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09/03/2001 - 03h53

Autran e Thomas abrem a nova temporada de teatro

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VALMIR SANTOS, da Folha de S.Paulo

A temporada teatral de 2001 começa para valer em São Paulo esta semana, com cinco grandes estréias. Hoje é a vez de "Dia das Mães", de Jeff Baron, autor norte-americano que Paulo Autran retoma depois de "Visitando o Sr. Green" (2000), agora como diretor, e de "Esperando Beckett", criação de Gerald Thomas.

Autran, 78, e Thomas, 46, nunca trabalharam juntos. Têm em comum montagens com as atrizes Tonia Carrero e Bete Coelho -e a ligação com Beckett: o ator foi dos primeiros a interpretar no país o dramaturgo irlandês, que ancora a trajetória do diretor. Reunidos pela Folha, os dois chegaram a esboçar a possibilidade de uma primeira parceria.

"Não há peça de suspense mais extraordinária do que o "Édipo Rei", de Sófocles", diz Autran, sobre a tragédia grega que interpretou em 67. "Então é essa que a gente vai fazer", entusiasma-se Thomas. Mas o ator dissimula. "Estou muito velho."

Em comum, os novos espetáculos de ambos trazem personalidades da televisão. Marília Gabriela está à frente do elenco da Cia. de Ópera Seca em "Esperando Beckett", enquanto Adriane Galisteu divide a cena com Karin Rodrigues, Ilana Kaplan e Patrícia Gaspar em "Dia das Mães". Thomas justifica: "Eu estou brincando com a Gabi, faço isso de uma maneira crítica". Ele também pretende dirigir Reynaldo Gianecchini numa versão de "Hamlet", de Shakespeare. "Ele será um príncipe da Dinamarca despreparado. Preciso de um ator despreparado para demonstrar uma pessoa despreparada no mundo de hoje."

Folha - Vocês pertencem a gerações distintas do teatro brasileiro. Como se situam em relação ao trabalho um do outro?
Gerald Thomas -
Não tenho nenhuma diferença ideológica com o Paulo Autran. Acho que somos absolutamente a mesma coisa. Melhor, tenho que me colocar modestamente, espero chegar um dia ao ponto eclético a que ele chegou. Ou seja, poder fazer Noel Coward, "My Fair Lady" (musical de Frederick Loewe e Alan Jay Lerner, 62), dirigir Bete Coelho ("Pai", 99), trabalhar com Ulysses Cruz ("Rei Lear", 96), enfim, poder fazer absolutamente o que quiser.

Paulo Autran - Eu o admiro muito como diretor, sua capacidade de criar o clima certo para determinada cena. Lembro, por exemplo, da entrada da Fernandinha (Torres) em "The Flash and Crash Days", uma cena em que acontecia um drama de violência incrível e, de repente, aquilo se transformava numa coisa leve, divertida. Quem vê suas peças tem a impressão de que está vendo teatro em países desenvolvidos. A iluminação, o cenário, som, enfim, tudo tem muito rigor técnico.

Thomas - O Paulo é talvez o único ator com quem eu quisesse ter trabalhado e não o fiz porque as circunstâncias não o permitiram. Ano após ano, falávamos sobre isso, desde "Quartett", com a Tonia (Carrero, em 86). Quando assisti "Tartufo", nunca vi um olhar brilhar tanto, um carisma ser transportado com tanta facilidade entre um corpo e uma platéia. Essa, para mim, é uma coisa do Paulo de que nem sei se ele tem consciência, mas nasceu com ele.

Folha - Você acha que seria diferente se você tivesse seguido a carreira de ator, antes de partir para a encenação?
Thomas -
Eu sou péssimo ator.

Autran - Você tem certeza?

Thomas - Sou péssimo ator. Eu sou um absoluto bufo (ator ou personagem encarregado de fazer rir o público com mímicas, esgares etc.), na "commedia dell'arte" eu poderia fazer o peido. (risos)

Eu admiro as pessoas que fazem o que o Paulo faz. Não se espera de Paulo Autran a quebra de grandes conceitos teatrais, mas a gente sabe que, intrinsecamente, a coisa é estimulante, muito bem dirigida, porque, como diretor, ele sabe chegar no cérebro do ator. Entende o drama pessoal do ator melhor do que eu.

