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08/09/2005
-
12h06
TATIANA DINIZ
MARCOS DÁVILA
da Folha de S.Paulo
Imagine se existisse uma pílula da memória. Apenas um simples comprimido seria suficiente para não esquecermos nunca mais a data de aniversário do avô ou todos os detalhes daquela viagem de verão. Pois esse milagrosa invenção já está sendo desenvolvida por cientistas da Universidade da Califórnia, que afirmaram à revista "New Scientist" que ela poderia ser usada na recuperação de pessoas em estado de cansaço, no tratamento de pacientes com Alzheimer e até mesmo para aumentar o desempenho de pessoas saudáveis. Em fase de testes, a droga deve entrar no mercado em 20 anos.
O neurocientista Iván Izquierdo, pesquisador do Centro da Memória da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e autor do livro "Questões sobre Memória" (ed. Unisinos, 128 págs., R$ 13), não está convencido de que essas novas pesquisas tragam soluções significativas para os transtornos de memória. "Os resultados em animais são ótimos, mas os clínicos são insuficientes. São drogas paliativas", diz.
Sobre o uso de fórmulas para aumentar a agilidade no processo de produzir e armazenar informações em indivíduos normais, Izquierdo afirma que "a memória funciona o tempo todo no máximo da sua capacidade possível".
Se as soluções mágicas ainda parecem distantes, muita gente encontra formas singulares para preservar, exercitar e valorizar a memória enquanto ela está acessível --seja arquivando músicas, montando álbuns de fotografias, guardando objetos antigos ou conversando com pessoas mais velhas.
Canções ao vento
A cena aconteceu em 1981, no calçadão da praia da Enseada, no Guarujá (litoral de São Paulo). O pequeno Octavio, 6, acabara de ganhar do pai um bonequinho Playmobil pirata. Foi quando uma ventania quase levou o pirata de suas mãos. O vento, que, por pouco, não rouba o brinquedo, trouxe também um presente muito especial: uma canção. O garoto não sabia de onde vinha aquilo. "Seria coisa do diabo?", pensou assustado. Era sua imaginação. A melodia não parava de soprar, a letra martelava. Foi a primeira canção entre as mais de mil já compostas pelo, agora, músico e compositor Tatá Aeroplano, 30 --que mantém todas as melodias na memória.
Até hoje, quando evoca a composição original, o calçadão, o boneco pirata, a ventania e o sentimento de estar fazendo algo proibido retornam com vivacidade à sua memória. Para Izquierdo, todos os fatos de teor emocional forte são recordados com mais precisão. "A emoção libera substâncias como a noradrenalina e a dopamina. Geralmente, nos lembramos desses momentos, em que ocorrem essas liberações, em detalhes", afirma.
Para manter tantas canções na mente, Tatá usa outro recurso indispensável, segundo Izquierdo, para fixar a memória: repetição. "Às vezes toco uma música nova por duas horas seguidas", diz Tatá. Além disso, ele já tem mais de 400 canções encadernadas num livro.
Quando não há tempo para o processo de memorização, Tatá recorre ao uso de um gravador de fita cassete, inseparável, para registrar as novas canções --que continuam surgindo ao vento, "como mágica". São mais de 150 fitas guardadas numa caixa de papelão. Mas aí, a memória de Tatá não resiste: "É preciso decupar as fitas para extrair as canções".
Memória artificial
Segundo o psiquiatra Orestes Forlenza, do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, as facilidades eletrônicas nos fazem pular uma etapa no armazenamento das informações.
"Acontece o tempo todo. Tenho um paciente que esqueceu o telefone da mulher. Ele pôs na memória do celular. Para chamá-la, bastava apertar um botão", diz Forlenza.
Ele explica que, diferentemente do cérebro humano, a memória do computador vai ficando cada vez mais rápida e com uma capacidade maior de armazenamento. "O nosso cérebro tem uma capacidade funcional limitada. Impõe-se que os jovens processem um número muito grande de informações", afirma.
É claro que uma série de recursos tecnológicos permite que uma pessoa manuseie um volume de dados muito maior, sem usar necessariamente a própria memória. Outra discussão contemporânea levantada pelo psiquiatra diz respeito à educação infantil. Alunos de escola devem fazer os trabalhos de forma impressa ou à mão?
"É fácil obter uma informação pronta na internet, copiar, colar e entregar assim, sem nem sequer ler com cuidado a informação, sem passar por uma elaboração cognitiva. Como é que essas crianças vão envelhecer se o uso da intelectualidade está relacionado ao menor risco de doença de Alzheimer?", questiona.
O psiquiatra Wagner Gattaz, um dos coordenadores do Centro de Estudos de Distúrbios da Memória do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, não acredita que os problemas de memória estão aparecendo mais cedo. "O que provavelmente está ocorrendo é que esses problemas estão sendo detectados antes. Isso é resultado do maior nível de atenção dos médicos para o problema, associado aos progressos nos instrumentos de diagnósticos", diz.
