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03/04/2001
-
03h59
INÊS BOGÉA, especial para a Folha
Les Grands Ballets Canadiens apresentou, na última sexta-feira, no teatro Alfa, uma "Carmem" à brasileira, da coreógrafa holandesa Didy Veldman.
Figurinos urbanos, telefone celular, grade de arame, balcão de bar com telão de TV, prisões, assaltos: tudo foi usado para situar Carmem num Rio de Janeiro de hoje. Vale a pergunta: que tipo de exotismo o Brasil representa hoje no imaginário dos europeus?
A ópera "Carmem", de Georges Bizet (1838-75), combina uma história dramática de grande apelo (inspirada nas tramas narcisistas da mulher fatal do contista Merimée) com a partitura solar, direta, "espanhola" entre aspas. Sua influência foi enorme.
Demorou, é verdade, para chegar ao balé, mas uma primeira versão, coreografada por Roland Petit, em 1949, causou grande impacto. De lá para cá, muitas adaptações e releituras vêm compondo essa outra história da Carmem dançada.
A versão de Veldman divide-se em três partes. Na primeira, os movimentos deixam entrever o trabalho técnico dos bailarinos. Mas esses movimentos serão exaustivamente utilizados até o final da coreografia, e sua repetição não é o bastante para dar consistência à peça.
Lembrando um musical americano, o espetáculo vai pouco a pouco desaparecendo diante dos nossos olhos. Talvez esteja aí a principal contradição do espetáculo. Com ambições elevadas, cai e recai num registro médio.
É difícil saber como avaliar o resultado. Mas são as próprias pretensões da coreografia que pedem uma leitura rigorosa.
De outra perspectiva, num outro contexto, talvez a impressão final fosse melhor.
O primeiro solo de Micaela, dançado por Anik Bissonnet, foi um ponto alto do espetáculo. A fluidez e precisão com que Bissonnet executa os passos dão um ar de naturalidade a seu papel, que contrasta com o artificialismo teatral dos demais solistas.
Elementos da técnica clássica e moderna estão mesclados a movimentos de quadril e passos de jazz. Tudo a serviço de contar uma história. Mas será que não existe na dança alguma maneira de narrar sem cair no clichê?
A dança do toureiro Escamillo é um exemplo desse estilo gasto.
Transformado em roqueiro, seus movimentos estilizam uma coreografia de
discoteca.
Nas danças em conjunto, o efeito de cânone (repetição sucessiva de um mesmo movimento por mais de um bailarino) torna-se logo previsível: os bailarinos se organizam sempre em grupo, de frente para a platéia, e começam a dançar.
A Carmem de Geneviève Guérard foi inconstante. Mais à vontade na primeira parte sedutora com seu movimento de quadril, esteve afinada mais tarde nos duos com José (Petr Zuska).
Já na última parte da coreografia, de salto alto e vestido longo, seus movimentos perderam força. Mas com esse figurino fica mesmo difícil.
A música (de John Longstaff) vai da reorquestração de Bizet até adaptações e arranjos. Não há canto, e a orquestra de câmara faz uso caricatural de instrumentos como saxofone e guitarra.
Assalto, sedução, malandragem, exotismo. É isso o Brasil? Nada ajudou a "Carmem" carioca a ganhar uma cara nova, nem a nos mostrar a nossa.
O espetáculo não acrescenta nada à interpretação da história, simplesmente muda de tempo e de lugar.
Mas mudar para quê, se não for para reinterpretar as coisas?
Ambiciosa, "Carmem brasileira" cai e recai em registro médio
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Les Grands Ballets Canadiens apresentou, na última sexta-feira, no teatro Alfa, uma "Carmem" à brasileira, da coreógrafa holandesa Didy Veldman.
Figurinos urbanos, telefone celular, grade de arame, balcão de bar com telão de TV, prisões, assaltos: tudo foi usado para situar Carmem num Rio de Janeiro de hoje. Vale a pergunta: que tipo de exotismo o Brasil representa hoje no imaginário dos europeus?
A ópera "Carmem", de Georges Bizet (1838-75), combina uma história dramática de grande apelo (inspirada nas tramas narcisistas da mulher fatal do contista Merimée) com a partitura solar, direta, "espanhola" entre aspas. Sua influência foi enorme.
Demorou, é verdade, para chegar ao balé, mas uma primeira versão, coreografada por Roland Petit, em 1949, causou grande impacto. De lá para cá, muitas adaptações e releituras vêm compondo essa outra história da Carmem dançada.
A versão de Veldman divide-se em três partes. Na primeira, os movimentos deixam entrever o trabalho técnico dos bailarinos. Mas esses movimentos serão exaustivamente utilizados até o final da coreografia, e sua repetição não é o bastante para dar consistência à peça.
Lembrando um musical americano, o espetáculo vai pouco a pouco desaparecendo diante dos nossos olhos. Talvez esteja aí a principal contradição do espetáculo. Com ambições elevadas, cai e recai num registro médio.
É difícil saber como avaliar o resultado. Mas são as próprias pretensões da coreografia que pedem uma leitura rigorosa.
De outra perspectiva, num outro contexto, talvez a impressão final fosse melhor.
O primeiro solo de Micaela, dançado por Anik Bissonnet, foi um ponto alto do espetáculo. A fluidez e precisão com que Bissonnet executa os passos dão um ar de naturalidade a seu papel, que contrasta com o artificialismo teatral dos demais solistas.
Elementos da técnica clássica e moderna estão mesclados a movimentos de quadril e passos de jazz. Tudo a serviço de contar uma história. Mas será que não existe na dança alguma maneira de narrar sem cair no clichê?
A dança do toureiro Escamillo é um exemplo desse estilo gasto.
Transformado em roqueiro, seus movimentos estilizam uma coreografia de
discoteca.
Nas danças em conjunto, o efeito de cânone (repetição sucessiva de um mesmo movimento por mais de um bailarino) torna-se logo previsível: os bailarinos se organizam sempre em grupo, de frente para a platéia, e começam a dançar.
A Carmem de Geneviève Guérard foi inconstante. Mais à vontade na primeira parte sedutora com seu movimento de quadril, esteve afinada mais tarde nos duos com José (Petr Zuska).
Já na última parte da coreografia, de salto alto e vestido longo, seus movimentos perderam força. Mas com esse figurino fica mesmo difícil.
A música (de John Longstaff) vai da reorquestração de Bizet até adaptações e arranjos. Não há canto, e a orquestra de câmara faz uso caricatural de instrumentos como saxofone e guitarra.
Assalto, sedução, malandragem, exotismo. É isso o Brasil? Nada ajudou a "Carmem" carioca a ganhar uma cara nova, nem a nos mostrar a nossa.
O espetáculo não acrescenta nada à interpretação da história, simplesmente muda de tempo e de lugar.
Mas mudar para quê, se não for para reinterpretar as coisas?
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