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15/05/2001 - 04h35

Cannes: Irmãos Coen chegam em preto-e-branco

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SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo, em Cannes

Em 1994, os irmãos Joel e Ethan Coen estavam na Carolina do Norte para filmar "Na Roda da Fortuna", fábula dos anos 50 com Tim Robbins e Paul Newman. Durante uma cena que se passava numa barbearia, a dupla ficou intrigada com um pôster na parede. O quadro mostrava meia dúzia de cabeças com vários estilos de corte de cabelo dos anos 40.

Um olhou para o outro, que olhou para o um. Ambos fazem tudo juntos em seus filmes. Joel, o de cabelo comprido e cavanhaque, casado com a atriz Frances McDormand, cuida mais da direção e da edição.

Ethan, o de barba rala e pouco peso, dedica-se aos roteiros e à produção.
São de completar a frase do outro e se entender pelo olhar. Ao olhar o pôster, ambos sabiam que um filme poderia sair dali. Aconteceu sete anos depois. É "The Man Who Wasn't There" (O Homem que Não Estava Lá), que a dupla exibiu anteontem no Festival de Cinema de Cannes, como parte da competição oficial.

Preto-e-branco
O filme dura cem minutos, foi rodado num preto-e-branco magistral, é o melhor do evento até agora e o mais bem-feito dos irmãos desde "Fargo" (1996).

Aliás, empresta deste o tema do marido pulha que envolve a mulher num plano aparentemente perfeito para ganhar dinheiro, plano que sairá do controle e desencadeará uma série de crimes.

Tem elementos ainda da obra de estréia dos Coen, "Gosto de Sangue" (1984).

Novamente a mulher traidora (novamente interpretada por Frances McDormand) é o pivô da trama.

Também como "Gosto de Sangue", é um filme noir, baseado vagamente no conjunto da obra do escritor James M. Cain (1892-1977), aquele de "Pacto de Sangue" e "O Destino Bate à Sua Porta", que já rendeu filmes de gente grande como Billy Wilder, Michael Curtiz e Bob Rafelson.

"Off"
É narrado em "off" pelo personagem principal, o barbeiro Ed Crane, interpretado à perfeição por Billy Bob Thornton, que aliás está a cara de Montgomery Clift.

Calado e sem ambições, Ed trabalha na barbearia do irmão de sua mulher, Doris (Frances McDormand, também ótima), em Santa Rosa, na Califórnia, em 1949.

Não tem relações sexuais com ela há anos, mas não reclama. Sabe que Doris está tendo um caso com o chefe, Big Dave (James Galdolfini, o Tony Soprano), por sua vez casado com a herdeira de uma loja de departamentos. Também não liga. Fuma o tempo todo e observa a vida passar.

Até que entra na barbearia um velho conhecido dos Coen, o ator Jon Polito, em seu quinto filme com os irmãos. Ele é Creighton Tolliver, um picareta que quer montar uma rede de lavagem a seco. Para tanto, precisa de um sócio com US$ 10 mil.

Ed faz as contas. Se chantagear Big John, consegue o dinheiro e de quebra se vinga da mulher, que afinal de contas o está traindo, ligue ele para isso ou não.

É aí que começa a confusão e acontecem mais reviravoltas na trama do que eu poderia contar aqui.

Basta dizer que é natural que um advogado citando o princípio da incerteza de Werner Heisenberg (que ele chama de "aquele alemão, Fritz, sei lá") e uma mulher que viu um disco voador apareçam na mesma sequência.

No final, o cabelo, seu crescimento e o corte cotidiano servem como metáfora para a vida de Ed. Que é o homem que não estava lá, do título.

Não estar lá tanto pode ser o fato de ele estar vivendo a vida de um outro, uma vez que não se envolve nem liga a mínima para o que acontece em volta, quanto o fato de ele estar contando toda a história em "off" para um artigo de uma revista.

Se o júri do festival, presidido pela atriz Liv Ullmann, for competente o suficiente, você vai voltar a ler aqui sobre os irmãos Coen nos próximos dias.

Palma de Ouro
Há poucas carreiras mais consistentes no cinema americano hoje em dia do que a da dupla de judeus de Minnesota. São nove longas em duas décadas, entre eles obras fundamentais como "Ajuste Final" (1990), "Barton Fink" (1991).

Nesse período, concorreram três vezes no Festival de Cannes, levando três prêmios, entre eles a Palma de Ouro de 1991.

Além disso, foram indicados a três Oscar (ganharam por roteiro em 1997) e premiados em Sundance em 1985, onde tudo começou.

Agora, devem rodar "To the White Sea and Back", a história de um aviador americano (Brad Pitt) que é derrubado no Japão durante a Segunda Guerra e sobrevive. Ambos também trabalham no roteiro de "Intolerable Cruelty", a ser dirigido em 2002 pelo colega Jonathan Demme ("O Silêncio dos Inocentes").

Ah, sim: de novo, a edição de "The Man Who Wasn't There" é assinada por Roderick Jaynes, importante profissional do cinema. Na verdade, é um nome que os dois inventaram para não parecer um exagero de vaidade um filme escrito, dirigido, produzido e editado pelos dois...
 

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