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24/03/2001 - 03h57

Oscar 2001: A televisão faz do espectador um eterno torcedor

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INÁCIO ARAUJO, da Folha de S.Paulo

Diante da fraqueza alucinante de quase todos os filmes indicados para o Oscar 2000 talvez venha ao caso perguntar por que o mundo se mobiliza tão intensamente em torno da cerimônia que acontece amanhã.

A comparação que me ocorre não vem do cinema, mas da TV paga. Ela demonstrou que podemos torcer por qualquer coisa. Sabíamos que era possível sofrer intensamente por um time de futebol. Hoje, torcemos para o que for. Para um nadador, um piloto de automóvel, um golfista ou até para a seleção sub-17. Queremos torcer no Oscar também, por que não?

A TV é um aparelho propício à torcida. Um dos programas mais instrutivos da atualidade é o "Show do Milhão", do Silvio Santos. Ali, um sujeito claramente humilde, para começar, expõe suas pretensões: precisa comprar uma casa; se ganhar R$ 30 mil, consegue comprar uma em sua cidadezinha.

Começam as perguntas, cujo grau de dificuldade não corresponde, aparentemente, ao valor disputado.

Imaginemos uma: qual o imperador que pôs fogo em Roma? As respostas possíveis seriam mais ou menos assim: a) Franklin Roosevelt, b) Nero, c) Napoleão Bonaparte, d) Stálin, e) Alexandre, o Grande.

O sujeito coça a cabeça, faz cara de sofrimento. Para ele, Nero e Napoleão, Roosevelt e Alexandre são apenas nomes, significantes desprovidos de qualquer significado.

Percebemos que o mundo não deu a ele as referências mínimas para estar no mundo. Por isso mesmo torcemos descaradamente para que acerte a pergunta e compre a tal casa.

Mas nada. Ele baixa a guarda e, incauto, pede "ajuda aos universitários". Justo, pois não é a universidade o templo do saber?

Bem, aí vem o universitário, de smoking, e diz mais ou menos o seguinte: "Eu acho que foi Napoleão, mas não tenho certeza, então não quero prejudicar o candidato". E assim segue o show (será preciso voltar a ele um dia), pois candidatos, espectadores e Silvio Santos sabem que de ilusão também se vive.

O que isso tem a ver com o Oscar? Nada, em princípio, exceto que prêmios nos fornecem parâmetros e chance de torcida. O milhão de SS é um parâmetro (em moeda corrente). A estatueta do Oscar é outro.

Por mais alheio que seja a premiações e a seus méritos, o fã de cinema percorre as salas, uma por uma, para ver os concorrentes e, no grande dia, sentar em frente à TV. Suporta as canções insuportáveis, o humor duvidoso do apresentador -que no entanto cativa a platéia do auditório- e aguenta incontáveis intervalos para propaganda. Depois se arrepende por ter ficado acordado até tão tarde.

Mas suporta a tudo, como no ano passado e no retrasado.
Sabemos que a história está repleta de injustiças. Hitchcock nunca ganhou o Oscar, nem Orson Welles, nem Howard Hawks. Teoricamente, bastaria para desmoralizar qualquer prêmio. Mas o Oscar permanece intocável.

Dos concorrentes a melhor filme e direção de 2000, o único que merece figurar entre os postulantes a um prêmio é "Traffic". No "Show do Milhão", os concorrentes, ao que parece, compram uma revista, depois são sorteados para ir ao programa. A escolha do Oscar dá a impressão de ser quase assim. Ou uma bobagem como "Billy Elliot" não estaria lá.

Mas não é bem assim. O Oscar expressa não necessariamente o que há de melhor no cinema, mas aquilo que a Academia (em linhas gerais, a comunidade cinematográfica dos EUA) projeta para o cinema, o momento político ou social.

O espectador, como o candidato do "Show do Milhão" que aceita o conselho dos universitários, recebe e aceita os parâmetros. Cegamente.

Porque esse é um paradoxo da sociedade do espetáculo: tudo é concebido em torno do olhar, mas ao mesmo tempo tudo é feito para que não possamos olhar com os próprios olhos. Uma tonelada de publicidade existe para impedir que isso aconteça. Impotente, o espectador torce. Eu, pessoalmente, acho que o cinema será melhor se "Traffic" vencer. De ilusão também se vive.

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