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06/09/2001 - 12h17

Erotizar a vida faz bem para o sexo e também para a alma

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MÁRCIA DETONI
da Folha de S.Paulo

Parece insanidade afirmar que falta erotismo ao cotidiano do brasileiro, a quem hoje é quase vedada a possibilidade de assistir a um programa de TV que não apele para o sexo ou para imagens de mulheres nuas.

A verdade é que Eros está sendo vivenciado apenas no seu aspecto secundário, a sexualidade. Suas outras qualidades, que têm o poder de tranquilizar a alma, foram desprezadas.

Isso explica o conhecido mal-estar da sociedade contemporânea, cujos sintomas são angústia, depressão e sentimento de vazio e de infelicidade.

Em 1955, o filósofo e sociólogo alemão Herbert Marcuse (1898-1979) já alertava: a passagem do mundo infeliz para o feliz passa pela erotização de tudo à nossa volta.

O autor de "Eros e Civilização" dizia que o homem havia perdido a capacidade de gozo com os sentidos e precisava reencontrar o prazer nas coisas do mundo. Quase 50 anos depois, as idéias de Marcuse sobre Eros permanecem atuais, afirma o professor de filosofia da PUC e da FGV Antônio José Romera Valverde.

Quando falou em erotismo, Marcuse não estava se referindo à nudez feminina, a corpos perfeitamente esculpidos em academias e salas cirúrgicas ou a orgias sexuais. Ao contrário. Ele lamentava que o mundo moderno, cada vez mais racional e técnico, tivesse reduzido Eros a um impulso sexual, desvalorizando a essência do mito.

Eros, na filosofia grega, especialmente na definição de Platão, é o impulso vital do homem para a curiosidade, a ligação amorosa, a amizade e o conhecimento de si mesmo e do mundo. O pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), manteve essa definição e foi o primeiro a ligar o mito à sexualidade, sem restringi-lo, no entanto, ao prazer genital.
"Eros em psicanálise significa uma capacidade amorosa, um sentimento amoroso de cuidar um do outro, é amor ao trabalho, às idéias", diz o psicanalista José Otávio Fagundes.

Por que, então, apenas o aspecto sexual de Eros tem encontrado espaço em nossa cultura? Porque o mito, enquanto sinônimo de paixões e desejos avassaladores, geralmente entra em choque com valores e ideais arraigados ou com a ordem social, diz o professor de filosofia da USP Mário Miranda Filho.

Pode provocar rompimentos, como mudança de emprego e de estilo de vida, ou atos de rebeldia, atitudes vistas com suspeita pelo sistema, que zela pela ordem.

Com Eros limitado à sexualidade, os outros impulsos de vida são deslocados para a produção. "Toda a nossa força erótica, vital, foi dirigida para o trabalho.

O instinto foi preterido pela razão, a intuição, desvalorizada, e aquilo que é mais íntimo ao ser humano, o seu desejo, foi transferido para objetos de consumo", observa Valverde.

"Isso é muito pouco. Podemos desejar muito mais. Temos trocado o grande Eros pelo pequeno Eros", diz a professora de história da filosofia da PUC Rachel Gazolla.

A ausência desse "grande Eros" tem provocado muitas inquietações. A busca pelos objetos do desejo -bens materiais e padrões físicos determinados pela mídia- tem incentivado aspectos egoístas no ser humano. "Ele quer ter controle de tudo e tirar proveito das relações, o que tem levado a muita angústia", comenta Fagundes.

A saída, segundo os analistas, é cuidar das relações pessoais. "O homem precisa sair de dentro de si mesmo, interagir com os outros e deixar-se afetar por eles. É mais fácil hoje alguém fazer sexo com uma pessoa do que se abrir com ela", diz o cientista social e terapeuta André Valente de Barros Barreto.

A capacidade de se relacionar, de gostar dos outros é algo que se aprende quando pequeno. A criança precisa ser amada pelos pais para experimentar esse sentimento. Pessoas que não foram amadas quando crianças desenvolvem a desconfiança. Perdem a capacidade de apreciar os prazeres simples do contato humano, das amizades, da vida familiar.

A escola é um local importante para as pessoas aprenderem a se relacionar. Mas, muitas vezes, ela acaba incentivando a competição.

A tecnologia, outra vilã, reduz cada vez mais a possibilidade de contato interpessoal. Bate-papo, namoro e sexo pelo computador substituem relacionamentos. Não é preciso se envolver. Não gostou, é só trocar de site.

Mas a capacidade amorosa é apenas um aspecto de Eros. O outro é a capacidade de questionar. "O verbo "erotan", de onde vem o nome Eros, significa amar e também perguntar", diz Gazolla. Indagar sobre as coisas à nossa volta e prestar atenção em si e nos outros são atitudes que levam a uma tomada de consciência e a um encontro com Eros.

A arte é outro instrumento poderoso. Amplia a reflexão sobre a vida e desenvolve uma capacidade poética e lúdica. A arte revigora a imaginação, ajuda a aguçar os sentidos e estimula uma relação mais sensual com todas as coisas à nossa volta.

O contato com o sol, a água, as plantas, o vento e os animais também é fundamental para a expansão de Eros. Mas não se deixe enganar pela ideologia do lazer, alerta Valverde. "Buscar o descanso apenas para repor energias que serão gastas novamente no trabalho é bem diferente de um ócio em que o erotismo pode acontecer", afirma.

Reencontrar Eros exige uma mudança de percepção do mundo. É preciso abrir mão de velhos hábitos e de atitudes mecânicas e olhar o outro com mais atenção. Mas não requer rituais ou esforços gigantescos.

ONGs que lutam pela cidadania e fazem trabalho comunitário, escolas que adotam linhas pedagógicas mais voltadas para o desenvolvimento emocional e espiritual dos alunos, pessoas que apreciam a vida, a família, os amigos, um bom prato, a natureza, as artes, que tratam bem os outros, que se preocupam com a comunidade já estão caminhando de mãos dadas com Eros.

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