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27/10/2000 - 16h57

Clint Eastwood manda vovôs para o espaço

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da Folha de S.Paulo

A cena de abertura já define "Caubóis do Espaço". É uma paisagem de faroeste, magnífica, desértica, horizontal. Após alguns segundos, a imagem é atravessada por um avião que sobe rápido como um foguete, desviando o olhar do espectador da horizontal para a vertical e do Velho Oeste para o espaço sideral.

Nesse conjunto de imagens está o olhar de Clint Eastwood para a América: do passado para o futuro, permanece o mito de uma terra de homens movidos pelo espírito de aventura e pela exploração de territórios desconhecidos.

Já por aí se vê que "Caubóis do Espaço" abandona o forte tom de crítica dos últimos filmes do autor. Acima das imperfeições, existem um espírito e uma mitologia nacionais que fazem dos EUA os EUA _uma nação sustentada em sonhos.

Essa é ao menos uma parte da história. Porque Clint Eastwoood se situa aqui, ainda uma vez, na contracorrente do cinema americano atual. Se este se funda sobre o mito da juventude e tem nos adolescentes o público-alvo e a inspiração (daí o filme médio atual ser programaticamente simplório), Clint vai ao extremo oposto e faz o elogio da terceira idade.

Conforme o roteiro, quatro talentosos oficiais da Aeronáutica _a equipe Dedalus_ são afastados do programa espacial em 1958 e substituídos por um chipanzé. Muitos anos depois, o acaso lhes dá a oportunidade de, finalmente, entrar numa nave oficial: um satélite russo está batendo pino no espaço, ameaçando a Terra, e ninguém entende o funcionamento daquela engenhoca.

Por sorte, descobre-se que seu sistema operacional era o mesmo do Skylab, cujo projetista era ninguém menos que Frank Corvin (Clint Eastwood). Só ele poderia proceder aos reparos necessários.

É a chance para Frank chantagear seus velhos desafetos da Nasa. Ou a equipe Dedalus _ele, Tommy Lee Jones, Donald Sutherland e James Garner_ vai ao espaço ou a Nasa que se vire. Em resumo, a Nasa se vê na circunstância inédita de enviar quatro vovôs ao espaço.

A partir daí, a reflexão de Clint se volta sobretudo para o que esses septuagenários podem fazer que outros mortais não podem. Embora celebre o idoso em detrimento do jovem e o passado contra o presente, com muito humor, por sinal, não devemos nos enganar: o passado só se realiza no presente e o velho, no novo.

Vale dizer que, na teoria da evolução de Clint Eastwood, o espaço sideral decorre do faroeste, o astronauta do caubói, o homem do chipanzé. Mas, para que essa sucessão ocorra, é preciso que um esteja contido no outro. O astronauta traz consigo o caubói, o mesmo anseio de pisar num solo intocado, o mesmo sentido de liberdade.

Assim também o homem leva consigo o chipanzé, que é a representação de sua infância como espécie. Nesse sentido, o passado incide sobre o presente.

Mas a recíproca é também verdadeira. O sonho que os quatro senhores em questão realizam é um sonho de juventude. Mais do que isso, um sonho infantil (de certa forma, todos os sonhos pertencem à infância, estágio em que o imaginário não se confronta com as vicissitudes da realidade).

Se o passado precede e rege o presente, o presente se apresenta como possibilidade de concretização da infância, mais do que de sua superação.

Por isso os senhores da Dedalus nos oferecem o estranho espetáculo de quatro velhos corpos habitados por mentes infantis, realizando, enfim, sua revanche contra o chipanzé (chipanzé/início do homem), mas também seu sonho infantil. O tempo é circular como a órbita de uma nave em torno da Lua.

Nesse sentido, Clint Eastwood, embora se afaste do infantilismo do cinema americano, termina por, no limite, reconciliar-se com ele: o velho e o novo, o caubói e o astronauta, são faces conflitantes, mas não excludentes, do que faz a grandeza dos EUA: a fidelidade a seus mitos fundadores.
 

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