Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
14/03/2002 - 08h05

Cidade e cidadãos não ajudam deficientes físicos

Publicidade

ANTONIO ARRUDA
free-lance para a Folha

Usar o saci-pererê como símbolo para deficiente físico parece brincadeira de mau gosto. Mas a idéia, empregada pela Rede Saci - Solidariedade, Apoio, Comunicação, Informação, é bastante pertinente. A maioria dos deficientes físicos -só em São Paulo, há 350 mil- não saem de casa. Vivem reclusos. É como se fossem uma lenda! Com quantos você costuma se deparar no dia-a-dia -descontados os que moram na rua ou são pedintes?

Portadores de deficiência em geral (física, mental, visual, auditiva e múltipla) representam 10% da população mundial, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas (ONU).

A autora do primeiro guia para deficientes físicos ("Guia SP Adaptada", ed. O Nome da Rosa) não dá uma volta em Higienópolis, bairro onde mora, há três meses.

Andrea Schwarz, 25, que avaliou mais de 590 estabelecimentos em São Paulo a partir do critério da acessibilidade, não consegue sair sozinha de casa -a única rampa de acesso do próprio prédio, que fica na garagem, é íngreme demais para ser usada por alguém com cadeira. "O carro é a minha salvação. Se não fosse ele, provavelmente ficaria em casa."

Andrea faz parte da minoria dos cerca de 1,5% de portadores de deficiência física que são proprietários de carros adaptados. "Sem carro, a pessoa sai de casa uma, duas vezes, depois desiste, o sentimento de indignação é muito grande", diz Andrea.

"Nunca saí sozinho. Acho que, se tentar algum dia, eu me perco. Como vou pegar ônibus ou trem, tendo de subir e descer escadas?", questiona o representante comercial autônomo Robson Duarte Silva, 26, que interrompeu os estudos durante seis anos e ficou sem entrar em um cinema por mais de um ano. Hoje ele trabalha e estuda porque conta com a ajuda -e o carro- do pai.

"O transporte público é inacessível, e a cidade, intransitável", resume o presidente do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente (SP), Gilberto Frachetta, 60, usuário de cadeira de rodas (ou cadeirante) há mais de 26 anos por conta de um acidente automobilístico.

A lei determina que 10% dos ônibus da cidade de São Paulo sejam adaptados para portadores de deficiência física. Há cerca de mil linhas circulando e somente 219 ônibus adaptados, diz Frachetta. "Quase 80% das linhas não têm nenhum ônibus adaptado; isso é um descaso muito grande."

Quanto às calçadas de São Paulo, ele estima que menos de 5% tenham guia rebaixada (a maior parte no Centro e em grandes avenidas). "Isso sem contar os buracos, os semáforos que abrem e fecham muito rapidamente, a falta de respeito dos demais cidadãos", lamenta.

"Depois de termos nosso direito de ir e vir totalmente abalado, temos de enfrentar a discriminação, o olhar do outro que incomoda", afirma Frachetta, referindo-se ao círculo vicioso e excludente, pelo qual os não-cadeirantes têm sua responsabilidade.

"As pessoas têm pouco contato com deficientes e, nas situações em que ocorre o encontro, acabam projetando sentimentos que às vezes não existem. Criam fantasias em torno do portador de deficiência física", diz a psicóloga Laila Pincelli da Mata, 27, que há cinco anos trabalha com reabilitação de portadores de deficiência.

"Os não-portadores de deficiência pensam estar diante de uma lenda", comenta a socióloga Marta Gil, 52, da Rede Saci, que há mais de 20 anos trabalha com portadores de deficiência (não só física, mas também auditiva, visual, mental e múltipla).

É comum associar a pessoa com deficiência ao paciente inválido e incapaz, o que é um engano e, mais do que isso, um perigo. "Fazemos um julgamento que pode dificultar a reinclusão social desse cidadão", afirma Laila.

O coordenador do departamento de psicologia para adultos da AACD, Luiz Antonio Manzochi, 34, completa esse raciocínio: "Na sociedade moderna e principalmente no Brasil, o portador de deficiência é visto como aquele que pede dinheiro no farol, que não produz, o que não é verdade". Nesse caso, diz Manzochi, a maioria dos pacientes tende a preferir a reclusão a enfrentar grandes mudanças e transformações. "Ele acha que é impossível ir ao cinema, ao teatro, aos parques e acaba deixando de fazer o que gosta", diz o psicólogo.

É o caso da radialista Márcia Penteado, 46. Hemiplégica (portadora de paralisia de um lado) devido ao rompimento de um aneurisma cerebral, Márcia não movimenta a metade esquerda do corpo. Cadeirante há três anos, diz que vive trancada em casa. "Deixei de fazer tudo o que fazia antes. Meu passeio hoje se resume à fisioterapia", lamenta.

Ela conta que costumava andar sempre no parque Ibirapuera, mas nunca mais foi. "Fazer o que lá? Você tem noção de quantos buracos existem? Vou andar de cadeira sobre a grama?", diz, indignada, Márcia, que queria fazer um curso de astronomia no planetário, mas desistiu por causa das escadas. "Liguei e disseram que não há rampa. Não vou."

Faz quatro meses que a estudante de psicologia Carla Elisabete Pinto, 25, não vai visitar suas amigas no bairro vizinho, onde morava. Tetraplégica em decorrência de um acidente de automóvel, Carla diz que, sem carro, não consegue ir até a esquina. "A possibilidade de eu tomar um tombo me causa medo. Prefiro não arriscar. E, com os ônibus adaptados, não podemos contar mesmo. Já cheguei a ficar três horas esperando por um", afirma a estudante.

Leia mais:

  • Algumas atitudes constrangem os cadeirantes

  • Revistas e eventos enfocam interesses dos portadores de deficiência

  • Veja como é a rotina de alguns cadeirantes



  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página