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20/10/2005 - 09h30

Você é orgânico ou transgênico?

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TATIANA DINIZ
da Folha de S. Paulo

Responda rápido: você é orgânico ou transgênico? Facilmente haverá identificação com uma ou outra palavra. E mais: se o leitor se autoclassificou "orgânico", é muito provável que nutra uma antipatia quase natural pelo termo "transgênico". Ou vice-versa. Na raiz da polêmica que aparta os defensores de cada tipo de alimento, a semente é filosófica.

Do lado dos orgânicos, enfileiram-se aqueles que seguem as premissas de uma vida de retorno à natureza. São pessoas preocupadas com o colapso do planeta, simpáticas à alimentação vegetariana --ou pelo menos combatentes do consumo exacerbado da carne vermelha--, desconfiadas dos artifícios da indústria, avessas a remédios alopáticos, economizadoras de água e praticantes da reciclagem.

Sob a bandeira dos transgênicos, panfletam os adoradores da tecnologia. São aqueles que louvam a modernidade e acham que as criações humanas "têm mais é de ser aproveitadas". Duvidam que estejam sujeitos a sofrer mutações por ingerir alimentos geneticamente modificados, não sofrem crises de consciência ao tomar analgésicos para aplacar uma dor de cabeça insuportável e consideram a ovelha Dolly um advento interessante.

A funcionária pública Daniela Ishikawa, 27, faz parte do primeiro grupo. Vegetariana, ela costuma dar preferência ao consumo de alimentos orgânicos certificados, mas reclama dos preços altos dos produtos. "Se pudesse, só teria orgânicos na minha geladeira", diz. "Depende um pouco da grana, afinal, eles são bem mais caros. Mas valem a pena."

Para Daniela, o sabor é um diferencial. "Eles são menores que os convencionais, mas são bem mais gostosos. Como não como carne, meu paladar é mais aguçado para os vegetais e percebo isso com clareza", observa.

A preocupação com o ambiente também tem um impacto na hora de ela escolher o que pôr no carrinho do supermercado. "Também enxergo uma vantagem ecológica embutida no orgânico. Não entendo direito os detalhes técnicos do uso de agrotóxicos, mas acredito que não façam mal apenas para nós humanos, devem ter um impacto grande no ambiente também", completa. Transgênicos? "Sou contra", resume. "Mas, como sou vegetariana, tenho de comer soja e sei que grande parte da soja do país é transgênica. Preferiria, porém, não ingerir nada geneticamente modificado."

George Guimarães, 31, nutricionista especializado em dietas vegetarianas, junta-se a Daniela. Vegetariano desde a infância e há 11 anos abstêmio também de derivados de leites e de ovos, ele acredita que o alimento orgânico têm propriedades nutricionais superiores às dos alimentos convencionais.

"Como não usa o defensivo agrícola, a planta orgânica tem de ser muito bem nutrida para resistir às pragas. Por isso, ela é mais forte. O alimento convencional, por sua vez, é como um organismo doente que é mantido por drogas", compara. Sobre a transgenia, as ressalvas são em relação ao impacto em macroescala.

"Pôr o gene do peixe no arroz parece ótimo, mas não é só isso. O que acontecerá aos pássaros que se alimentam dessa lavoura transgênica? Para mim, a pergunta básica é: será que isso é necessário? Talvez comer arroz, espinafre e cenoura bastasse em vez de ingerir arroz geneticamente modificado", diz.

Para Guimarães, a transgenia pode ainda incentivar o comodismo na manutenção de dietas alimentares inadequadas. "Com esses alimentos, fica mais fácil manter hábitos errados e perpetuá-los. Na verdade, cada um deveria reavaliar suas opções alimentares e tentar se aproximar de um dieta adequada. A agricultura orgânica tem potencial para ser realizada em grande escala e isso seria muito mais interessante para a humanidade", opina.

Na única vez em que a artista plástica Fernanda Abdalla, 33, comprou verduras orgânicas, ela diz ter ficado "muito decepcionada". "Estragaram-se bem mais rápido. Comi fora alguns dias da semana e, quando vi, tinha perdido tudo. Para mim, se o alimento não dura, não facilita minha vida. Cheguei à conclusão que eu adoro um agrotóxico", diverte-se.

Fernanda se autodefine como "totalmente transgênica". "Ninguém é Deus, mas a tecnologia está aí para ser usada. Um alimento transgênico só é aprovado depois de muitos estudos e comprovações. Acho que uma coisa assim não vai vir parar na minha mesa se faz mal. Não acredito que liberem um alimento perigoso para a saúde", diz.

