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08/02/2001 - 06h20

Lélia Abramo, 90, reafirma pensamento humanista

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VALMIR SANTOS, da Folha de S.Paulo

Quando estreou profissionalmente no palco, aos 47 anos, Lélia Abramo dispunha de ferramenta-chave para qualquer intérprete, sobretudo aquele que começava tarde: sua própria história de vida.

Para fazer Romana em "Eles Não Usam Black-Tie" (1958), na primeira montagem da peça seminal de Gianfrancesco Guarnieri, ela ancorou emoções passadas nas cenas de choro, no melhor estilo do teórico russo Constantin Stanislaviski (1863-1938), cujas técnicas de construção e interpretação do personagem chegaram ao Brasil naquela mesma década.

"Buscava nas lembranças alguma coisa que havia me machucado, que
servisse como lastro para me comover", diz a atriz paulista.

Hoje, quando completa 90 anos, Lélia Abramo rememora com frescor o mesmo
filme que passava pela sua cabeça "na busca da verdade do personagem".

Lembra, por exemplo, o dia em que, criança, quase levou uma surra de dona Yole, a mãe, quando disse que gostaria de ser bailarina ou atriz, herança do estigma que cercava as atividades à época.

Resgata ainda algumas das terríveis experiências que viveu nos 12 anos em que morou na Itália, entre 1938 e 1950, quando testemunhou dramas coletivos em consequência da Segunda Guerra Mundial (bombardeios, comida racionada, suspensão da liberdade de ir-e-vir) e dramas pessoais como a extirpação, em 1944, de um ovário sadio, erro médico que a impossibilitou de ter filhos.

Dramas e tragédias, de fato, dominaram a carreira. Transitou de Aristófanes ("Lisístrata") e Shakespeare ("Ricardo 3º") a Lorca ("Yerma") e Brecht ("Mãe Coragem"), passando por Beckett ("Esperando Godot") e Ionesco ("Os Rinocerontes").

"Eu nunca fui à escola de teatro, mas aprendi que um ator não precisa nascer gênio. Ele tem que assimilar a necessidade de expressar o gesto e colocar a voz na hora de transmitir suas emoções."

Não demorou muito, e logo chegou à televisão. Foram cerca de 40 teleteatros, sobretudo no "Grande Teatro Tupi", a partir do final dos anos 50, quando a extinta emissora transmitia o programa ao vivo, potencializando a interpretação. Também participou de 27 novelas (Excelsior, Tupi, Record, Globo e Manchete).

Mas uma conversa com Lélia Abramo transcende a sua condição de atriz. Seu pensamento humanista está impregnado na fala, ainda que desconverse. "Quem você pensa que eu sou, uma filósofa, uma professora? Sou ninguém, apenas uma pobre atriz que deixou de ser atriz e leu uma dúzia de livros, só isso", afirma.

O discurso comiserador contrasta com a mulher que, em 1934, aos 23 anos, atirava pedras contra os integralistas liderados por Plínio Salgado, na mesma praça da Sé que, 50 anos depois, a flagrou engajada na luta pelas Diretas-Já.

Cita-se ainda a mulher que presidiu o sindicato dos artistas em São Paulo e saiu em defesa dos direitos trabalhistas da classe, enfrentando a própria emissora na qual trabalhava, a TV Globo.

Anterior a tudo está o berço, a convivência com os pais, imigrantes
italianos, e com os seis irmãos, entre eles o jornalista Cláudio Abramo (1923-87) e o artista plástico Lívio Abramo (1903-1992).

Há um tanto de ceticismo com os rumos do país, do mundo globalizado. Persevera na autocrítica, acha que abdicou de si em vários momentos.
Contudo Lélia Abramo emana, por meio da arte e da vida, a crença "no ser humano e na sua afirmação como tal".
 

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