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26/02/2001 - 03h52

Cordel subverte o cânone

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ILVANA ARANTES, da Folha de S.Paulo

Uma literatura "avant la lettre" é a definição tradicional do cordel brasileiro. A contestação do cânone está em curso numa extensa análise de folhetos de cordelistas nordestinos que deve resultar no primeiro volume da prestigiosa coleção "Archivos" dedicado a autores vivos.

A proeza é mérito da estudiosa holandesa Ria Lemaire, doutora em estudos comparados de literatura medieval pela Universidade de Utrecht e integrante do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Poitiers (França), que coordena a "Archivos" em suporte eletrônico.

Em 1992, Ria Lemaire teve contato com o acervo de cordel brasileiro reunido pelo professor Raymond Cantel e depositado na Universidade de Poitiers (leia nesta página). A partir daí, observou que "essa literatura popular que nasce no Brasil no século 19, impressa, mas não escrita, em função da passagem direta da oralidade à impressão, apresenta muitas características comparáveis às das literaturas da Idade Média e do início dos tempos modernos na Europa".

E concluiu que "é preciso estudar a literatura de cordel sob a base do que ela é de fato, não simplesmente como uma fase anterior à literatura escrita, mas como uma literatura radicalmente diferente".

Para convencer os organizadores da coleção "Archivos" -que reúne institutos de estudos literários de 11 países e a Unesco- da pertinência de realizar um volume sobre o cordel brasileiro, a pesquisadora precisou solapar alguns preceitos da coleção, como as noções de autor, leitor e obra dadas por imutáveis e definitivas.

"Archivos" produziu até hoje 50 títulos, sempre com a pretensão de promover uma análise textual, crítica e historiográfica-cultural que esgote a avaliação de uma obra (acabada) ou um autor (falecido).

Entre os 16 brasileiros que já foram ou estão sendo abordados pela coleção, citam-se Euclides da Cunha ("Os Sertões"), Gilberto Freyre ("Casa Grande e Senzala"), Sérgio Buarque de Holanda ("Raízes do Brasil"), Caio Prado Jr. ("A Formação do Brasil Contemporâneo") e Graciliano Ramos ("Memórias do Cárcere").

Na argumentação em defesa do cordel, Ria Lemaire recorreu novamente à comparação com características da literatura medieval. Nesta última, a pesquisadora explica que "o termo autor, por exemplo, podia assumir vários significados diferentes: o que compõe oralmente o texto, o que canta, o que dita, o que anota, o que copia ou o mecenas que paga o copista".

A pesquisadora diz que "se hoje a maioria dos poetas sabe ler e escrever, às vezes até produzir seus folhetos em computador e enviá-los por Internet, o cordel não se tornou, por isso, uma literatura escrita, no senso moderno do termo. Os poetas continuam criando mentalmente seus textos, para anotá-los só depois".

A decisão de dedicar um volume da coleção "Archivos" ao cordel brasileiro foi tomada em 1998 e nesse mesmo ano a especialista holandesa esteve no Brasil, buscando colaboradores para o projeto. Os professores Gilmar de Carvalho (Universidade Federal do Ceará), Elba Braga Ramalho (Universidade Estadual do Ceará) e Francisca Neuma Fechina Borges (Universidade Federal da Paraíba) são alguns dos convidados.

No próximo mês, Ria Lemaire desembarca novamente no país e intensifica os contatos para a definição dos autores e a produção dos textos analíticos sobre suas obras. Mas não há prazo para que o volume esteja concluído. "Os projetos "Archivos" levam sempre vários anos", diz.
 

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