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27/04/2001
-
05h12
SYLVIA COLOMBO, da Folha de S.Paulo
Durante a noite, lixeiros percorrem uma escura e misteriosa Lisboa. Por passar despercebido do cotidiano da cidade, o microuniverso dos catadores de lixo foi escolhido pelo diretor português João Pedro Rodrigues, 34, como base para o polêmico "O Fantasma", que estréia hoje em SP.
"Aquelas pessoas praticamente não existem, são como fantasmas. Seu mundo, que só existe no escuro, foi o ponto de partida para eu abordar a brutalidade do desejo sexual", disse.
Desde sua estréia internacional em Veneza, ano passado, o filme tem levantado polêmica pela forma violenta com que mostra o sexo e aborda a obsessão e a rejeição. A trama segue Sérgio (Ricardo Meneses), um lixeiro homossexual, em sua perseguição e observação de seus objetos de desejo no meio da escuridão lisboeta.
O diretor falou com a Folha na última terça-feira, durante sua passagem por São Paulo. Leia os principais trechos da entrevista.
Folha - O filme tem causado polêmica pelas cenas de sexo. Era essa a discussão que queria levantar?
João Pedro Rodrigues - Não. A polêmica me é estranha. Não fiz o filme para fazer escândalo. Minha preocupação era como filmar o desejo, como filmar um corpo. E o desejo que queria retratar era um desejo brutal. Sabia que ia causar polêmica e não posso ser ingênuo achando que não iria incomodar as pessoas, só que tive de ser brutal para dar à procura do personagem as cores de sua solidão e de seu desespero.
Folha - O desejo que você buscava era um desejo sem amor, não é?
Rodrigues - Sim, não se trata de um filme muito romântico. A dificuldade do protagonista (Sérgio) aparece justamente quando há um esboço de sentimento e ele não sabe que palavras usar.
Folha - O filme, aliás, é muito silencioso, quase não há diálogos.
Rodrigues - Sim, é o grande drama de Sérgio. Ele só consegue se aproximar do rapaz que deseja por meio da violência. O caminho que constrói é composto de outras relações que são cada vez mais brutais. Ele age como se estivesse à caça, agarra a presa, arrasta até seu esconderijo e depois não sabe o que fazer com ela. Porque a partir daí teria de haver diálogo, e ele não consegue enfrentar isso.
Folha - Por que Lisboa aparece de forma quase abstrata?
Rodrigues - Ela tinha de ser abstrata para se parecer um pouquinho com o que há na cabeça de Sérgio, é quase imaginária. E é também a Lisboa do meu imaginário. É a parte dela de que mais gosto, da fronteira entre o campo e a cidade. As cenas foram feitas no norte de Lisboa, ali ela não parece ser uma grande cidade.
Folha - Você demorou para achar seu protagonista, por que?
Rodrigues - Para o personagem de Sérgio eu procurava, antes de tudo, um corpo. Quando vi o Ricardo Meneses, disse: é este. Acabei mudando um pouco a trama para que combinasse com o corpo dele, com o olhar dele.
Folha - O corpo determinou a história, então?
Rodrigues - Sim, ele é muito importante. Para mim, o cinema é sempre como filmar um determinado sítio com determinados corpos e contar uma história.
Folha - O filme será exibido no Brasil com legendas. O que acha?
Rodrigues - Acho que causa confusão e fico surpreso com o fato de que as pessoas no Brasil não percebem o que digo, que não estão familiarizadas com o português de Portugal. Mas se as legendas ajudarem as pessoas a entenderem o filme, tudo bem.
Filme "O Fantasma" ronda a brutalidade do desejo
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Durante a noite, lixeiros percorrem uma escura e misteriosa Lisboa. Por passar despercebido do cotidiano da cidade, o microuniverso dos catadores de lixo foi escolhido pelo diretor português João Pedro Rodrigues, 34, como base para o polêmico "O Fantasma", que estréia hoje em SP.
"Aquelas pessoas praticamente não existem, são como fantasmas. Seu mundo, que só existe no escuro, foi o ponto de partida para eu abordar a brutalidade do desejo sexual", disse.
Desde sua estréia internacional em Veneza, ano passado, o filme tem levantado polêmica pela forma violenta com que mostra o sexo e aborda a obsessão e a rejeição. A trama segue Sérgio (Ricardo Meneses), um lixeiro homossexual, em sua perseguição e observação de seus objetos de desejo no meio da escuridão lisboeta.
O diretor falou com a Folha na última terça-feira, durante sua passagem por São Paulo. Leia os principais trechos da entrevista.
Folha - O filme tem causado polêmica pelas cenas de sexo. Era essa a discussão que queria levantar?
João Pedro Rodrigues - Não. A polêmica me é estranha. Não fiz o filme para fazer escândalo. Minha preocupação era como filmar o desejo, como filmar um corpo. E o desejo que queria retratar era um desejo brutal. Sabia que ia causar polêmica e não posso ser ingênuo achando que não iria incomodar as pessoas, só que tive de ser brutal para dar à procura do personagem as cores de sua solidão e de seu desespero.
Folha - O desejo que você buscava era um desejo sem amor, não é?
Rodrigues - Sim, não se trata de um filme muito romântico. A dificuldade do protagonista (Sérgio) aparece justamente quando há um esboço de sentimento e ele não sabe que palavras usar.
Folha - O filme, aliás, é muito silencioso, quase não há diálogos.
Rodrigues - Sim, é o grande drama de Sérgio. Ele só consegue se aproximar do rapaz que deseja por meio da violência. O caminho que constrói é composto de outras relações que são cada vez mais brutais. Ele age como se estivesse à caça, agarra a presa, arrasta até seu esconderijo e depois não sabe o que fazer com ela. Porque a partir daí teria de haver diálogo, e ele não consegue enfrentar isso.
Folha - Por que Lisboa aparece de forma quase abstrata?
Rodrigues - Ela tinha de ser abstrata para se parecer um pouquinho com o que há na cabeça de Sérgio, é quase imaginária. E é também a Lisboa do meu imaginário. É a parte dela de que mais gosto, da fronteira entre o campo e a cidade. As cenas foram feitas no norte de Lisboa, ali ela não parece ser uma grande cidade.
Folha - Você demorou para achar seu protagonista, por que?
Rodrigues - Para o personagem de Sérgio eu procurava, antes de tudo, um corpo. Quando vi o Ricardo Meneses, disse: é este. Acabei mudando um pouco a trama para que combinasse com o corpo dele, com o olhar dele.
Folha - O corpo determinou a história, então?
Rodrigues - Sim, ele é muito importante. Para mim, o cinema é sempre como filmar um determinado sítio com determinados corpos e contar uma história.
Folha - O filme será exibido no Brasil com legendas. O que acha?
Rodrigues - Acho que causa confusão e fico surpreso com o fato de que as pessoas no Brasil não percebem o que digo, que não estão familiarizadas com o português de Portugal. Mas se as legendas ajudarem as pessoas a entenderem o filme, tudo bem.
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