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08/12/2005 - 10h43

Solidão pode ser genética, diz estudo; há quem opte por ela

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TATIANA DINIZ
da Folha de S.Paulo

Ceia de Natal. Confraternização. Troca de presentes. Festa de Ano Novo. Brinde. Beijos e abraços. Repleto de ritos sociais, o encerramento do ano é uma época que reforça o sentimento de solidão em muita gente. Até mesmo quem diz gostar de viver só durante o ano inteiro está sujeito a ser tomado por um desconforto inesperado ao perceber que ainda não sabe com quem compartilhará o peru do dia 24 ou o champanhe do 31. E mais: o golpe de solidão que chega com a última página do calendário não é exclusividade de quem está, literalmente, sozinho durante as datas festivas. Há aqueles que, em meio aos ruidosos encontros familiares ou empresariais, mal conseguem disfarçar o mal-estar e a sensação de inadequação.

Isolados ou inseridos em bandos eufóricos aos quais sentem não pertencer, os solitários de final de ano estão espalhados pelo mundo. Os norte-americanos apelidaram esse fenômeno comportamental de "holiday blues" (depressão de fim de ano) e monitoraram que, no período, aumentam as taxas de suicídio no país.

Um estudo conduzido desde 1991 por pesquisadores das holandesas Universidade de Amsterdã e Universidade Vrije e da norte-americana Universidade de Chicago vem observando a incidência de solidão em pares de gêmeos holandeses a fim de investigar a possibilidade de predisposição genética ao sentimento.

O trabalho define a solidão como "o centro de uma constelação de estados socioemocionais, que incluem auto-estima, humor, ansiedade, raiva, otimismo, medo ou negatividade, timidez, habilidades sociais, suporte social, insatisfação e sociabilidade". De acordo com os dados, a hereditariedade do sentimento é de 48%.

Episódios de exclusão social, ostracismo, rejeição, separação e divórcio estão entre os potenciais acentuadores da solidão, dizem os pesquisadores. O grupo estudado foi formado por 8.387 gêmeos, sendo 3.280 homens e 5.107 mulheres. No que diz respeito às diferenças entre os sexos, as mulheres se revelaram mais suscetíveis a manifestar a herança genética, sentindo-se solitárias com mais freqüência do que os homens.

GENÉTICA E INFLUÊNCIA

A pesquisa aponta ainda que a manifestação dessa predisposição genética a se sentir só pode ser atenuada ao longo da vida por influência do ambiente e que as contribuições do meio tendem a apresentar impacto de maior dimensão sobre os adultos do que sobre as crianças.

Por outro lado, a característica hereditária pode ser acentuada na idade adulta quando o indivíduo tende a organizar sua vida mais de acordo com o seu genótipo e menos de acordo com as demandas do meio, diz o estudo.

"Quando mais jovem, é comum que os outros influenciem mais sua vida. Isso pode diminuir com a idade. Alguém que tem um senso de isolamento social, por exemplo, pode buscar situações de vida que o permitam expressar essa predisposição", explicou à Folha John Cacioppo, professor do centro de neurociência cognitiva e social da Universidade de Chicago e um dos pesquisadores responsáveis pelo levantamento.

ESTILO DE VIDA

A hipótese é realidade no estilo de vida adotado pelo músico catarinense Carlos Careqa, 44, radicado em São Paulo há uma década. Ele diz que sempre teve uma tendência a gostar de ficar só. "Nunca apreciei andar em turmas, nem na adolescência. Odeio ir a um bar e sentar em mesa grande. A verdade é que as melhores coisas não são feitas em grupo", resume. Careqa comenta que, enquanto muitos encaram a solidão com receio, ele sempre a apreciou. "Minha solidão é um presente. Tenho amigos. Sou solitário, mas não me sinto sozinho."

Careqa organizou sua vida a fim de respeitar a predisposição a estar só. Depois de viver um casamento de 18 meses, mora sozinho há 15 anos. "Deus me livre de casar de novo. Sou uma pessoa difícil. Se a visita chega e tira o telefone do lugar, eu já fico achando ruim", comenta. "Adoro chegar em casa e não ter ninguém, não ter família nem muita obrigação", diz. "Não sou panfletário da solidão, mas, mesmo quando me envolvo com alguém, começo a desejar que a pessoa vá embora quando ela passa a exigir demais. É o meu jeito."

A vida solitária serve de inspiração a letras como as de "Ser Solteiro" ("Só eu mesmo faço o meu tipo/ Tenho um kit de automassagem/ Tenho livros de auto-ajuda/ Viajo com uma só passagem/ Meu modus vivendis ninguém muda") e "São Solidão" ("Farelo de tristeza/ Multiplica a divisão/ Bandejas de vontade/ Tira-gosto de ilusão/ A sós com a humanidade/ No parapeito da aflição").

O músico enfatiza que nem tudo são flores na vida de quem opta por estar sozinho. "Há momentos de tristeza também. Horas em que você quer ver alguém, quer companhia para assistir a um filme. Outro dia viajei para Buenos Aires só e fiquei desejando que tivesse alguém lá comigo", conta.

Por seis anos, Careqa passou seus Réveillons sozinho. "Ia para o apartamento de um amigo que ficava vago no Rio de Janeiro. Na hora da virada, caminhava até a praia. Dava um abraço em mim mesmo e me desejava feliz Ano Novo. Era ótimo, tudo de que eu precisava era estar comigo naquele momento."

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