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21/03/2001 - 03h57

Evento se perde no ineditismo e vira produto de limpeza

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ANTÔNIO ARAÚJO, especial para a Folha

Escrever sobre o Festival de Teatro de Curitiba causa um sentimento contraditório: ao mesmo tempo em que há um desejo irado de que o festival recupere o seu fôlego inicial, parece que estamos, na verdade, jogando ainda mais o jogo do inimigo. Aos organizadores parece interessar apenas a centimetragem de jornal ou a minutagem televisiva.
Falar bem ou mal, não importa, desde que se fale dele, desde que se ocupe espaço de mídia com a logomarca do festival. E é isso: o festival virou uma logomarca. Triste fim para um projeto inicial bastante ambicioso, que pretendia fazer um balanço do teatro brasileiro contemporâneo. Triste comemoração de 10 anos...

Já se falou muito mal do FTC. E nada mudou. Se existisse uma possibilidade de o festival se recuperar, ela só aconteceria quando parássemos de falar do FTC. O dia em que a mídia se esquecesse do festival. Esse sim poderia ser um dia de ressurgimento dele -ou de sua morte definitiva. É preciso que se apaguem os refletores sobre o festival para que ele possa renascer ali. Além, é claro, do resgate de alguns pressupostos básicos que se perderam ou se desfiguraram no último decênio.

Esses meninos-organizadores (já não tão meninos e muito menos organizadores) não são de teatro e respeitam muito pouco os artistas de teatro. Aquilo que poderia ser um dos festivais mais consistentes do país virou um festival mixo, esquálido, anêmico. Não por força de muitos dos trabalhos apresentados ali que, graças a Deus, conseguem suplantar a acefalia e a afasia de uma organização frouxa, trazendo um vigor cênico inesperado e corrigindo equívocos de escolha. O teatro brasileiro continua sendo muito mais rico e forte do que o festival que supostamente o representa.

Mas não falta apenas organização: falta idéia, falta um pensamento articulador. O FTC não tem uma cara, não tem um eixo, não tem um projeto artístico claro e definido. Tem apenas projeto de marketing. Não sei quem está fazendo a curadoria recentemente, mas tenho a impressão de que os curadores em Curitiba são mais aconselhadores, ficando a palavra final, a batida de martelo, a cargo dos meninos-divulgadores. É necessário, portanto, uma curadoria que tenha poder absoluto na definição da programação e que coloque os meninos-produtores no seu devido lugar: busca de patrocínio e assessoria de imprensa. E, de verdade, lamento muito que o festival tenha chegado aonde chegou. A possibilidade de romper o eixo Rio-São Paulo, a possibilidade de ver o melhor de Manaus, de Recife, de Goiânia, enfim, o teatro mais vibrante que se faça por esse Brasil afora, concentrado num único lugar durante duas semanas, vai por água abaixo. Quer critério mais pífio que esse do ineditismo? Ter de estrear em Curitiba? Para quê?! Apenas, é claro, para ter mais mídia. Uma estréia é sempre um tiro no escuro. Construir um festival em torno disso, portanto, é tiroteio de cego. E o critério da qualidade, do melhor da produção nacional, que deveria nortear o perfil do evento?

Além do que, o festival tem pouquíssimo espaço para a reflexão. Onde estão as mesas-redondas, os seminários e as palestras dos primeiros anos? Minguaram totalmente. Pois a preocupação está muito mais em conseguir trazer a última "starlet" televisiva ou o primeiro modelo/manequim alçado a ator do momento, do que em abrir um espaço de encontro para os artistas de teatro e um fórum crítico de discussão e debate sobre o teatro brasileiro atual. Por que então não fazer um Festival da Moda de Curitiba? Ou um Festival dos Assessores de Imprensa de Curitiba? Por que insistem num festival de teatro?

E não quero entrar na lavação de roupa suja, falando dos inúmeros
episódios de desorganização de produção, de irracionalidade de logística, enfim, de amadorismo e desrespeito a que eu, integrantes do meu grupo e outros artistas e técnicos de outros grupos e companhias já passaram por ali. Muito espaço de papel seria gasto com isso e nos perderíamos num pântano de detalhes com uma sabida incompetência que já se tornou folclórica no meio teatral. Não vale a pena.

Talvez, no fundo, esse desabafo tenha a ver com um carinho enviesado pela única cidade além de São Paulo em que apresentamos as três peças da Trilogia Bíblica do Teatro da Vertigem ("O Paraíso Perdido", "O Livro de Jó" e "Apocalipse 1,11") e uma sensação revoltada de que ela não merece ter o festival que ora tem.

Não quero mais falar sobre o FTC. Não quero mais participar. Não nesses termos. Como disse, tenho a sensação de estar gastando tinta à toa. De estar compactuando com uma bagunça e sujeira que nem todo o sabão em pó do mundo conseguiria limpar.
 

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