Para ela, a modificação genética dos alimentos deve ser encarada como um avanço. "Não vejo o menor problema em comer um prato de soja transgênica. Eu gosto de novidade, uso tudo ultramoderno, aproveito as invenções tecnológicas todas", comenta ela, que louva principalmente as criações em prol da estética. "Já usei ácidos na pele e tomei remédios para o cabelo ganhar brilho. Se precisasse, faria 'ontem' aplicações de Botox ou cirurgia plástica", diz.

"Minha preocupação em ter uma alimentação que seja à base de comidas naturais é zero", enfatiza. E explica que vê nos transgênicos ainda uma vantagem social.

"Se, finalmente, os cientista inventaram um jeito de produzir mais comida, com características mais nutritivas e que pode chegar à população com um preço mais baixo, acho admirável. Na minha opinião, o mais importante é achar um meio de alimentar as pessoas. A fome dói e é degradante", diz ela.

VENENO

Agrotóxico. Pesticida. Defensivo agrícola. Muitos são os nomes usados para definir a mesma coisa: substâncias usadas nas plantações a fim de protegê-las do ataque de pragas.

Segundo a definição adotada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), é classificado como agrotóxico pela lei 7.802 de 1989 qualquer "produto químico ou biológico, utilizado nas áreas de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais".

Ainda de acordo com a lei, a finalidade do agrotóxico é "alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos nocivos." Essa "proteção", entretanto, é normalmente feita com substâncias tóxicas e não há, no país, controle rigoroso desse procedimento, dizem os especialistas.

É aí que, curiosamente, surge o ponto que aproxima orgânicos e transgênicos: os dois tipos de alimento têm como meta a redução do uso de agrotóxicos na produção agrícola. A crítica ao emprego indiscriminado de defensivos agrícolas não é novidade. Em 1962, no livro "A Primavera Silenciosa", a escritora e cientista norte-americana Rachel Carson mostrou como o DDT (diclorodifeniltricloroetano) penetrava na cadeia alimentar e acumulava-se nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive do homem, alastrando o risco de câncer e de danos genéticos. Naquela época, a presença do DDT já havia sido detectada até mesmo no leite materno.

Para evitar o indesejável uso dos pesticidas, há dois caminhos: o primeiro é simplesmente não aplicá-los nas plantas e criar outros mecanismos de controle às pragas, como o cuidado meticuloso com a plantação e o reforço na adubação por esterco, gerando um modelo de produção mais dispendioso. Esse é o método adotado na produção de alimentos orgânicos.

"Na agricultura orgânica, a idéia é que o produtor tenha controle sobre o que está produzindo. Alguns agrotóxicos como micronutrientes à base de cobre, enxofre e microorganismos para controle biológico podem ser usados, porém em doses muito baixas, algo em torno de 0,5 ppm (partes por milhão)", esclarece Álvaro Garcia, engenheiro agrônomo e gerente de certificação do IBD (Instituto Biodinâmico), que confere o selo "orgânico" a produtos brasileiros.

O instituto calcula ter hoje 650 projetos certificados ou em processo de certificação, envolvendo cerca de 4.000 produtores.

A outra maneira de evitar os pesticidas é fazer com que as plantas já nasçam resistentes às pragas e, dessa forma, dispensem a proteção química. E foi essa a perspectiva que a biotecnologia descortinou para a agricultura e que originou os alimentos transgênicos.

SEM MEDO

Na despensa do engenheiro agrônomo Fábio Bueno, 36, sempre há proteína de soja. E ele diz não estar nem um pouco amedrontado com o fato de ser soja transgênica. "Apóio a transgenia porque acredito que esse é o próximo passo da agricultura. Com os alimentos transgênicos, quebramos a previsão malthusiana de que, com o crescimento populacional, em breve faltaria comida no planeta", observa.

Para Bueno, a antipatia em relação à palavra "transgênico" é fruto da influência de uma onda de temor gratuito que acometeu a população e resultado de análises superficiais sobre o tema. "Prefiro comer transgênicos a ingerir resíduos de agrotóxico", explica.

O engenheiro agrônomo afirma acreditar que, além da soja --único alimento transgênico com produção oficialmente liberada do país-- o consumidor brasileiro já compra nos supermercados outros itens que são resultado de transgenia.

"O tomate longa vida é transgênico, e outras hortaliças que estão nas prateleiras também são", comenta. "Nos Estados Unidos, come-se soja e milho transgênico há dez anos. E, até agora, não há relatos de aumento de incidência de câncer ou de ocorrência de más-formações fetais por isso", ressalta.

