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22/05/2001 - 04h17

Literatura: "Titanic" da Espanha atraca em Terra Brasilis

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CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo, em Madri

Na América, sucesso é um loirinho abraçando por trás uma ruivinha com os braços abertos na proa de um navio. Na Espanha, "Titanic" não está nas telas. E tampouco é estrelado por um Leonardo DiCaprio.

O grande fenômeno cultural espanhol é um ex-jornalista cinquentão, de nariz aquilino e óculos desproporcionalmente grandes. O nome dele é Arturo Pérez-Reverte e seu transatlântico está atracando no Brasil.

Chega ainda esta semana às livrarias "A Carta Esférica" (Companhia das Letras), romance mais recente do escritor nascido na portuária cidade espanhola de Cartagena. Trabalho de Reverte mais elogiado (ou menos atacado) pela crítica desde "O Clube Dumas", romance que foi transformado por Roman Polanski no filme "O Último Portal", em 1999, o livro ambientado em universo marítimo não levanta âncora da lista dos mais vendidos.

Com tiragem inicial de 230 mil exemplares, a história do marinheiro Coy e da caçadora de tesouros Tánger já se aproxima de 1 milhão de exemplares vendidos só na Espanha, desde 2000.

Não foi muito diferente com os outros dez romances adultos ou com os quatro infanto-juvenis protagonizados pelo Capitão Alatriste (espécie de D'Artagnan espanhol), no conjunto traduzidos para 20 idiomas.

"Os leitores gostam de meus livros porque gostam de histórias. Não quero mudar a história da literatura a cada página", diz Reverte à Folha, no bar do hotel Suécia ("Era o predileto de Hemingway", sabia?).

Leia a seguir trechos da entrevista em que esse ex-correspondente de guerra exalta o mar e lança granadas no best-seller norte-americano e nos escritores que "não contam histórias", além de desenhar um cenário de Titanic para "o futuro da humanidade".

Folha - O sr. é filho de marinheiro, viveu até os 20 anos em uma cidade portuária e é um conhecido velejador amador. Por que o sr., um autor de livros de aventura, nunca havia escrito sobre o mar?
Arturo Pérez-Reverte -
O mar não é só um lugar especial. É o lugar em que eu nasci. Toda a minha infância, toda a minha memória está vinculada ao mar. O mar é minha casa. Por isso nunca quis escrever sobre o tema. Mas, como sempre digo, os romances não se escolhem, eles é que nos escolhem, como as mulheres.

Folha - E por que "A Carta Esférica" te escolheu?
Pérez-Reverte -
Para mim, o desafio era contar uma história como as de antes para um leitor de agora. A minha pergunta era: é possível escrever ainda hoje um romance com tesouro, piratas, mar, os malvados, a moça bonita, o marinheiro solitário? Era um desafio. Escrevo porque todo romance é uma aventura.

Folha - E por que o mar continua sendo uma aventura para o homem? Por que é mais fácil, na era da internet, que o público fique assombrado com o mar, de Marco Polo ao filme "Titanic", do que com o espaço?
Pérez-Reverte -
Dizia a jornalista italiana Oriana Falacci que a lua é um sonho para os que não têm sonhos. A ciência, a ficção, a lua, a corrida espacial, isso é para quem deixou de sonhar com as coisas da terra. O verdadeiro desafio é o mar, que é caminho, é mistério, é o resumo da vida. Assim como ela, ele tem regras duras.

Folha - E quais as regras que o sr. segue para escrever?
Pérez-Reverte -
Penso que o melhor da vida é vivê-la segundo regras, ainda que sejam as que você mesmo cria. Não existe graça em ganhar um jogo sem regras.

O drama de todos os meus romances se passa com um homem que enfrenta um mundo caótico com algum tipo de regra. Pode ser o xadrez, a esgrima, o mar. Vivi por 21 anos na guerra. Vivi o caos. Sem regras não se sobrevive nele. Para escrever, minhas regras são as de todos: um pano de fundo, um desafio, um desfecho, sujeitos, verbos, predicados. Detesto a literatura que não conta nada. Não me interessa um tipo que faça 500 páginas sobre seu umbigo.

Folha - Nem mesmo alguém como Marcel Proust, que escreve "Em Busca do Tempo Perdido" a partir de uma madeleine (bolinho que se come com chá)?
Pérez-Reverte -
Aí é diferente. Proust conta uma história. Histórias podem ser contadas de modo longo e tranquilo ou rápido e cortante. O que me irrita é o romance em que a madeleine não é mais do que a madeleine. Para Proust, ela é a desencadeante de uma série de memórias. Para boa parte dos escritores de hoje, a madeleine é algo que se molha no chá. E só.

Folha - Qual foi a madeleine que te fez escrever sobre o mar?
Pérez-Reverte -
Foi há três anos, quando fui a um leilão em Barcelona para comprar um mapa de navegação. De repente, me vi em uma situação em que disputava o mapa, lance a lance, com um homem estranho, de colete cinza. No fim, consegui a carta e a idéia para meu livro mais pessoal.

Assim como Coy, desprezo a terra firme. Não tenho esperança no futuro da humanidade. No mar é possível estar longe de tudo.

Folha - O estigma de autor best-seller lhe empurra para o mar? Qual é a pior parte de ser um best-seller?
Pérez-Reverte -
Isso não me incomoda. Eu gostaria que os críticos elogiassem minha obra, mas sei que isso não vai acontecer.

Folha - O sr. já se referiu aos best-sellers como se fossem divididos em duas categorias: americanos e europeus. Além do local de origem, qual a diferença entre eles?
Pérez-Reverte -
Sei que sou best-seller, como Ken Follett. Não vejo problemas em sentar com ele numa mesa. Mas, se disserem que fazemos o mesmo, ficarei bravo. Em meus romances, há 10 mil anos de memória. O best-seller americano não tem nenhuma memória.
 

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