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07/03/2002 - 08h50

Termo "estresse" e seu sentido são banalizados

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CIÇA GUEDES
free-lance para a Folha

O termo estresse, de uso exclusivo da medicina até pouco mais de uma década, caiu na boca do povo. Tudo virou um estresse. Enfrentar fila de banco, buscar filho na escola, pegar estrada no feriado ou ouvir bronca do pai. Até substitui palavrão -aquele comumente usado para a mãe do motorista pouco talentoso vem perdendo espaço para o raivoso "seu estressado!" no trânsito louco das grandes cidades brasileiras.

O termo foi vulgarizado e o seu significado também. Há pessoas que acreditam piamente estar doentes de estresse, quando apenas estão irritadas por um problema circunstancial. Por outro lado, diz o psicólogo José Roberto Leite, professor da Unifesp e coordenador do Ambulatório de Medicina Comportamental do Hospital São Paulo, "infelizmente ainda há médicos que dizem a seus pacientes que eles não têm nada, só estresse, como se isso fosse um atestado de boa saúde".

Estresse não é doença, mas também não é sinônimo de saúde. É a reação do corpo ao se confrontar com o perigo, que pode se manifestar com respiração ofegante, pele eriçada, pupila dilatada, coração acelerado e musculatura retesada. Todos esses sintomas são provocados por descargas de hormônio na corrente sanguínea, que não são, em si, ruins. Elas preparam o corpo para o que está por vir.

Estresse, quando vira doença, muda de nome: chama-se distresse (distúrbio de estresse). Pode ser classificado como crônico, causado por situações estressantes que se repetem, ou agudo, quando a pessoa é exposta a situação extrema, em geral de real possibilidade de morte, diz Alexandrina Meleiro, psiquiatra da USP.

E o que a ciência já sabe é que ambas as formas provocam alterações no funcionamento do organismo, atuando como principal fator de risco no surgimento de algumas doenças.

Responsável pelo Instituto de Pesquisas Biomédicas da Faculdade de Biociências da PUC do Rio Grande do Sul e doutorado pela Universidade de Bristol, Reino Unido, o biólogo Moisés Evandro Bauer tem como foco o estudo do estresse associado às alterações imunológicas e o modo como essa interação pode resultar na promoção de algumas doenças.

"Há muitos estudos em todo o mundo mostrando a relação do estresse com a gripe, por exemplo. É comum a pessoa ficar resfriada ou gripada após viver situações estressantes. Também já está bem comprovado que o estresse é fator de risco sério nas doenças cardiovasculares e em caso de herpes labial, úlceras e colites. A ciência ainda engatinha no estudo dessa associação para doenças alérgicas", diz Bauer.

Ou seja: estresse não pode servir para explicar qualquer doença. Da mesma forma que diagnosticar um sintoma como "apenas estresse" pode ter consequências drásticas. "Um quadro grave de ansiedade pode levar à depressão, e o risco de suicídio é sério", diz Meleiro.

O conceito de estresse foi formulado pela primeira vez por um endocrinologista, o canadense Hans Selye (1907-1982). Segundo ele, a resposta do corpo ao perigo pode-se dividir em três estágios. O primeiro é de alarme, quando o corpo reconhece o agente estressor e ativa o sistema neuroendócrino. As glândulas supra-renais passam então a liberar os hormônios do estresse -adrenalina, noradrenalina e cortisol-, provocando aceleração do batimento cardíaco, dilatação das pupilas, aumento da sudorese e das taxas de açúcar no sangue, redução da digestão e do apetite sexual, contração do baço e redução das defesas do organismo.

O segundo estágio é o da adaptação, quando o organismo volta-se para a reparação dos danos. Há queda dos níveis hormonais. Se a ação dos agentes estressores continua ou se a pessoa não se livra do estímulo que provoca essas reações, chega-se à exaustão, o terceiro estágio, capaz de promover doenças.

"O organismo humano lida bem com o estresse agudo, mas, quando ele se torna repetitivo, vale dizer, crônico, os efeitos se multiplicam e desgastam o organismo", diz Bauer.

O deputado Carlos Santana (PT-RJ) conhece bem alguns desses efeitos. No final de 1998, durante sua campanha à reeleição para a Câmara dos Deputados, ele começou a desmaiar nas situações e nos lugares mais insólitos. No meio do comício, pimba, lá estava Santana arriado. Na direção do carro, de repente sentia que não ia mais aguentar e saía do ar por vários minutos. "Como todos estávamos dormindo pouco e trabalhando muito, sem que ninguém desmaiasse, começamos a achar que aquilo era uma tremenda frescura", conta a assessora, Rosângela Soares. "O que me deixava louco não era só o cansaço. Eu tinha de sair de uma reunião com ferroviários e conversar com donas-de-casa e, depois, com estudantes universitários." A saúde e a campanha foram salvos pelo conselho dos médicos, que internaram o deputado e fizeram o que se chama de diagnóstico diferencial.

Por meio de exames, eliminaram a possibilidade de doenças mais sérias, até concluírem que se tratava de estresse. Prescrição: descarregar as tensões numa atividade física. "Há três anos, corro cerca de 12 km todo dia e me sinto muito bem, nunca mais desmaiei", diz ele, que agora procura uma boa escola de ioga. "Estamos entrando em campanha novamente e não quero correr riscos."

Santana preocupa-se com a prevenção. Não foi o caso de Maria do Carmo Gouvêa Peluso, 61, que teve seu estresse diagnosticado há 13 anos. Ela começou a sentir enjôos e tonturas, formigamento na língua, nos lábios e no rosto. Os sintomas pioravam, e os médicos eliminaram todas as possibilidades antes de atribuir os sintomas a estresse. "Os exames não acusavam nada. Até que comecei a ter dificuldade para falar, enrolava a língua. Passei a tomar tranquilizante, mas só melhorei de verdade quando fui para uma estância hidromineral, afastada dos problemas", conta Maria do Carmo. No ano passado, ela perdeu o marido. "Além dessa perda, ainda terei de mudar de casa, começo a sentir os sintomas de novo e estou com medo, vou voltar ao médico."

Leia mais:

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