar risada ao saber que existia uma faculdade para ensinar medicina e outra para ensinar psicologia".

Somatizadores em potencial

Segundo a psicodinâmica (que estuda os processos mentais e emocionais subjacentes ao comportamento humano), os somatizadores em potencial são pessoas pouca dadas a elaborações psíquicas, que têm uma excessiva ligação com a realidade e cuja vida é pouco recheada de fantasia e imaginação.

A falta de contato da pessoa com as suas questões de ordem psicológica tende a causar um estado de permanente angústia, diz o psiquiatra Rubens Hirsel Bergel.

"A pessoa tem esse sentimento e não sabe por quê. E a angústia é o fogo que alimenta a permanência dos sintomas de uma doença", afirma ele.
Nesse sentido, diz Paulo Henrique Bertolucci, do Setor de Neurologia do Comportamento da Unifesp, pessoas com doenças crônicas, por exemplo, que vivem deprimidas e angustiadas vão ser mais afetadas pela doença do que as que encaram a vida com mais otimismo e confiança.

Prender afeto dói

Até reprimir afeto causa males ao corpo. Para o presidente da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática, o psiquiatra José Roberto Siqueira Castro, as doenças surgem e se agravam por causa da dificuldade de as pessoas expressarem seus sentimentos no mundo. "As pessoas que represam os afetos são limitadas do ponto de vista humano. Daí, estão muito mais suscetíveis a manifestarem no corpo o que não estão conseguindo resolver no coração."

Defesa fraca

O primeiro fator que leva ao surgimento de sintomas somáticos ou ao agravamento de doenças é a queda na imunidade, diz o psicólogo José Roberto Leite, coordenador da unidade de medicina comportamental da Unifesp. "Se a pessoa está triste ou deprimida, é notável o prejuízo na resposta imunológica. O organismo sente na hora."

Outra resposta orgânica é a liberação dos hormônios corticóides, como a adrenalina, que ocorre em decorrência de um estímulo externo (um susto, por exemplo). Mas, quando essa liberação se repete com frequência, torna-se danosa, já que ela significa contração dos vasos sanguíneos e dos músculos e aumento da pressão arterial.

"Pessoas que vivem em situações de desamparo, que se sentem sem saída e sob ameaça e não procuram superar isso psiquicamente vão ter uma resposta orgânica inevitavelmente", alerta Leite.

Muitas vezes, o próprio paciente prefere um medicamento em substituição a uma terapia ou outro recurso que o ajude a trabalhar sua psique. "Ele quer um remedinho milagroso para resolver seus dramas", diz a psiquiatra Cecília Helena Piraíno Grandke, do comitê de psicossomática da Associação Paulista de Medicina e do Ambulatório de Psicossomática da Universidade Santo Amaro (Unisa).

Mas Grandke acredita -e nesse ponto, todos os médicos ouvidos concordam-que a maioria dos médicos têm grande parcela de responsabilidade. "Eles não abordam questões emocionais e psíquicas nem se interessam pela história de vida do paciente. É por essa falta de visão que muitas pessoas sofrem sem necessidade", critica.

Sendo assim, vale a dica: observar se, por trás do mal físico que o aflige, há questões psicológicas sobre as quais pode-se interferir.
 

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