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06/05/2004 - 08h13

Médico relaciona violência com cesárea

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ROGERIO WASSERMANN
free-lance para a Folha, de Londres

Qual o futuro de uma sociedade na qual a maioria dos bebês nasce por cesárea? A pergunta é do obstetra francês Michel Odent, 73, que acaba de lançar o livro "The Cesarean" (a cesárea) no Reino Unido, onde vive. Pioneiro nos anos 70 da tese da humanização do parto e dos partos em piscina, para ele, bebês nascidos por cesárea podem desenvolver problemas físicos e psicológicos por não teriam tido contato com um coquetel de hormônios liberado pela mãe em um parto normal.

Odent, que deve participar neste mês de uma conferência sobre o tema ecologia no parto, no Rio de Janeiro, não é contra as cesáreas. "O problema é que esquecemos completamente a finalidade do trabalho de parto". Comparando a alta taxa de cesáreas em São Paulo (cerca de 80%) à baixa incidência em Amsterdã (10%), na Holanda, ele relaciona a questão ao problema da violência urbana. "É possível andar à noite nas ruas de Amsterdã, mas seria suicídio fazer o mesmo em São Paulo", afirma ele em seu livro. Leia a entrevista abaixo.

Folha - Cesáreas são ruins?
Michel Odent -
Não, pelo contrário. É uma operação magnífica, que pode salvar a vida de bebês e de mães. Mas é originalmente uma operação de resgate. O problema é que esquecemos completamente a finalidade do trabalho de parto. Há cada vez mais cesáreas. No parto normal, há a liberação de um coquetel de hormônios, que podemos chamar de hormônios do amor, que aumenta a capacidade da mãe e do bebê de amar. Minha preocupação é discutir qual será o futuro da civilização após duas, três ou quatro gerações de pessoas nascidas majoritariamente dessa maneira.

Folha - Qual a relação entre cesáreas e violência?
Odent -
Encontro alguma relação entre a forma como as mulheres dão à luz e o grau de segurança em São Paulo e Amsterdã. Não existe ainda uma prova científica dessa relação, mas é preciso levantar a questão. Se comparamos os contrários, São Paulo, com 80% de cesáreas, e Amsterdã, com 10%, é possível encontrar uma correlação. Em Amsterdã, você pode andar sozinho na rua, de madrugada. O mesmo acontece em Tóquio ou em Estocolmo, que têm também poucas cesáreas. No meio do caminho estão Nova York, Paris ou Londres, com taxas não tão baixas de cesáreas e criminalidade mediana.

Folha - Um bebê nascido por cesárea é um adulto problemático em potencial?
Odent -
Não podemos pensar em termos individuais, porque esse efeito é muito difícil de ser detectado em humanos. É bem mais fácil verificar isso com outros mamíferos. Quando fazemos uma cesárea em uma fêmea de macaco, por exemplo, a mãe não se interessa pelo bebê. Entre humanos a relação não é tão direta, porque somos capazes de raciocinar.

Folha - Muitas mulheres preferem as cesáreas porque crêem que é mais segura, temem a dor do parto ou preferem escolher dia e hora do nascimento.
Odent -
Precisamos aprender a pensar a longo prazo, em termos de civilização. Estamos descobrindo que o modo como nascemos tem conseqüências para toda a vida. Na sociedade moderna, as pessoas preferem ter filhos por cesariana porque pensam a curto prazo. Precisamos nos condicionar a pensar a longo prazo. Essa é a razão do meu livro. Podemos entender a atitude dessas mulheres, mas precisamos também ter alguma responsabilidade sobre o que acontecerá à civilização.

Folha - Os médicos também têm culpa pelo alto número de cesáreas?
Odent -
Logicamente, para os médicos é muito mais fácil e confortável dizer "Venha para a cesárea na quarta-feira, às 10h". Mas a origem disso é que, provavelmente, os médicos não entendem as necessidades de uma mulher em trabalho de parto. As parteiras desapareceram. O papel da parteira é dar conforto à mulher, ser uma espécie de mãe, fazê-la sentir-se segura. Países como Suécia, Holanda ou Japão, onde há relativamente um pequeno número de obstetras, mas bem treinados para casos especiais, e muitas parteiras para o cuidado básico, realizam um pequeno número de cesáreas. No Brasil, há tantos obstetras que eles não são especialistas, estão presentes em todos os nascimentos. O mesmo ocorre nos EUA e na China. A China tem muitas similaridades com o Brasil. As parteiras sumiram, e há muitos médicos que fazem cesáreas como uma forma normal de dar à luz.

Folha - Os partos devem deixar de ser tratados como uma questão médica?
Odent -
A prioridade deve ser redescobrir as necessidades básicas das mulheres, que são iguais às de todos os mamíferos quando dão à luz. Elas precisam de privacidade e segurança. Se uma fêmea está pronta para dar à luz no meio da mata, mas vê alguma ameaça, há uma descarga de adrenalina, e o parto é adiado. Ela só dará à luz quando se sentir segura. Isso acontece com as mulheres.

Folha - Então o ambiente hospitalar é ruim para o parto?
Odent -
O processo de nascimento está muito relacionado ao ambiente. É quase impossível para as mulheres darem à luz em um hospital, onde estão cercadas por pessoas que não entendem suas necessidades. Reduzir as cesáreas não deve ser o principal objetivo. Em Londres, por exemplo, os médicos tentam de tudo para evitar a cesárea: drogas, anestesia, fórceps. Mas, no final, são obrigados a fazer a cesariana. Precisamos evitar essas tentativas, porque são perigosas. O objetivo básico é redescobrir as necessidades da mulher em trabalho de parto para satisfazê-la. O resto é conseqüência.
 

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