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MARCOS DÁVILA
da Folha de S.Paulo
Imagine se existisse uma pílula da memória. Apenas um simples comprimido seria suficiente para não esquecermos nunca mais a data de aniversário do avô ou todos os detalhes daquela viagem de verão. Pois esse milagrosa invenção já está sendo desenvolvida por cientistas da Universidade da Califórnia, que afirmaram à revista "New Scientist" que ela poderia ser usada na recuperação de pessoas em estado de cansaço, no tratamento de pacientes com Alzheimer e até mesmo para aumentar o desempenho de pessoas saudáveis. Em fase de testes, a droga deve entrar no mercado em 20 anos.
O neurocientista Iván Izquierdo, pesquisador do Centro da Memória da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e autor do livro "Questões sobre Memória" (ed. Unisinos, 128 págs., R$ 13), não está convencido de que essas novas pesquisas tragam soluções significativas para os transtornos de memória. "Os resultados em animais são ótimos, mas os clínicos são insuficientes. São drogas paliativas", diz.
Sobre o uso de fórmulas para aumentar a agilidade no processo de produzir e armazenar informações em indivíduos normais, Izquierdo afirma que "a memória funciona o tempo todo no máximo da sua capacidade possível".
Se as soluções mágicas ainda parecem distantes, muita gente encontra formas singulares para preservar, exercitar e valorizar a memória enquanto ela está acessível --seja arquivando músicas, montando álbuns de fotografias, guardando objetos antigos ou conversando com pessoas mais velhas.
Canções ao vento
A cena aconteceu em 1981, no calçadão da praia da Enseada, no Guarujá (litoral de São Paulo). O pequeno Octavio, 6, acabara de ganhar do pai um bonequinho Playmobil pirata. Foi quando uma ventania quase levou o pirata de suas mãos. O vento, que, por pouco, não rouba o brinquedo, trouxe também um presente muito especial: uma canção. O garoto não sabia de onde vinha aquilo. "Seria coisa do diabo?", pensou assustado. Era sua imaginação. A melodia não parava de soprar, a letra martelava. Foi a primeira canção entre as mais de mil já compostas pelo, agora, músico e compositor Tatá Aeroplano, 30 --que mantém todas as melodias na memória.
Até hoje, quando evoca a composição original, o calçadão, o boneco pirata, a ventania e o sentimento de estar fazendo algo proibido retornam com vivacidade à sua memória. Para Izquierdo, todos os fatos de teor emocional forte são recordados com mais precisão. "A emoção libera substâncias como a noradrenalina e a dopamina. Geralmente, nos lembramos desses momentos, em que ocorrem essas liberações, em detalhes", afirma.
Para manter tantas canções na mente, Tatá usa outro recurso indispensável, segundo Izquierdo, para fixar a memória: repetição. "Às vezes toco uma música nova por duas horas seguidas", diz Tatá. Além disso, ele já tem mais de 400 canções encadernadas num livro.
Quando não há tempo para o processo de memorização, Tatá recorre ao uso de um gravador de fita cassete, inseparável, para registrar as novas canções --que continuam surgindo ao vento, "como mágica". São mais de 150 fitas guardadas numa caixa de papelão. Mas aí, a memória de Tatá não resiste: "É preciso decupar as fitas para extrair as canções".
Memória artificial
Segundo o psiquiatra Orestes Forlenza, do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, as facilidades eletrônicas nos fazem pular uma etapa no armazenamento das informações.
"Acontece o tempo todo. Tenho um paciente que esqueceu o telefone da mulher. Ele pôs na memória do celular. Para chamá-la, bastava apertar um botão", diz Forlenza.
Ele explica que, diferentemente do cérebro humano, a memória do computador vai ficando cada vez mais rápida e com uma capacidade maior de armazenamento. "O nosso cérebro tem uma capacidade funcional limitada. Impõe-se que os jovens processem um número muito grande de informações", afirma.
É claro que uma série de recursos tecnológicos permite que uma pessoa manuseie um volume de dados muito maior, sem usar necessariamente a própria memória. Outra discussão contemporânea levantada pelo psiquiatra diz respeito à educação infantil. Alunos de escola devem fazer os trabalhos de forma impressa ou à mão?
"É fácil obter uma informação pronta na internet, copiar, colar e entregar assim, sem nem sequer ler com cuidado a informação, sem passar por uma elaboração cognitiva. Como é que essas crianças vão envelhecer se o uso da intelectualidade está relacionado ao menor risco de doença de Alzheimer?", questiona.
O psiquiatra Wagner Gattaz, um dos coordenadores do Centro de Estudos de Distúrbios da Memória do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, não acredita que os problemas de memória estão aparecendo mais cedo. "O que provavelmente está ocorrendo é que esses problemas estão sendo detectados antes. Isso é resultado do maior nível de atenção dos médicos para o problema, associado aos progressos nos instrumentos de diagnósticos", diz.
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