SEGURANÇA

Franco Lajolo, professor do departamento de alimentos e nutrição da Universidade de São Paulo, aponta que ainda não há, na literatura científica, nenhum argumento convincente de que os transgênicos sejam desencadeadores de problemas de saúde.

"Na realidade, há um lado muito bom desses alimentos que é o fato de estarem sendo submetidos a protocolos de segurança muito mais rígidos do que os que avaliam os alimentos tradicionais", comenta.

"A população ainda é muito desinformada sobre ciência", opina. "Então surge logo a visão do cientista louco, descabelado, criando comidas 'Frankstein'", brinca.

A resistência ao consumo de transgênicos, entretanto, não é realidade em todos os países. "Na China, por exemplo, a população prefere o transgênico porque o recebe como sinônimo de modernidade. Trata-se de um modelo de agricultura que tem mais rendimento e usa menos pesticidas. Além de ser um passo necessário à modernização, para o Brasil, é ainda um elemento decisivo para a competitividade internacional", diz Lajolo.

"A transgenia existe na natureza. Um tomate orgânico nada mais é do que o resultado da manipulação genética que ocorre ao longo da seleção natural", esclarece Gonçalo Pereira, chefe do departamento de genética e evolução da Unicamp (Universidade de Campinas).

IMPACTO AMBIENTAL

O estudo "Lavouras GM: Impactos Econômicos e Ambientais - Os Primeiros Nove Anos", feito pela PG Economics (consultoria independente especializada em impacto econômico e ambiental de tecnologias de agricultura) e divulgado neste mês, em Londres, apontou que o plantio de transgênicos reduziu em 14% a área afetada por agroquímicos em 18 países que comercializam esse tipo de alimento. O relatório está disponível em inglês no site www.pgeconomics.co.uk.

"Ainda é possível ir mais longe. Se tivermos espécies que dispensem o uso de adubo nitrogenado, por exemplo, reduz-se o consumo de petróleo no planeta", diz Gonçalo Pereira.

Ainda segundo o estudo da PG Economics, desde 1996, as lavouras de transgênicos reduziram em 6% o volume de pulverização de agroquímicos no mundo --o equivalente a 172,5 milhões de quilos de pesticida.

"ORGANOTRANSGENIA"

Não contramão do posicionamento antagonista, cientistas como o suíço Klaus Ammann, presidente de biodiversidade da Federação Européia de Biotecnologia e diretor do jardim botânico da Universidade de Berna sugerem a adoção de sementes geneticamente modificadas nas lavouras orgânicas, gerando o que seria uma geração de "organotransgênicos".

"Os produtores de orgânicos estão perdendo a oportunidade de ter melhores rendimentos ao deixarem de incorporar determinados genes em suas sementes", diz Ammann. Ele levou a idéia para as fechadas sociedades religiosas dos amistas, no interior dos Estados Unidos, que mantêm os hábitos agrícolas do século 17, sem nenhuma tecnologia moderna. Algumas dessas fazendas já estão testando o uso de batatas geneticamente melhoradas.

"O conceito de orgânico está deturpado no Brasil. Orgânico é um alimento produzido sem química. Em nenhum momento se afirma que orgânico não pode ser transgênico", diz Alda Lerayer, doutora em genética de microrganismos e melhoramento de plantas pela Universidade de São Paulo e secretária-executiva do CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia). Ela lembra que a transgenia não está entrando na vida das pessoas agora.

"Temos 25 anos de transgenia na indústria farmacêutica, com microrganismos transgênicos que permitiram chegar à insulina e aos antibióticos; 20 anos de transgenia na indústria de higiene, potencializando a ação do desengordurante ou do sabão em pó", elenca.

"Quinze anos de transgenia na indústria alimentícia, com microrganismos transgênicos que produzem enzimas, vitaminas, proteínas e carboidratos. Dos produtos que estão nas prateleiras dos supermercados, cerca de 75% contêm algum componente transgênico."

Sócia-proprietária do Empório Siriuba, casa de alimentação orgânica inaugurada recentemente no Jardim Paulista, em São Paulo, Cenia Salles rebate: "Não dá para misturar, orgânico e transgênico são opostos. O orgânico é a volta à segurança da simplicidade, é a comidinha da sua bisavó."

Enquanto a discussão divide gregos e troianos, a próxima geração de transgênicos promete turbinar a capacidade nutricional da comida. Em cinco anos, o arroz vai ganhar ômega-3 do peixe; frutas e verduras serão acrescidas de vitaminas de outras espécies; os industrializados feitos a partir desses alimentos terão menos gordura trans. Você engole?

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