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24/07/2003 - 09h01

Células da medula beneficiam o coração

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LILIANA FRAZÃO
da Folha de S.Paulo

Os brasileiros são maioria em uma pesquisa de ponta que pode revolucionar o tratamento da insuficiência cardíaca. Graças a esse trabalho, 14 cariocas portadores da doença estão vivendo melhor: seus corações receberam aplicações de células-tronco, que são capazes de se transformar em qualquer tecido e foram extraídas de suas medulas ósseas.

O tratamento, inédito em todo o mundo e ainda experimental, é resultado da parceria entre o hospital Pró-Cardíaco, do Rio de Janeiro, e o Texas Heart Institute (THI), de Houston (EUA). Mas até no Texas o Brasil marca presença: o coordenador da pesquisa é o cardiologista gaúcho Emerson Perin, 43, diretor de novas tecnologias intervencionistas do THI, onde trabalha desde 1989. Amanhã, Perin apresentará os resultados dessa pesquisa no 9º Congresso da Sociedade Latino-Americana de Cardiologia Intervencionista, que está sendo realizado em São Paulo. Leia abaixo.

Folha - Como surgiu a idéia de realizar a pesquisa com o hospital Pró-Cardíaco?
Emerson Perin -
Fazemos pesquisa básica na área de célula-tronco no Texas Heart há algum tempo e já mantínhamos uma associação com o Pró-Cardíaco, onde estamos trabalhando com um novo sistema de mapeamento que fornece imagens tridimensionais do coração. Com ele, conseguimos "navegar" dentro de um modelo tridimensional do coração, como se fosse um videogame. Como já estávamos fazendo essa pesquisa, nada mais natural do que dar o próximo passo -passar a pesquisa com células-tronco para a área clínica- com eles. E eu sou brasileiro, gosto de fazer as coisas no Brasil.

Folha - Os americanos não ficaram com "ciúmes"?
Perin -
Certamente! A cada entrevista que eu dou, os americanos perguntam: "Por que vocês não estão fazendo isso aqui?". E a minha resposta é: "Estaremos". Até o final do ano, pretendemos fazer isso também aqui, em Houston.

Folha - A técnica é voltada para que tipo de problema?
Perin -
Para insuficiência cardíaca. Essa é uma diferença do nosso trabalho. Existem outros trabalhos que foram publicados antes do nosso, mas com pacientes que haviam tido infarto agudo. Eles usaram outra técnica: injetar células-tronco dentro da coronária. Nosso foco é diferente. Não vamos tratar infarto agudo, porque, ao nosso ver, o problema da insuficiência cardíaca é muito maior, existem muito mais pessoas com insuficiência do que com infarto agudo. Além disso, existem tratamentos muito bons para infarto agudo. Já para a insuficiência cardíaca, não há muita saída: a pessoa vai piorando, piorando até precisar de coração artificial, de transplante. Não existe ainda um tratamento bom, fácil.

Folha - Quais são as causas de insuficiência cardíaca?
Perin -
A principal causa de insuficiência cardíaca no mundo ocidental, onde se come muita gordura, é a doença coronária. O entupimento das artérias causa infartos que danificam progressivamente o músculo do coração.

Folha - Como foi a seleção dos pacientes?
Perin -
Eles tinham de ter função cardíaca abaixo do normal por causa da doença coronariana. Precisavam também apresentar evidências de ter uma área do coração que não estava recebendo irrigação sanguínea adequada. Aplicamos as células-tronco justamente nessa área.

Folha - As células são injetadas?
Perin -
Sim. É um cateter que entra pela perna, como na angioplastia. Só que, no lugar de entrar na coronária, como fazemos na angioplastia para desobstruir a artéria, o cateter atravessa a válvula aórtica e entra na cavidade do coração. Dentro do cateter, há uma agulhinha que penetra no músculo do coração. Nós injetamos 0,2 ml, que é uma gota, mas tem 2 milhões de células nessa gotinha.

Folha - Como são obtidas essas células?
Perin -
Fazemos punção do líquido da medula óssea, que contém, entre outras coisas, as células-tronco. O líquido era enviado para a equipe de pesquisa celular do médico Radovan Borojevic, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que filtrava e separava essas células.

Folha - O procedimento é seguro?
Perin -
Constatamos que é absolutamente seguro. Talvez esse seja o aspecto mais importante desse trabalho. O procedimento em si é igual aos tradicionais, como cateterismo e angioplastia, e as células são do próprio paciente, então não há risco de rejeição.

Folha - Qual a ação das células-tronco que foram injetadas no coração desses pacientes?
Perin -
As células-tronco se transformam em outras células de acordo com o microambiente onde elas estão. Mas não achamos que foi isso que aconteceu. Essas células secretam muitas substâncias, fatores de crescimento, fatores químicos que atraem outras células. Então elas causam uma revolução depois que as colocamos no coração, aumentando o aporte sanguíneo para aquela área.

Folha - Esse tipo de tratamento é uma tendência na intervenção cardiovascular?
Perin -
Acho que as pesquisas genéticas e celulares vão se juntar. Temos de tratar o paciente que está mal agora, mas, ao mesmo tempo, temos de pensar: o que fazer para o problema nem começar? Com os avanços da biologia molecular e da terapia genética, vamos conseguir fazer com que as pessoas nunca venham a ter aterosclerose nenhuma. Essa é a pesquisa mais importante.
 

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