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10/05/2001 - 04h15

Itamar e Naná estabelecem "conexão SP-PE" e gravam "Preto Brás 2"

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

"É natural, batuque de dois pretos", sintetiza o paulista Itamar Assumpção, 51, definindo seu encontro musical com o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos, 56. Depois de uma semana internados no estúdio e ao menos 14 músicas preparadas, a fase inicial de gravações de "Preto Brás 2 - Naná Vasconcelos e Itamar Assumpção - Tem que Ter Repercussão" está concluída.

Eles seguem a sina: não há ainda gravadora interessada pelo disco. No tempo ganho com a resistência às pressões do mercado, homenageiam Clementina de Jesus ("canto "Leonor" "clementinamente", brinca Itamar) e trocam experiências: Naná se embrenha pelos ritmos e textos urbanos de Itamar, Itamar aprende com Naná a soar tribal. Leia trechos da entrevista que deram juntos à Folha, antes de Naná voltar a Recife.

Folha - Qual é a afinidade entre vocês dois?
Itamar Assumpção -
No Brasil é assim. Tem que ralar, um para um lado e outro para o outro, até ficarmos livres para nos encontrarmos. É a referência perdida de música brasileira que parte da criatividade, e não da repetição. Eu estava entubado lá no Hospital das Clínicas, Zeca Baleiro encontrou Naná no Percpan, não foi?

Naná Vasconcelos - Foi, eu perguntei a Zeca como estava Itamar, ele disse: "Está aí, assim...". Fiquei com vontade de vê-lo. Estava lá cheio de tubos, falou-se em gravação, e ele já falou: "Estou bom, vamos lá" (ri). Música cura...

Itamar - A primeira vez que ouvi Naná foi com Milton Nascimento, "Pai Grande". É do meu aprendizado. Eu cheguei depois, eles já estavam na estrada. Os negros brasileiros são da música mesmo. A gente conseguiu sair fora da escravidão mercadológica e hoje pode se dedicar exclusivamente à música.

Naná - Não é um produto, a gente está querendo fazer produção de música brasileira. Fui embora do Brasil muito cedo, mas fiquei sabendo que havia um grupo de pessoas que faziam um trabalho com música diferente dos outros: Arrigo Barnabé, Tetê Espíndola, Itamar. E agora eu queria encontrar Itamar, saber como ele está. O encontro acabou virando disco.

Itamar - Quando me deram o recado, eu estava entubado. Aí apressei um pouco a coisa, saí e liguei para o cara: "Vou compor".

Naná - É, e logo disse: "Já compus, já escrevi umas coisas aqui, Naná e Assumpção, tem que dar repercussão". Eu vi que o homem estava danado. Cheguei ao estúdio e já havia três ou quatro músicas feitas. Cheguei antes dele para que, quando ele chegasse, já tivesse minhas coisas também.

Itamar - Minha vingança será maligna, porque ele vai embora -é a conexão São Paulo-Pernambuco. Ele longe não vai dar certo. Quando for ouvir (risos)...

Naná - Não é algo pré, que eu tenha levado cassete para casa para ouvir antes, pensar em que instrumentos eu ia usar. É fantástico, porque sou um músico improvisador. É espontâneo, tenho que ficar totalmente disponível e aberto para entrar dentro da cabeça dele. No meu trabalho pessoal, lido muito com dar ênfase à coisa visual da música. E ele está me possibilitando uma coisa que normalmente não faço, lidar com ritmos. Uso a percussão para fazer sons no meu trabalho pessoal e, trabalhando com o groove, a levada e o balanço do Itamar, posso fazer percussão rítmica também.

Itamar - Nesses dois "Preto Brás", há o respeito com o texto, com o texto do som e com o som. Na verdade não precisava falar nada, seria um disco só com sons. Mas o Brasil não comporta uma coisa dessas, somos um país da oralidade, aqui música instrumental não tem um centro.

Folha - Naná, você concorda?
Naná -
Ah, isso é uma realidade. Não tenho contrato decente com gravadora nenhuma no Brasil, Hermeto Paschoal também não. A palavra no Brasil dominou todos os movimentos. Falava-se de amor, sorriso e flor, depois veio o tropicalismo falando de problemas sociais. Sempre foi assim. É uma pena que atualmente a palavra virou esses textos que estão aí.

Itamar - É isso que estamos aqui mostrando, independentemente de mercado ou de movimento. A liberdade ficou como sinônimo de maldição. Itamar é maldito? Não, Itamar é livre, é insuportável isso. Quem pode na música brasileira se juntar e fazer um trabalho como esse? Só eu e Naná.

Folha - Gilberto Gil e Milton Nascimento fizeram...
Naná -
Ali são clássicos.

Folha - O título é esse: Naná Vasconcelos e Itamar Assumpção? Tem que ter repercussão. Que é isso? É óbvio. Não sei por qual gravadora, mas tem que ter.
Naná -
Não é produto. É um disco, um som simples.

Folha - Simples? Só voz de Itamar e percussão de Naná?
Itamar -
É simples porque tem partidão alto com palmas, só. É simples, não simplório.

Naná - A base somos nós dois, o que não impede que entre violoncelo, um sopro aqui, outra coisa ali. Não é folclore, sabemos o que está acontecendo no mundo. Na frente estamos nós dois.

Folha - Quantas horas por dia vocês têm trabalhado juntos?
Itamar -
É pouco. No primeiro encontro, gravamos sete músicas. Tenho que aproveitar a balada do cara aqui, ele mora no estrangeiro, pô. Quando ele for embora, na calada da noite, vou ver os baixos, os arranjos de base.

Naná - Uma coisa importante para mim é que gravar no Brasil com Itamar é diferente de estar no disco de fulano que já tem banda e som preparado. Gravei em disco de Paul Simon e queriam que eu assinasse contrato para tocar dois anos. Deus me livre, vou ficar toda a vida fazendo a mesma coisa? Não é para mim. Passei para um amigo, que comprou uma casa com o dinheiro que ganhou.

Itamar - É obra aberta. O som vai daqui para lá e de lá para cá.

Naná - Vai daqui para lá e de lá para cá. Muita gente pensa que não sei fazer ritmo ou que não conheço fundo de quintal. Itamar homenageando Clementina me dá oportunidade de mostrar que conheço, que sei tocar cuíca, fazer batuque, pôr o povo para dançar.

Folha - Naná tem trabalhado com artistas como Mônica Salmaso e Cordel do Fogo Encantado. Está evitando os figurões?
Naná -
Tenho muito cuidado. Detesto, por exemplo, gravar no disco de fulano, e ele já querer que eu toque meu berimbau, para depois falar na entrevista que Naná tocou berimbau. Aí você vai ouvir depois de mixado e não escuta nada. Por que chamou, então?

Itamar - Agora ele está querendo fazer o contrário comigo. Ele e o berimbau dele e a vozinha minha, tenho que ficar esperto (risos).

Folha - O som de cada um modifica o do outro?
Itamar -
É natural, batuque de dois pretos. Não é meu som que a presença dele modifica. O som é afro-brasileiro. Ele vem reforçar, provar que é moderno. Juntam-se os bagulhos, desse jeito em uma semana gravamos quatro CDs.
 

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