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25/03/2001 - 11h49

Grupos religiosos "excomungam" as novelas da Globo

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BRUNO GARCEZ
da Folha de S.Paulo

O misticismo que permeia as atuais tramas de novela da Globo está desagradando a diferentes correntes religiosas, dos evangélicos aos católicos carismáticos. Na última semana, os bispos líderes da Igreja Metodista do Brasil, que possui cerca de 270 mil membros, divulgaram um manifesto recomendando a seus fiéis não ver as novelas globais.

Segundo o texto, as atuais novelas das das 20h, "Porto dos Milagres", e das 18h, "Estrela-Guia", mostram práticas que "não combinam com a formação cristã do povo brasileiro... Uma das novelas exalta o candomblé e o culto a Iemanjá. Outra promove o esoterismo." De acordo com o documento, como as novelas contam com atores de grande popularidade, elas "acabam influenciando milhares de pessoas, particularmente os fãs adolescentes, a aceitarem uma espiritualidade mágica...". Na conclusão, o texto pede que as demais igrejas "cerrem fileiras no combate à programação de TV".

Diferentes expressões místicas servem de mote às atuais tramas globais. Em "Estrela-Guia", Sandy é Cristal, jovem que vive em comunidade hippie que cultua a natureza e segue ritos de purificação. Na novela das 19h, "Um Anjo Caiu do Céu", Tarcísio Meira vive um fotógrafo que sofre um atentado e é salvo pelo anjo Rafael (Caio Blat), que lhe dá mais seis meses de vida, desde que ele dê jeito em sua confusa vida familiar. A trama das 20h, "Porto dos Milagres", é protagonizada pelo pescador Guma (Marcos Palmeira), que é adepto do candomblé e fiel seguidor de Iemanjá.

As três novelas são desrecomendadas aos católicos por Reinaldo Beserra dos Reis, presidente do Conselho Nacional da Renovação Carismática, movimento católico conservador que prioriza a espiritualidade à ação social. "Um Anjo Caiu do Céu", a novela menos visada pelos religiosos, não é poupada por ele.

"Ela mostra uma atividade angelical que é uma caricatura. Não condiz com nossa doutrina. Não estamos em campanha, mas boicotamos as novelas que ferem a nossa fé." Outros carismáticos seguem essa visão. É o caso do frei Marcos Pereira da Silva, titular da paróquia Santo Antonio, em Cidade Ocidental (GO), que recomendou aos seus cerca de 25 mil fiéis a não assistir às novelas globais.

Outro religioso, metodista, o pastor Ronan Boechat de Amorim, que comanda a Igreja Metodista de Vila Isabel (zona norte do Rio), que tem cerca de mil fiéis, julga que o problema das atuais novelas é que, "quando certos ritos são especificados via TV, você fere outros grupos religiosos. Estão vendendo valores que não são os da maioria da população", diz. O pastor Paulo Lockman, presidente nacional da Igreja Metodista e um dos signatários do documento feito por bispos dessa denominação, chega a propor um dia em que os brasileiros desliguem seus televisores. No entender dele, "a Globo está fazendo propaganda religiosa em um Estado laico".

"Discordo dos bispos metodistas. Usamos o candomblé como elemento dramático, não como propaganda religiosa. A novela se baseia em dois livros de Jorge Amado ("A Descoberta da América pelos Turcos" e "Mar Morto'), nos quais o candomblé tem papel de destaque. Aliás, eu sou católico", diz Aguinaldo Silva, um dos autores de "Porto dos Milagres".
O co-autor da trama, Ricardo Linhares, diz que muito da religiosidade da novela é de tom farsesco. "Não defendemos nada. A novela traz situações absurdas que abordamos em tom cômico. Tomamos licenças poéticas com o culto de candomblé. Não o seguimos ao pé da letra."

A autora de "Estrela-Guia", Ana Maria Moretzsohn, possui argumento semelhante. Segundo ela, a comunidade de Cristal segue conceitos presentes em todas as religiões. A autora conta que em breve a trama terá um personagem evangélico altamente positivo. "Fora isso, não digo que viver em comunidade é melhor. Não faço apologia de nada. Sou cética, não esotérica."

Se a autora é cética, os evangélicos afirmam que a novela não é. "É absolutamente esotérica", diz o pastor Eli Fernandes, da Igreja Batista Liberdade, de São Paulo. Para ele, a Globo tem a intenção de "forjar uma propaganda". A emissora nega veementemente tal intenção. O pastor Fernandes não recomenda a seus fiéis deixar de ver as novelas, mas aconselha-os a terem senso crítico. O pastor presbiteriano José Antonio Pereira, da Igreja Presbiteriana Independente de Londrina, é mais enfático. "Não recomendo vê-las. Usam uma pessoa querida por todos, como Sandy, para vender um produto, uma idéia."

Polêmicas à parte, as tramas globais têm alcançado um índice de audiência expressivo. Na última segunda, no capítulo de "Porto dos Milagres" que exibiu uma disputa entre beatas e adeptos do candomblé, a novela atingiu 46 pontos de média no Ibope (cada ponto equivale a cerca de 80 mil telespectadores na Grande São Paulo) e 50 de pico.

Leia também: Globo diz respeitar credos

 

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