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07/06/2001 - 11h27

"Slow Food" chega ao Brasil e prega direito a saborear alimentos

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DANIELA FALCÃO
da Folha de S.Paulo

Comer sem pressa, priorizando pratos típicos e ingredientes locais produzidos artesanalmente. Essa é a filosofia do Slow Food, criado na Itália há 14 anos para preservar tradições gastronômicas e minimizar o impacto nefasto do ritmo frenético da vida moderna, ao menos na mesa.

"Dedicar tempo às refeições faz bem à saúde, além de ser um momento de convivência", diz o italiano Carlo Petrini, co-fundador e presidente do movimento.

"Mas ninguém precisa gastar quatro horas em um banquete para conseguir isso", emenda. Fundado em 86 para proteger o "direito ao sabor" em uma Itália que começava a ser invadida por cadeias de fast food, o movimento se internacionalizou em 89, com a adesão da França, Espanha e Alemanha.

Hoje, tem 65 mil associados no mundo todo. É de sua sede em Bra, vilarejo no Piemonte onde o movimento surgiu, que cerca de cem pessoas dão duro para manter em contato os milhares de convívios (filiais) espalhados pelo mundo. Esses grupos promovem debates, jantares de degustação e outras atividades, sempre procurando valorizar pratos e tradições gastronômicas.

Apesar de surgido da cabeça de intelectuais esquerdistas desencantados com a proliferação das lanchonetes fast food -entre eles o escritor Dario Fo, Prêmio Nobel de Literatura em 1997, e o jornalista Petrini-, o Slow Food renega a pecha de movimento elitista, formado por gourmets excêntricos, com tempo e dinheiro de sobra.

"O Slow Food nunca foi um movimento de elite nem um grupo de ricos gorduchos apaixonados pela boa cozinha. A nossa filosofia tem um amplo alcance temático e reúne pessoas de todas as idades e camadas sociais. O direito ao prazer e ao conhecimento gastronômico é um de seus princípios, mas não o único", disse Carlo Petrini ao Equilíbrio por e-mail.

Graças à essa temática abrangente, o Slow Food conquistou adeptos em toda a Europa e até nos EUA, pátria das refeições massificadas, onde, no ano passado, ganhou em média 300 novos associados por mês. Para a escritora e colunista da Folha Nina Horta, o que mais encanta no Slow Food é a luta pela redescoberta da riqueza e dos aromas da cozinha local, em oposição ao efeito nivelador da vida rápida.

"O movimento apóia a produção artesanal e industrial de boa qualidade, tanto de pratos em vias de extinção, como de novidades que surgem. Vai ao mercado educar o consumidor e o produtor e apóia projetos e investimentos", diz Nina, que, antes de conhecer de perto, achava o movimento esnobe e radical.

Arca do Sabor

As atividades do Slow Food vão desde a publicação de revistas e guias com produtos e restaurantes adeptos do movimento até ações concretas para preservar a biodiversidade agrícola do planeta. A Arca do Sabor (cujo nome é uma alusão à arca de Noé) é a principal arma para salvar tradições gastronômicas ameaçadas de extinção (na pág. ao lado, alguns produtos da arca). Primeiro, identificam e catalogam produtos, pratos, animais, frutas, legumes e verduras ameaçados.

Uma vez "dentro" da arca, inicia-se a divulgação visando o aumento do consumo. Em casos periclitantes, os produtores recebem auxílio econômico. Foi o que aconteceu com o Sciacchetra, vinho branco raro produzido em Cinque Terre (região montanhosa à beira do Mediterrâneo, no litoral da Ligúria) desde a época medieval, cuja produção estava ameaçada.

Com apoio de instituições públicas e privadas, o Slow Food comprou 20 mil m2 de terra na região e doou para um dos três produtores do vinho ainda em atividade. Sem ter de pagar aluguel, o agricultor contratou ajudantes, aumentou a produção e repassou o segredo do plantio da uva para uma nova geração.

Degustação mirim

Além de apoiar pequenos produtores, o Slow Food, desde o ano passado, seleciona os melhores exemplos de preservação da herança gastronômica e de defesa da biodiversidade e os premia com o Slow Food Award.

Também sua a camisa para conscientizar a população da importância de cultivar as tradições à mesa. No Educação ao Sabor, por exemplo, alunos de escolas públicas aprendem a degustar produtos típicos de onde vivem e a valorizar as tradições do seu preparo.

Outra iniciativa "social": as Mesas da Fraternidade, nas quais se responsabilizam pela alimentação de comunidades carentes em países pobres ou em guerra. No Brasil, por exemplo, o Slow Food assumiu a cozinha de um hospital em Rondônia que atende a população indígena.

"Eles escolheram o hospital porque a maioria dos índios adoecia de subnutrição, já que não se adaptavam aos hábitos alimentares da cidade", conta Margarida Nogueira, uma das fundadoras do convívio do Rio de Janeiro, o pioneiro no Brasil, cujo primeiro grande jantar de degustação estava previsto para a terça-feira passada, no restaurante Grottamare.

O Rio Grande do Sul também já tem um convívio, e a Bahia está formando o seu. Para tanto, basta reunir um grupo de descontentes com a interferência do ritmo frenético da vida moderna nas tradições gastronômicas locais e solicitar aprovação do comitê central.

"Parece fácil, mas dá trabalho porque, hoje em dia, quase ninguém tem tempo livre para se dedicar ao que gosta", afirma o co-fundador do convívio carioca, Gianni Cestrone, italiano que trocou Parma pelo Rio há 27 anos.

Para Petrini, apesar de a realidade brasileira ser muito diferente da européia, o Slow Food tem tudo para crescer. "Há recursos naturais extraordinários. Mas eles estão ameaçados porque o país corre o risco de virar terra de experimentação transgênica, comprometendo a imensa biodiversidade vegetal e animal".

Um dos maiores entraves ao boom do Slow Food no país é preço dos alimentos artesanais. "O produto agroalimentar de qualidade custa caro porque sua produção é fruto de um longo trabalho. Felizmente, já existe hoje um grupo de consumidores de várias classes sociais que opta por produtos tradicionais porque sabe que eles trazem embutidos conhecimentos de várias gerações", diz Petrini.

Para Gianni Cestrone, a mudança nos hábitos de consumo já chegou ao Brasil. "Há uns 15 anos, quando iam a restaurantes, os brasileiros só se preocupavam com a abundância. Hoje, exigem qualidade. Essa mudança começou com os de maior poder aquisitivo, mas tem efeito cascata e vai atingir todo mundo."

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