Autran - Eu me considero muito mais ator do que diretor. Dirijo de vez em quando -e só peças que não precisam de grandes encenações. Uma peça que eu leia e veja que, se os atores interpretam bem, funciona. Não ousaria dirigir um texto totalmente moderno, em que fosse necessária uma criação de um certo tipo de cena. Mas, se o trabalho é criar um personagem, vê-lo aflorar dentro do ator, é o tipo de trabalho que gosto de fazer. É pegar o ator, indicar aqui, exigir ali, para que o personagem vá surgindo dentro dele. A minha alegria é quando percebo que o ator está começando a entender e a fazer o personagem.

Folha - Tonia Carrero e Bete Coelho servem como pontos de intersecção entre seus trabalhos.
Autran -
A Tonia é fã do Gerald. "Quartett", com ela e o Sérgio Britto, era esplêndida. Foi uma peça que, quando li, jamais entendi. Achei muito difícil, muito hermética. Vendo o espetáculo, entendi toda a peça, o que o autor tinha dito e o porquê do título.

Folha - Nas suas novas peças, há presenças marcadas pela televisão, recém-chegadas ao palco. Quando dois nomes do primeiro time do teatro as colocam em cena, não ocorre aí um choque?
Thomas -
Comigo, faço há muito tempo uma coisa que fica no meio do caminho entre a verdade e a ficção total. Eu não me canso de dizer isso. Quanto eu botei o Julian Beck (ator norte-americano) no palco ("Beckett Trilogy", 85), na única vez em que ele atuou fora do Living Theatre, morrendo de câncer, fazendo o papel de um ator que morria de câncer, eu estava "incestuando" a verdade com a mentira.

Depois eu botei Fernanda Montenegro e Fernanda Torres ("The Flash and Crash Days", 91), mãe e filha na vida real, e isso me interessava, pegar figuras da vida real e colocá-las no palco. A Gabi que está na sua televisão, em casa, é a mesma que está em cena. Não me interessa transformá-la numa outra pessoa. De certa maneira, reproduzo um ambiente de televisão. A Marília Gabriela entrevistadora espera Beckett no estúdio e, de repente, surta porque ele não aparece.

Autran - Eu nunca vi Adriane Galisteu na televisão. O mito da televisão nunca me interessou. Eu a vi fazendo um papel em "Deus lhe Pague", no qual era a melhor coisa do espetáculo. Em "Dia das Mães", precisava de uma atriz que fosse bonita, elegante e boa atriz, e o primeiro nome que me veio à cabeça foi o dela. Agora, depois disso é que vi a celeuma que levantei, e essa celeuma não me interessa em nada.

Folha - Como você trabalhou esse aspecto? Houve alguma evolução de "Deus lhe Pague" para "Dia das Mães"?
Autran -
São personagens completamente diferentes, por isso que ela, sem dúvida nenhuma, é uma atriz. Se vai querer continuar a fazer teatro, não sei. Por enquanto, é uma boa atriz.

Thomas - Esses termos são muito complicados. Tem que ser feita justiça com uma geração que atravessou culturalmente tantas coisas, que é essa do Paulo, da Tonia (Carrero), da Fernanda (Montenegro): ser um grande ator ou atriz só era possível depois de muita dedicação, décadas de trabalho, depois de atravessar muitos desertos com único copo d'água. Não se pode decretar um "fenômeno teatral" porque pisou três vezes no palco. A mídia inventa um mito todo dia.

Folha - Quando você escolhe Marília Gabriela, Gianecchini, você também não está se apropriando desse mesma mídia?
Thomas -
Eu estou brincando com a Gabi, faço isso de uma maneira crítica. A Gabi é um ser humano extraordinário, cheio de inteligência, voracidade, ela é cáustica.
 

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